A semana começou com as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sacudindo o mercado financeiro. Na terça-feira (2), o dólar chegou a R$ 5,66, o maior valor frente ao real em dois anos e meio. No centro desse ciclone estão as duras críticas que ele vem fazendo ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Para tentar conter a crise, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reuniu-se com Lula na manhã desta quarta-feira (3) em um encontro não agendado.
Dentre os fatores apontados para a crise estão as declarações do presidente sobre economia. Em entrevista à Rádio Sociedade de Feira de Santana, na Bahia, Lula afirmou que quando for escolher o novo presidente do BC, buscará alguém que "olhe para o país do jeito que ele é", e não "do jeito que o sistema financeiro fala".
As críticas sistemáticas que o petista tem feito contra Campos Neto também deixam o mercado instável. Isso porque o mandato de Campos Neto encerra em 31 de dezembro deste ano e o novo presidente da instituição será indicado por Lula, o que faz com que o mercado financeiro tenha receio sobre os novos rumos da economia brasileira. Porém, conforme a Lei de Autonomia do Banco Central, a indicação do presidente deve ser aprovada pelo Senado.
O economista Alcântara Macedo analisa que, apesar de as falas de Lula contra Campos Neto contribuírem para a alta do dólar, a influência dos discursos "não dura muito tempo", o que indica que a moeda norte-americana está pressionada por outros fatores para além dos embates entre o presidente da República e do BC.
"As palavras de todo chefe de Estado têm significado muito forte nos sistemas econômico e financeiro. À medida que um adjetivo ou uma colocação sai disforme, é evidente que tem influência. Agora não significa dizer que o dólar subiu somente por conta de uma fala do presidente Lula ou de outro. Pode acontecer, mas não tem consistência de manter o equilíbrio entre oferta e procura por muito tempo", observa.
Ano passado — o primeiro do terceiro mandato do presidente Lula — o dólar voltou a ficar abaixo dos R$ 5, e com frequência aparecia abaixo dos R$ 4,90. O cenário chegou a despertar discussões sobre uma possível redução ainda mais acentuada, com a moeda americana valendo menos de R$ 4, o que não acontece desde agosto de 2019.
O que vem reverberando no mercado e afetando o dólar
As falas do presidente Lula no mês de junho também são apontadas como responsáveis pela alta do dólar. Uma das reações negativas do mercado, principalmente no câmbio, foi por conta da fala de que o ajuste fiscal seria feito pelo aumento da arrecadação.
Também geraram instabilidade no câmbio do dólar as críticas feitas pelo presidente ao Copom por não realizar mais um corte na Selic. Lula já deu diversas declarações em que avalia a taxa de juros brasileira alta.
Segundo Alcântara Macedo, a decisão do Copom de manter a Selic em 10,5% ao ano após sucessivas quedas evidencia o desgaste do real, processo constatado pela inflação que, mesmo dentro da meta estipulada pelo Governo Federal, ainda pressiona o bolso dos consumidores e dos investimentos.
Quando a inflação começa a tomar volume ascendente, a receita básica é aumentar a taxa de juros. Como a inflação brasileira nunca foi pequena, é evidente que tem que se acompanhar tecnicamente essa evolução dos preços. O que o Banco Central faz, primeiro, não é a vontade do Campos Neto, é a vontade dos membros do Copom. São eles que votam e decide sobre o tamanho da taxa de juros.
Para o economista, a grande questão do embate entre Lula e Campos Neto é o teor político, uma vez que o atual mandatário do BC foi indicado pelo antecessor do petista no cargo, Jair Bolsonaro (PL). O presidente do Banco Central fica no posto até dezembro e não deve ser reconduzido para novo mandato.
"Acredito que essa discussão entre Lula e o presidente do Banco Central é decorrente do próprio Lula não ter indicado o Campos Neto e porque o Campos Neto pensa diferente do presidente. Quando é que isso vai minimizar? No dia que o Campos Neto deixar o Banco Central. Não está longe, por isso que certamente o Lula não vai deixar que ele permaneça no cargo", avalia o especialista.
Fatores externos também contribuem
Para o professor de Economia e Finanças da Unifor, Allisson Martins, essa tendência de alta do dólar recente, na verdade, é uma combinação de fatores externos e internos, em que as falas do presidente Lula não seriam o determinante.
Primeiro, ele aponta que há um fator externo, em razão da postergação da redução de juros, pelo Banco Central Americano. "Isso trouxe um sentimento aos capitais estrangeiros para retirarem recursos de países emergentes (como o Brasil) e levarem para os Estados Unidos pela manutenção dos juros mais altos naquele país, onde se tem um mercado financeiro mais forte, mais resiliente".
Segundo, haveria um "certo barulho em função das questões fiscais do país", que acarreta um terceiro fator, relacionado também aos investidores externos.
"Os investidores, os grandes fundos, buscam um mecanismo de proteção de carteira de investimentos, utilizando hedge cambial (se baseia no uso do dólar como estratégia de proteção para outros ativos ou operações) e isso gera também uma demanda por instrumentos cambiais que fazem o dólar subir".
Martins não aposta que o dólar deva continuar subindo, em um cenário futuro e acredita que esse é um "movimento concentrado em um certo período de tempo". Vale lembrar, segundo o especialista, que a cotação do dólar é, basicamente, a relação entre a oferta e demanda de moedas.
"O dólar é uma variável muito imprecisa para a gente cravar, mas a tendência é que com o volume de exportações, a balança comercial brasileira forte, os investimentos externos dos estrangeiros continuando acontecendo no país, isso gera uma oferta de dólares também muito grande e isso pode ser um contrapeso nesse processo de tendência de alta do dólar".
Impactos para o consumidor
No dia a dia do consumidor, o dólar alto impacta no valor de produtos como o pão francês e até os combustíveis, já que matérias-primas de muitos produtos tem a moeda norte-americana como base de preço.
Mas, para o especialista Allisson Martins isso é algo que se poderá sentir a médio prazo. "Não existe aí uma relação mecânica direta, aumentou o dólar, já aumenta a inflação desses produtos". Ele lembra que a alta ou não depende do câmbio, da celebração de contratos, ou ainda dos próprios estoques de insumos para sabermos se irá impactar no bolso.
Moeda norte-americana foi terceiro melhor investimento
O dólar foi o terceiro ativo que mais gerou rentabilidade para investidores no primeiro semestre deste ano. Até junho, a moeda norte-americana subiu 15% no ano ante o real, na cotação à vista, beirando os R$ 5,60.
Ele perdeu, apenas, para o ouro, com alta na faixa de 30% e para o bitcoin, sendo o investimento de maior valorização, com mais de 60% em reais.
Vale registrar que o melhor desempenho mensal do dólar foi justamente o mês de junho, com a forte desvalorização do real diante do aumento da percepção de risco fiscal.
O cenário todo deve favorecer o fomento de investimento estrangeiro no Ceará, como projeta Alcântara Macedo. Pensando friamente em dólar mais alto, o real perde valor e traz maior economia para os aplicadores do exterior, mas a situação pode mudar devido à instabilidade política e econômica.
"Isso favorece a entrada de dinheiro para investimento, porque investimentos que precisariam de muitos dólares vão precisar de menos para serem efetivados. O que faz com que os investimentos diminuam, basicamente, é a instabilidade da economia brasileira, como a inflação, déficit orçamentário público, esses são elementos que atingem a decisão do investidor. Momentaneamente, o dólar alto vai favorecer que o investidor possa comprar mais reais e investir em qualquer lugar com vantagem", finaliza.