A atendente Olavia Daiany, 27, havia saído da casa da mãe com 15 anos de idade e, desde então, experimentava a liberdade de ter uma casa com suas regras. A pandemia, contudo, transformou a jovem em um dos mais de 14 milhões de brasileiros desempregados, forçando-a a voltar para o ninho.
Com um novo emprego há menos de um mês, a cearense mora hoje junto com o marido na casa da sogra, em Fortaleza.
Apesar da vontade de voltar a ter um canto próprio para morar, as dívidas que o casal contraiu enquanto ela estava desempregada dificultam os planos.
“Veio o aluguel caro, a luz estava vindo um absurdo, água, alimentação... Eu e meu marido não estávamos conseguindo manter tudo só com um salário”, conta.
O IGP-M, índice que ajusta grande parte dos contratos de aluguel, fechou agosto acumulando alta de 31,12% nos últimos 12 meses. A inflação já tem alta acumulada de 10,05% no mesmo período e a conta de luz só sobe com o acionamento de novas bandeiras tarifárias.
Com todas essas contas se amontoando, Olavia não é a única que teve de voltar à casa de familiares para fazer o orçamento do mês fechar.
De volta à casa da mãe
A pandemia mudou o relacionamento da artesã Elisângela Passos, 48, levando-a a sair da casa em que ela morava com o pai de sua filha para buscar um lugar novo.
Ela até estava conseguindo superar as contas, até que o incêndio no Casarão dos Fabricantes, em setembro do ano passado, levou embora grande parte da matéria-prima de seu trabalho.
A venda do pouco que sobrou do seu artesanato não foi suficiente para segurar o aluguel do apartamento para o qual havia se mudado.
A situação levou a artista a voltar a morar na casa da mãe, mas após conflitos entre mãe em filha, ela agora mora de favor na casa à venda de sua irmã. “Pago água, luz, faço meus bicos que estão piores do que nunca e é isso. É onde tenho um auxílio”, relata.
Elisângela tem planos de alugar em breve um espaço para morar com a filha, mas a baixa demanda no trabalho não tem possibilitado uma maior flexibilidade financeira.
“Como eu trabalho com artesanato, nem ligar mais tão ligando. Não tenho previsão, tenho que dar graças a Deus minha irmã ter cedido a casa dela”, diz.
Quem casa quer casa
Noivos, a arquiteta Sandra Müller Mattei, 27, e o técnico de edificações Lucas Viana, 31, tiveram que entregar as chaves do apartamento em que moravam juntos há mais de um ano.
Hoje, o casal mora na casa da avó da jovem e guarda dinheiro para o casamento e para conseguirem, em breve, um lugar próprio.
Conforme Sandra, as contas já ameaçavam não bater mais, mas foi o reajuste do aluguel que levou o casal a colocar os prós e contras na balança e se mudarem para a casa da familiar.
“O aluguel subiu em mais de 200 reais e o proprietário disse que faria um aumento no final do contrato. Além do reajuste, teria um aumento do proprietário. Para a gente, foi mais do que a gente estava programando, fora as outras contas, conta de luz, gás, água, tudo aumentou”, narra.
A gente não se arrepende, mas a gente passa os perrengues de quem não mora na própria casa. Tem muita coisa que a gente não concorda, mas segue a vida
Autônoma, a arquiteta espera conseguir mais espaço no mercado para uma renda mensal maior. A esperança do casal é que o salário do técnico de edificações aumente depois que ele conseguir o diploma da faculdade de engenharia, a qual ainda está cursando.
A meta é que eles juntem dinheiro para dar entrada em um imóvel em dois anos. Apesar de ainda colaborarem com as contas na casa onde moram, a retirada do peso de arcar com todos os custos de uma casa permitiu que os jovens consigam juntar dinheiro todos os meses.
“Morar na casa dos pais, principalmente quando se é noivo, é complicado, quem casa quer casa. Foi redução de custos e uma possível forma de fazer uma reserva de dinheiro”, explica.