Ceará terá três anos de forte crescimento em energia solar, diz Jonas Becker

Convidado desta semana do Diálogo Econômico, o coordenador da Absolar no Ceará revela as expectativas para o setor no curto e médio prazos

Com grande disponibilidade de recurso solar, o Ceará deve ver o mercado de energia fotovoltaica avançar a passos largos no médio prazo.

Em 2020, a capacidade instalada foi mais que o dobro do ano anterior mesmo em meio à crise sanitária, resultado que deve se repetir em 2021 e 2022.

A projeção é do coordenador da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) no Ceará, Jonas Becker, convidado desta semana do Diálogo Econômico.

Conforme o executivo, a demanda crescente é registrada em meio a um cenário de crise hídrica e elevação das bandeiras tarifárias, mantendo-se em alta apesar da disparada do dólar, variante que interfere diretamente no preço das placas.

Becker ainda comenta os possíveis impactos que o novo Marco Legal deve causar tanto na chamada geração distribuída, como são chamados os projetos de pequeno porte para alimentar residências e pequenos comércios, quanto na geração centralizada, caso das grandes usinas que fornecem energia para empresas através do mercado livre ou regulado.

Confira a entrevista completa:

Como a pandemia interferiu no mercado de energia solar no Ceará? Com as pessoas ficando mais em casa, houve um aumento da demanda? 

No ano passado, a geração distribuída ganhou quase 95 MW de capacidade instalada. Hoje, até setembro, o Ceará fez quase 78 MW. Pela projeção da gente, eu acredito que o ano de 2021 vai ser igual ao ano de 2020. 

Não vai ter crescimento no ritmo (de instalação). Apesar que, considerando a crise sanitária que tivemos, é sim crescimento fazer a mesma coisa que em 2020. 

Pode-se considerar um crescimento porque em 2019, a gente tinha feito apenas 40 MW e em 2020 a gente fez 95 MW. Então, eu mais que dobrei de um ano para o outro a instalação de novos painéis. 

Com relação a prejuízos, esse período de crise sanitária trouxe alguma desvantagem, como demissões, por exemplo?

Não teve. O Ceará soma mais de 13 mil empregos na área de energia solar. Então, é uma área que vem crescendo. 

Não tiveram demissões, tiveram mais contratações e novas empresas surgiram. 

Os reajustes nas bandeiras tarifárias ao longo desse ano ajudaram a impulsionar essa procura por energia solar? 

O que mais incentiva o consumo das usinas de energia solar? O primeiro deles é a economia, porque o uso da energia na residência está atrelado àquela operação diária e ao conforto de uma água quente, de um ar condicionado, etc. 

Então, pra você racionar, pra ter economia hoje sem a usina, você tem que abrir mão de conforto. 

A forma que você tem de manter seu conforto, fazer investimento e estar a salvo desses aumentos - que são sempre muito expressivos na nossa conta - é gerar sua própria energia. 

Com esses aumentos, sim, a procura da energia solar aumentou. Mas eu sempre falo que no Ceará a gente tem 3,7 milhões unidades consumidoras da Enel. E apenas 22 mil tem energia solar. 

A gente ainda está no início da curva. Estou falando de 0,5% do total de unidades consumidoras. 

A procura aumentou, o mercado vem se consolidando, mas a gente ainda faz parte de um pequeno grupo. Tem muito trabalho a ser feito. 

Qual a influência que o Marco Legal da geração distribuída deve ter no segmento de energia solar? 

O projeto de lei está no Senado, na comissão de Minas e Energias, vai ser votado e depois vai para o presidente sancionar. 

A essência do Marco Legal é dar segurança jurídica para os investimentos, principalmente os de maior porte. 

Os projetos de menor porte, os residenciais, não estão sofrendo alteração. A alteração deles é pouca, eu diria até mesmo que acompanha o próprio aumento do custo de energia. 

Não percebo nenhuma grande alteração no mercado residencial no curto-médio prazo, pelo menos no quesito regulatório. 

Pode ter no quesito de tecnologia, mas no quesito regulatório não vejo nenhuma alteração com o PL. 

Já as plantas de maior porte, que no Ceará são muito importantes e no Nordeste em geral, pois essas plantas tem um movimento muito voltado para o Interior, que desenvolvem a região, elas sim vão ter impacto mais relevante no curto prazo. 

É ruim pra uma região como o Nordeste, que tem o interior economicamente muito vulnerável, perder uma atividade econômica que desenvolve. 

Mas acredito que, pelo potencial solar que nós temos, dependendo da tecnologia, do preço do dólar - que impacta muito na nossa atividade -, pode ser que continue sim tendo uma atividade constante, se desenvolvendo mesmo após o PL. 

Você comentou que não deve ter mudanças significativas para usinas residenciais. Mas o projeto não previa uma alteração na conta de compensação entre o excedente e o consumido por conta do uso da rede de distribuição? 

Na verdade, o PL é sobre isso, sobre o pagamento do uso da rede. O ponto principal do PL é esse: o quanto a rede de distribuição, que é um ativo, deve ser remunerada por quem gera sua própria energia. 

A questão é: quais os benefícios que quem gera sua própria energia gera pro sistema? A discussão é complexa. 

Você concorda que, se eu gero energia aqui em Fortaleza, ela tem um custo diferente da energia gerada em Itaipu? 

Imagina o custo que (a energia de) Itaipu tem pra vir até aqui e o custo que eu tenho de gerar energia no Eusébio e injetar para minha própria carga. 

Essa conta, essa matemática (entre o que é injetado e o que é consumido do sistema), o PL prevê ela após a sanção do presidente. 

Tem um trecho do texto que fala que vai ser criada uma comissão liderada pelo Conselho Nacional de Energia que, junto com Aneel e instituições de classe, vai definir essa matemática.  

E aí sim vai ser divulgado os benefícios da Geração Distribuída e a conta de quanto deve ser pago ou não do fio. 

E quais as mudanças para os projetos de grande porte? 

É a mesma condição do exemplo anterior de Itaipu. Quanto mais longe a usina está da carga, mais ela vai pagar o fio. 

Então, o PL deixa claro que quanto mais eu estiver próximo da carga, menor vai ser meu custo.

Então o marco legal vai ser ruim para as chamas fazendas solares? Você acredita que vai inviabilizar esse tipo de projeto? 

É natural, se você vai ter uma coisa que é mais cara, ela vai ser mais difícil de se viabilizar. Mas eu acho que não vai chegar a inviabilizar. 

E pode até parecer (uma visão) meio imatura, mas o crescimento de energia, da demanda de energia, é uma constante. 

A questão é mais que painel solar hoje virou uma commodity e, junto com o dólar, são os grandes vilões. 

'Ah, faltou painel solar. Está sobrando painel solar. O dólar está muito alto. O dólar está muito baixo'. 

São essas coisas que, no final das contas, vão clarear as possibilidades de negócios. 

Pelo fato da gente não industrializar, não fabricar o produto no Brasil, existem muitas variáveis que a gente precisa considerar na conta do investimento pra ver se fica ou não de pé.

Você pontuou que o dólar interfere no custo dos painéis. Então, o comportamento do preço desse investimento tem sido de alta? Deve continuar subindo ainda nos próximos meses? 

Se eu pegar a série histórica do dólar, estava R$ 5,30 há um mês e agora já está R$ 5,60. É uma variação de quase 10% em 30 dias. 10% é muita coisa no mercado. 

Sobre o futuro, é difícil ter uma previsibilidade. O mercado está estável nesse fim de ano, as pessoas que fazem parte dessa atividade econômica estão querendo ver a atividade estabilizar. 

Montar uma usina solar em casa é um investimento de longo prazo. As opções de crédito que o mercado tem oferecido já são acessíveis o suficiente para que essa questão não atrapalhe o setor? 

A taxa de juros no Brasil é um problema para todos os setores de varejo. Você vê o próprio carro, que é um mercado muito consolidado, trabalha com taxa de juros de 0,8% a 1,4%, que são as mesmas taxas que o mercado de energia solar trabalha. 

Então, nesse aspecto, a gente já tem uma solução financeira comum a mercados já consolidados. 

Diferente de outras atividades, a energia solar poderia ter um incentivo maior dos bancos porque ela é um ativo que gera economia, não gera gasto. 

Os bancos deveriam ter uma visão diferente, porque eu estou financiando uma coisa que vai gerar um benefício financeiro também para o cliente. 

Na minha visão, o risco de inadimplência é menor do que um bem móvel, como carro ou outro produto. 

O Brasil é o país dos juros complicados. Como eu falei, existem 3,7 milhões unidades consumidoras no Ceará, apenas 22 mil fazem parte da Geração Distribuída (GD). 

A solução financeira é parte fundamental pra que o mercado se desenvolva cada vez mais. 

O Ceará é tido como protagonista em energias renováveis como um todo, principalmente na eólica e agora no hidrogênio verde. Mas na solar estamos atrás de alguns outros estados. Você acredita que estamos perdendo espaço? Por quê? 

No Brasil, o Ceará é o 10º em geração distribuída. No Nordeste, à frente da gente está só a Bahia, que ultrapassou mês passado e é um estado bem maior economicamente. 

Eu vejo o Ceará sim com protagonismo nessa fonte. Até esse ano, o Ceará era o primeiro do Nordeste e foi durante anos. 

Agora, a gente estava em 7º (do País), descemos para 10º, mas continuamos com protagonismo no Nordeste, estamos no Top 10 (do Brasil). 

Claro que precisamos continuar avançando, mas vejo sim o Ceará com essa bandeira de protagonismo nas energias renováveis. 

Existe uma fragilidade econômica pela estruturação. É um estado do Nordeste, tem muito sertão, poucas áreas desenvolvidas, mas mesmo nessa condição, vejo a gente com protagonismo. 

Como você avalia o desenvolvimento dessa fonte em 2022? 

Fazer futurologia no Brasil é difícil. Mas uma perspectiva boa é fazer pelo menos o que a gente deve fazer esse ano. Porque próximo ano é ano de eleição, um ano que se divide muito. 

Então, se a gente fizer o que vamos fazer em 2021, uns 90 MW (de capacidade instalada), acho que está de bom tamanho. 

Seriam três anos, 2020, 2021 e 2022 no mesmo ritmo de crescimento.

Com relação a geração centralizada, temos visto algumas empresas anunciarem novos projetos para o mercado livre, outros sendo aprovados no último leilão da Aneel. Como está o desenvolvimento desse segmento? 

A geração centralizada (GC) no Ceará, temos por volta de 3 GW (de capacidade instalada). Em operação, temos 213 MW. 

Em operação em GD eu tenho 220 MW mais ou menos. Em construção, eu tenho 413 MW em GD no Ceará. Em construção não iniciada, mas contratada, eu tenho 2,3 GW. 

Então, é uma diferença gigante entre a geração distribuída e a geração centralizada. 

A questão da geração centralizada é que ela exige muito mais vencer desafios técnicos, como a parte de conexão. Você conectar uma usina de GC é muito mais complexo. 

E vencer a parte ambiental é complicado. Aliás, não é complicado, demora mais tempo. São projetos que demoram anos e anos para ficarem de pé. 

O Ceará hoje é o 5º do Brasil que tem mais GC de energia solar. 

Agora, a energia solar na nossa matriz energética representa 2%, a centralizada. A eólica, por exemplo, representa 10,5%. 

Ainda tem muito caminho, é uma coisa muito iniciante. 

Sendo um mercado em expansão, o setor é uma boa aposta para quem busca uma colocação no mercado de trabalho? Ainda falta mão de obra especializada? 

Não está sendo fácil encontrar mão de obra capacitada. 

A gente tem bons cursos no Ceará. O Senai tem uma boa condição de treinamento de equipes, mas a gente ainda tem bastante dificuldade de encontrar mão de obra capacitada. 

É um dos gargalos que a gente precisa vencer aqui no Ceará e no Brasil. 

É uma atividade econômica nova, então essa parte ainda está em fase de amadurecimento também.