O preço dos combustíveis tem causado forte pressão no bolso de motoristas de aplicativos e taxistas. No Ceará, houve alta de todos os carburantes nas últimas quatro semanas, mas foi o metro cúbico do Gás Natural Veicular (GNV) que teve a maior elevação (19%), passando de R$ 3,72 para R$ 4,30.
Os dados são da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O combustível — que tende a ser mais competitivo na comparação com os demais — é um dos mais utilizados pelos profissionais para aumentar a margem de lucro. Porém, a taxa de câmbio e cotação do petróleo fizeram o custo do produto aumentar em 39% em abril, reajuste que chegou às bombas em maio.
Com jornadas de trabalho de cerca de 14 horas, a despesa com o GNV se soma às de manutenção e aluguel dos automóveis.
O presidente da Associação dos Motoristas de aplicativos do Estado do Ceará (Amap), Rafael Keylon Gomes da Silva, conta que esses fatores geram corrosão da renda dos profissionais.
Ar-condicionado desligado
“O combustível é a nossa matéria-prima. Estamos sentindo o impacto diariamente”, calcula. Rafael lembra que, desde o início da pandemia, os motoristas não utilizam o ar-condicionado para evitar o contágio da Covid-19.
Com isso, afirma, havia sido registrado um ganho de 30% após a redução do consumo do produto. A economia, no entanto, teria sido suprimida por esta majoração.
“Não temos reajuste da Uber desde 2016 e também da 99. O nosso tempo rodando aumentou para podermos compensar, e ainda estamos com o número de clientes reduzidos devido à pandemia”, relata.
Segundo o presidente do Sindicato dos Taxistas do Ceará (Sinditaxi/CE), Francisco Moura, a situação é semelhante para a categoria. “O GNV, que até então era uma alternativa pra gente, não compensa mais. Estamos vendo o metro cúbico chegar a quase R$ 5”, explana.
“O nosso rendimento já estava achatado em razão da pandemia e 40% do nosso faturamento está destinado ao combustível”, frisa o impacto.
Custos elevados
Motorista de aplicativos há pouco mais de quatro anos, Erivelton Freitas, de 29 anos, instalou o motor a gás no carro há dois anos.
Ele conta que as oscilações da gasolina e etanol eram mais perceptíveis no orçamento, mas enfatiza que a alta do GNV também tem trazido transtornos.
“Sem reajuste dos aplicativos, estamos tendo que trabalhar de 14 a 16 horas por dias para voltar para a casa com um valor melhor da diária. Estamos rodando muito. Com esse aumento do combustível, tem sido ainda complicado para todo mundo trabalhar”, relata.
O que dizem as empresas
O Diário do Nordeste procurou as empresas citadas para saber quais medidas estão sendo tomadas. A Uber disse que o preço dos combustíveis foge do seu controle, mas entende a insatisfação e trabalha para ajudar a reduzir gastos fixos com parcerias em postos e programa de pontos que dão recompensas.
Sobre a tarifa defasada, informou que, no ano passado, a taxa cobrada pela Uber era fixa em 25%. Em 2018, "ela se tornou variável e passou a fazer parte da estratégia da Uber em oferecer descontos para os usuários para incentivar que eles façam viagens".
"Há confusão entre os motoristas parceiros sobre o valor da taxa porque, em algumas viagens, pode aumentar enquanto, em outras, pode diminuir. É por isso que todos os motoristas parceiros ativos recebem toda semana, por e-mail, um compilado sobre os seus ganhos. Nesse e-mail, é possível conferir quanto ele pagou de taxa Uber naquela semana", informou.
Já a 99 disse que está aberta ao diálogo e prioriza a melhoria contínua dos ganhos dos motoristas parceiros.
"Nesse sentido, a empresa viabiliza parcerias e condições especiais nos preços dos combustíveis, manutenção de carros e locações com agências para reduzir os gastos dos parceiros", afirmou, apontando programa de desconto de 10% em uma rede de postos.
Tendência é de estabilidade do preço
O consultor especialista em petróleo e gás, Bruno Iughetti, explica que a tendência para o preço do GNV é de estabilidade.
“O aumento se deu a partir do reajuste do governo, em abril. O repasse desses 39% não foi imediato e agora os revendedores estão fazendo paulatinamente”.
“Para reajustar, o governo levou em conta o preço do GNV no mercado internacional. Com o aumento do dólar e a desvalorização da nossa moeda, naquele período, a Petrobras realizou esse reajuste, que é extremamente elevado”, avalia.
Bruno analisa que novas altas não devem ocorrer. “O GNV está estabilizado porque o petróleo cru já desvalorizou 3% e a variação cambial também está moderada. A tendência é que não tenhamos reajustes no médio prazo”, pondera.
Repasse para o consumidor
Segundo a 99, o aumento do custo dos combustíveis não será repassado ao consumidor.
"Sobre o valor das tarifas, a 99 busca o equilíbrio entre a oferta e demanda para viabilizar o transporte das pessoas que precisam sair de casa neste momento. E não houve reajuste de valor devido ao aumento do combustível", informou em nota.
A Uber também afirmou que não haverá repasse para os clientes.
Aumento do aluguel de veículos
Segundo a Amap, os motoristas voltaram a alugar veículos após as reaberturas das atividades para atender à demanda.
O diretor regional da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla) no Ceará, Carlos Augusto, observou aumento de 30% da procura em abril deste ano ante igual período em 2020. Desse total, fatia de 20% é de motoristas de aplicativos. O restante é de empresas.
Quando as atividades começaram a reabrir, houve um aumento pela procura de aluguel de veículos. Com o turismo ainda está fechado, grande parte é dos motoristas de aplicativo”.
“A expectativa é de melhora 10% a 15% até o fim do ano, com a reabertura do Beach Park e atividades turísticas”, projeta.
Em 2020, a frota total do setor, que soma as unidades compradas com veículos seminovos já disponíveis, chegou em 12.256 no Ceará, um aumento de 16,3% em relação a 2019.
Das 559 locadoras ativas no Ceará, 476 alugam veículos sem motorista, enquanto 83 atuam prestando o serviço de aluguel incluindo o condutor. Segundo a Abla, essas empresas são responsáveis pela manutenção de 4.719 empregos diretos.
A presidente da Cooperativa dos Locadores de Veículos de Aplicativos do Ceará (Colvapp), Eber Eli Chagas, também avalia que houve um crescimento da demanda com a reabertura das atividades, mas pondera que ainda é incipiente para a recuperação das pequenas empresas.
“Com o aumento dos valores de carros, de combustível, GNV, peças automotivas e sem reajuste de valores de corridas nos aplicativos, acabou ficando inviável continuar alugando porque os veículos são muito depreciados por terem de rodar muito. Sendo assim, alguns locadores de pequeno porte desistiram do ramo”, lista.