Oito a cada dez vítimas de suicídio são homens; repensar preconceitos e tabus é fundamental

Especialistas apontam que a chamada “masculinidade tóxica”, imposta socialmente, impede homens de buscarem ajuda para aliviar sofrimento psíquico

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br

O marido de Luana* (nome fictício) era conhecido pelo sorriso constante, pelo bom humor e pelo “gosto por conhecer coisas novas”. Quando ele tirou a própria vida, neste ano, o baque foi imensurável. Rodolfo* tinha 32 anos quando se somou aos 257 homens que cometeram suicídio no Ceará, entre janeiro e julho de 2020, de acordo com dados da plataforma Integra SUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

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O número corresponde a cerca de 84% das 306 ocorrências totais registradas no Estado durante o período, ou seja, quase nove a cada dez vítimas de autoextermínio são do gênero masculino.

“As mulheres tentam mais, mas conseguimos salvá-las mais. Já os homens têm uma capacidade de execução mais violenta, tornando o salvamento difícil”, relata Adriano Sousa, coordenador de Políticas de Saúde Mental da Sesa.

A psicóloga e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vládia Jucá, a construção social imposta aos homens é ditada pela agressividade, o que incide inevitavelmente sobre a autoagressão. 

“Os homens são construídos para colocarem essa agressão pra fora, e as mulheres, para internalizarem. A automutilação acontece em ambos, mas eles chegam a consumar mais”, pontua.

Tabus

Ela afirma, ainda, que a resistência dos homens em pedir ajuda se expressa de forma fatal. “As tentativas de suicídio são muito mais um apelo por socorro do que um movimento em direção à morte. A pessoa, em várias situações, está tentando buscar ajuda, e isso acontece mais entre as mulheres”.

Deborah Brito, psicóloga especialista em prevenção do suicídio e fundadora do Instituto de Tanatologia e Valorização da Vida, analisa que esse padrão está relacionado ao patriarcado e ao que se chama de “masculinidade tóxica”: o conjunto de comportamentos e estereótipos socialmente cobrados dos homens. Um machismo fatal a si próprio.

“O homem é a figura que trabalha mais, que tem a obrigação de sustentar a casa. Mesmo que dentro do ciclo familiar não tenha esse padrão, ele tem essa pressão em cima dele. Às vezes, ele não pode chorar ou falar sobre um relacionamento, um casamento que não vai bem, dentro do próprio ciclo de amizades. Ele tende a guardar, reprimir, enquanto nós, mulheres, conseguimos falar mais dos nossos problemas”, exemplifica a psicóloga.

A psiquiatra e professora de Medicina Clínica da UFC, Luísa Weber Bisol, cita que essa “é uma realidade mundial: em diferentes culturas, a maior parte dos suicídios é do gênero masculino”. “Os homens”, complementa a médica, “tendem a ter tentativas mais graves, com maior poder de letalidade”. Além disso, transtornos como ansiedade e depressão, que estão entre as maiores causas de suicídio, são mais “ocultados” entre eles.

Outros perfis que preocupam quando o assunto é suicídio são os idosos e as pessoas entre 20 e 29 anos, que concentram os maiores número de casos no Ceará: 63 ocorrências cada. Para Adriano Sousa, da Sesa, o ritmo e as expectativas da sociedade atual incidem diretamente sobre o problema. “Jovem tem uma necessidade de sempre ter o novo, ser o melhor, viver num mundo de felicidades. Mas a busca pela felicidade intensa não existe, o mundo tem elevações cíclicas”, pontua.

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