“Maioria das ligações fala de solidão”, diz voluntária do CVV; ouvir o outro pode prevenir suicídios

188. Os três dígitos simples, discados gratuitamente de qualquer tipo de telefone no Brasil, são uma ponte rápida a um recurso a cada dia mais valioso: a escuta atenta. No Centro de Valorização da Vida (CVV) em Fortaleza, cerca de 60 voluntários atuam, durante 24h, no recebimento de ligações de quem precisa compartilhar e aliviar angústias – alimentadas, na maioria dos casos, pelo sentimento de solidão.

De janeiro a abril de 2020, o canal recebeu 35.658 ligações de moradores de Fortaleza e da Região Metropolitana, 14,9 mil delas só em março e abril, meses iniciais do isolamento social imposto pela pandemia no Estado. Cearenses de Juazeiro do Norte e de Sobral somaram outros 18.432 chamados ao centro.

Rejane Felipe, atual coordenadora do posto do CVV em Fortaleza, é voluntária do centro há 23 dos 60 anos de vida, e destaca o principal teor dos chamados.

“Há muitas ligações falando de solidão acompanhada: gente que está no trabalho, em casa, cercado de outras pessoas, mas sem ninguém com disponibilidade para ouvir. E encontra isso no CVV. Nós percebemos como é importante, na hora da dor, saber que alguém tá disponível pra ouvir sem julgamento, com atenção, numa relação de confiança. Nós fazemos a diferença numa sociedade da intolerância, da indiferença, que não ouve mais as pessoas."

A coordenadora lamenta que, durante a pandemia, houve redução na disponibilidade de atendimentos, devido à mudança de rotina dos voluntários – mas garante que o serviço não foi suspenso em nenhum momento. “Utilizamos de soluções tecnológicas, sempre garantindo a segurança e o sigilo do conteúdo que é conversado, o anonimato das pessoas que ligam. Mantendo o padrão de atendimento que a gente fazia antes às pessoas que precisam conversar, desabafar”, pontua.

Preparo 

Os voluntários do CVV, explica Rejane, passam por treinamentos e acompanhamento para a lida diária “com o que há de mais frágil e vulnerável no ser humano: a dor emocional”. “Procuramos traçar um perfil da pessoa, porque ela vai tratar de situações muito delicadas e complexas. O voluntário do CVV acaba sendo um amigo provisório para quem está precisando conversar sobre dores, angústias, medos, decepções, descobertas. Ensinamos a filosofia do trabalho, a forma de atendimento, para se sentirem seguros em fazer essa acolhida”.

O aprendizado para quem escuta atentamente sobre o sofrimento emocional do outro, garante ela, é constante. 

“Há um limite do voluntário como ser humano, ele também sofre. Ele vai se fortalecendo e aprendendo a separar a dor do outro da sua. Não somos salvadores da pátria nem podemos mudar a vida da pessoa. Estamos segurando na mão e acolhendo: não somos responsáveis por solucionar aquela situação”, salienta Rejane.

Vládia Jucá, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), reconhece a importância de iniciativas como o CVV, mas ressalta que é preciso cuidar de quem atende. “Para a pessoa lidar com uma situação tão mobilizadora, escutar o outro com a angústia a flor da pele, é preciso se cuidar. É fundamental que ela também tenha espaços para compartilhar tanto o próprio sofrimento como conversar sobre os atendimentos que faz. Cuidador do cuidador é essencial”, frisa.

A também psicóloga Deborah Brito, especialista em prevenção do suicídio e fundadora do Instituto de Tanatologia e Valorização da Vida, reitera a importância de cuidar de si para ajudar o outro, mas alerta que disponibilizar redes sociais pessoais “para desabafos”, iniciativas comuns durante o setembro amarelo, não é recomendado.

“Uma pessoa que tem ideação suicida não vai procurar ajuda em horário comercial, vai procurar de madrugada, aos sábados, fins de semana. Você pode não estar lá. Além disso, quando não se está em processo terapêutico e se recebe demanda de uma outra pessoa, as chances de se contaminar com isso são muito grandes. Eu vou direcionar minha energia pra um sofrimento que não vou conseguir lidar”, avalia a profissional.

Nesse sentido, Deborah destaca como imprescindível a procura por auxílio especializado. “Um profissional não vai tomar dores, e sim cuidar delas. É importante que todos consigam perceber e identificar que alguém precisa de um acolhimento e encaminhar pra um profissional, e não guardar essa informação”, conclui.