Variante Delta circula há um mês no Ceará; saiba se ela impactou nos casos de Covid-19

Em pelo menos 26 casos, não foi possível rastrear qual a origem da infecção. Atualmente, o cenário ainda é de incertezas sobre o potencial real da variante.

Os indicadores epidemiológicos da Covid-19 no Ceará estavam em queda quando, em 29 de julho, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) confirmou a chegada da variante Delta ao Estado, através de casos importados.

A preocupação dos especialistas aumentou em 11 de agosto, com o reconhecimento da transmissão comunitária, quando não é possível localizar a origem da infecção. Mas o que mudou no último mês com a circulação da variante?

De 11 agosto a 10 de setembro, houve 5.168 casos confirmados de Covid-19, além de 46.360 notificados e 82 mortes. As confirmações são 65% menores que as 15 mil do período anterior, entre 11 de julho e 10 de agosto, que também teve 75.883 notificações e 320 óbitos. Os dados são da plataforma IntegraSUS.

Até 31 de agosto, o Estado registrou 96 casos confirmados da Delta, dos quais 26 foram por transmissão comunitária. Procurada pela reportagem na última sexta (10), a Secretaria da Saúde informou que, até o momento, não houve atualização do número.

Para o biomédico, microbiologista e professor universitário Samuel Pereira, a redução sustentada tem na vacinação em massa a principal aliada, mesmo que os níveis ainda estejam “longe do ideal”.  Até a última quinta (9), foram aplicadas 8,4 milhões de vacinas no Ceará.

No entanto, outra hipótese é que, assim como outros vírus respiratórios, como influenza e VSR, o Sars-Cov-2 circule menos no Ceará no período mais seco, de julho a dezembro, depois de infectar com maior intensidade durante a quadra chuvosa.

Só vamos saber se a Delta vai circular com todo seu potencial no início do ano que vem. Ainda é muito cedo pra dizer a força dessa variante porque, quando ela foi introduzida, já havia queda nos casos. Se o vírus está circulando menos, logo a Delta também circula menos. Só vamos ter a percepção do efeito da cobertura vacinal a partir do ano que vem.
Samuel Pereira
Microbiologista

Outros pesquisadores, porém, antecipam os efeitos da variante. A epidemiologista Lígia Kerr, integrante da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), demonstra apreensão porque o percentual de brasileiros com as duas doses da vacina (32%) ainda é considerado baixo.

“Como não temos vacinação muito alta, nos próximos meses, provavelmente até final de setembro, início de outubro, a gente deve ter uma situação grave no nosso país novamente, e isso inclui o Estado do Ceará”, alerta.

Circulação comunitária

Um profissional de saúde residente do município de Icó, no Centro-Sul do Ceará, foi a primeira pessoa com transmissão comunitária da Delta. Após o resultado do sequenciamento genômico da amostra de RT-PCR, a Sesa iniciou uma investigação para compreender as circunstâncias da infecção. 

O homem afirmou que não tinha viajado recentemente para fora do Ceará, nem teve contatos com viajantes. Com a confirmação, a Sesa reforçou aos municípios a intensificação de barreiras sanitárias no Estado. 

Vinte dias depois, ao divulgar a primeira morte em decorrência da Delta no Estado, a Secretaria atualizou que os casos de transmissão comunitária haviam subido para 26.

Diferenças da Delta

O médico infectologista Keny Colares, consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), explica que pesquisadores da área estão em alerta quanto à variante Delta.

Ela tem capacidade de transmissão duas vezes maior que o vírus original. Se, no começo, cada infectado transmitia para dois ou três indivíduos, aparentemente essa infecta cinco ou seis. Pode causar infecção com 1.000 vezes mais quantidade de vírus e transmitir muito bem para pessoas que já foram vacinadas.
Keny Colares
Infectologista

O médico diz que, em alguns estudos, a Delta parece ter capacidade de driblar a proteção de vacinas e anticorpos, mas isso ainda “não está bem determinado”.

“As vacinas protegem contra as variantes, umas mais e outras menos. Não existe ainda uma em que as vacinas tenham zero de proteção, mas as medidas de proteção com máscaras, distanciamento e ventilação ainda devem ser utilizadas”, lembra Colares.

Vigilância genômica

Para identificar a variante, há uma articulação entre a Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz no Ceará (Fiocruz-CE), o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) e o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), estes dois últimos da rede estadual.

Dos 96 casos identificados até 31 de agosto, 25 foram identificados por meio do Centro de Testagem Covid-19 para Viajantes (CTV), instalado no Aeroporto de Fortaleza, e os demais 71 pela Vigilância estadual ou por amostras encaminhadas à Fiocruz por unidades de saúde ou municípios.

“A busca ativa e rastreio de viajantes é de extrema relevância epidemiológica e sanitária, e por isso foi implementado, em caráter emergencial, um fluxo prioritário de monitoramento genômico para casos encaminhados pelo CTV através da Anvisa e pelas equipes de vigilância sanitária da Sesa”, explica a Fiocruz.

Uma autoquarentena de 14 dias é recomendada pela Sesa para passageiros e tripulantes que desembarcam no Ceará vindos de locais com circulação confirmada da variante Delta.

O microbiologista Samuel Pereira considera que a vigilância molecular ganhou em agilidade e estrutura desde o início da pandemia. “Automaticamente, ela melhora a capacidade de controle a partir da introdução de outras variantes, e conseguimos rastrear melhor”, avalia.

Variantes anteriores

A vigilância genômica brasileira do SARS-CoV-2 disponibiliza dados no Gisaid, iniciativa internacional de acesso aberto a informações sobre genomas de vírus influenza e coronavírus.

Através dela, constata-se que no Ceará, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, houve crescimento na identificação da variante P.2, identificada primeiramente no Rio de Janeiro e que apresentava transmissão mais rápida.

Contudo, entre fevereiro e julho deste ano, quem dominou o cenário epidemiológico foi a Gama (P.1), oriunda de Manaus e principal responsável pela segunda onda mais grave de casos e mortes pela doença no Estado e no País. 

Já a partir de julho, a Delta também foi introduzida no painel de variantes relevantes. Por serem dados em constante atualização, “as frequências mostradas não são necessariamente representativas”, informa a Fiocruz.