Na corrida contra o tempo, atuação da ciência no dia a dia salva vidas

Mesmo que ainda não haja resposta definitiva sobre tratamento e imunização à Covid, a aplicação da ciência altera o fazer habitual da população. No Ceará, são 6 meses de árduas pesquisas para livrar a coletividade dos males do vírus

Era noite do dia 15 de março. O Ceará registrou os primeiros casos de Covid. Internacionalmente já havia milhares de contaminados e mortos. Realidade acompanhando rotinas mundo afora. Antes desta data, a busca por soluções já era árdua. Desse dia em diante, começou a corrida local contra o tempo. Salvar vidas. Controlar o fatídico rumo do vírus que se propaga indiferente à condição humana.

Apesar dos medos, um caminho já era conhecido e certamente era inevitável: a ciência. Naquele momento, não sabíamos a potência do uso das máscaras e da simples lavagem das mãos, nem tínhamos dimensão da identidade do vírus ou qual método de tratamento tentar. Hoje, já existem algumas seguranças e as respostas provêm deste percurso. Em seis meses, a pandemia reafirmou, ao menos, uma certeza: mais do que nunca é preciso fazer ciência.

Neste tempo, mais de 8,6 mil cearenses perderam a vida. São lutos e dores particulares, mas também coletivas. Revés para cientistas que desde o início da triste saga de rápida transmissão do novo vírus batalham por si e por desconhecidos nas linhas de frentes laboratoriais, na alimentação de sistemas automatizados de cálculo, nas testagens e leitura de material genético, na revisão de achados sobre doenças semelhantes, na comparação de dados, no monitoramento de pacientes, na análise de medicação, dentre tantas rotinas.

Dada a dimensão da pandemia, para ciência, cada morte, adoecimento ou internação, passa a ser material de análise, objeto de estudo, provável evidência, na tentativa de que mais à frente, as numerosas tragédias anônimas se revertam, ao menos, em fonte de conhecimento para que seja possível interferir não apenas em histórias particulares, mas alcançar a cura e a proteção generalizada.

Nesses seis meses, a ciência compartilha saberes, apesar de tantas vezes ser vista com certa distância, por parte da população, que ainda não compreende os códigos deste fazer. A ideia do uso da máscara, assim como a lavagem das mãos e o isolamento para reduzir a transmissão do vírus, são exemplos reais da aplicação no cotidiano do conhecimento científico, histórico e universal. É válido nos 184 municípios do Ceará e também em milhares de outras cidades do mundo. Achados da ciência de outros tempos repercutindo no hoje. Assim como as descobertas do agora irão preservar vidas amanhã.

Relevância

"A ciência é imprescindível para nos livrar de doenças porque é ela que mostra o caminho para fazer medicamentos e vacinas. A ciência, nesse caso específico da Covid, ainda não conseguiu produzir uma vacina eficaz, segura, sem efeitos colaterais e também não conseguiu produzir um medicamento novo específico para essa doença, mas, de qualquer maneira, uma das razões pelas quais o número de óbitos hoje é menor no mundo e no Brasil é porque gradualmente houve formas de tratamento dos doentes com medicamentos que já existem", defende um dos coordenadores do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus no Nordeste e professor titular emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sérgio Machado Rezende.

Desde o início da pandemia, ele, junto a outros cientistas, tem atuado na formulação de pareceres técnicos sobre a Covid para aconselhamento dos governadores dos estados nordestinos. Dentre os possíveis legados de um tempo sem prazo para término, Sérgio aponta: "acredito que as gripes, depois dessa pandemia, vão ser um pouco menor aqui no Brasil porque aprendemos a usar álcool gel, máscara, lavarmos as mãos. Há uma preocupação maior com a higiene".

É ciente dessa ausência de data definitiva para o fim dos tormentos da Covid-19, mas atenta ao caminho percorrido, que a médica infectologista do Hospital São José e professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, Lisandra Serra Damasceno, defende que "nunca, em tão pouco tempo, se obteve tanto conhecimento a respeito de um microrganismo, seu mecanismo de infecção, suas manifestações clínicas e medidas de prevenção. O conhecimento prévio sobre outros coronavírus que atingiram o mundo nos possibilitou entender, bem precocemente, o modo de transmissão da doença, o alto poder de transmissibilidade do vírus; o potencial de causar doenças graves e o desenvolvimento de testes diagnósticos".

No futuro, reforça Lisandra, "novos patógenos surgirão e outras pandemias atingirão a humanidade, só não sabemos quando e como. A ação desastrosa do ser humano no meio ambiente tem proporcionado, cada vez mais, o surgimento de microrganismos modificados, com potencial de nos atingir de forma drástica".

A resposta, diz, é que "o momento pede lucidez e atitudes embasadas pelas evidências científicas, pois, a ciência é fundamental para garantir a proteção à vida, à dignidade humana; a autonomia, o desenvolvimento e o progresso das populações, e precisa ser divulgada, respeitada e valorizada pela sociedade".

Futuro

Os tempos, felizmente, são outros. Quando se pensa em descobertas científicas, na área da saúde, centenas de lacunas de antes, hoje, a partir de métodos rigorosos, já têm soluções. É o resultado que se espera no Ceará diante da Covid. "A pandemia surgiu em um momento de intenso desenvolvimento científico e isso tem permitido uma resposta relativamente rápida de profissionais e pesquisadores em todo mundo, que têm desenvolvido protocolos de pesquisas na busca de medicamentos específicos e de manejo de pacientes críticos, vacinas, equipamentos de suporte ventilatório e de proteção individual, dentre outros", reforça a médica e diretora de pós-graduação em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará, Olívia Bessa.

Paradoxalmente, conta ela, nesse mesmo cenário, "vemos surgir movimentos que negam de forma explícita evidências científicas fundamentais, como movimento antivacina e de uso de fármacos ou de "kits" terapêuticos sem comprovação científica, ou pior, com fortes evidências de efeitos prejudiciais ou ineficientes". Um lamento diante de tantas graves e sérias preocupações.

Hoje é 16 de setembro. O Ceará já ultrapassou os 227 mil contaminados. Internacionalmente, seguimos com milhares de infectados e mortos. Realidade que não sabemos até quando nos acompanhará. Na corrida contra o tempo, os hospitais do Ceará já desenvolveram, pelo menos, 52 pesquisas científicas relacionadas à Covid, um cearense participou do estudo que sequenciou o genoma do coronavírus, soluções foram criadas para auxiliar na respiração dos pacientes, dentre tantos resultados. Hoje, temos algumas seguranças geradas pelo contínuo trabalho científico. Reconhecida ou não, a ciência continua sendo feita no Ceará porque mais do que nunca é preciso fazê-la.