No Ceará, a Covid-19 faz vítimas fatais em todas as faixas etárias. Contudo, as mortes de crianças de até 14 anos, entre janeiro e abril de 2021, já superam o acumulado desse grupo nos dez meses de pandemia vivenciados em 2020.
Em todo o ano passado, foram 39 óbitos de crianças. Em 2021, esse número já chega a 51, de acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Os dados foram colhidos na manhã desta segunda-feira (10).
Seguindo a tendência geral da segunda onda da pandemia, ocorrida a partir de outubro no Estado, os casos e óbitos nessa faixa etária começaram a ser mais significativos a partir de janeiro. Naquele mês, foram 12 óbitos; em dezembro, havia sido apenas 1.
Fevereiro apresentou uma redução de 50%, com seis mortes, mas março - mês em que a pressão assistencial quase colapsou o sistema de saúde público e privado - trouxe 16 óbitos.
Abril seguiu a gravidade do mês anterior e atingiu 17 óbitos infantis pela doença, o mesmo número registrado em maio de 2020, o pior mês da pandemia no Ceará, no ano passado.
O infectologista pediátrico e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Robério Leite, explica que a maioria das crianças adoece de forma menos grave e apresenta sintomas mais leves. Contudo, algumas possuem fatores específicos que podem levar à piora do quadro.
Sabemos que crianças abaixo de 1 ano são mais vulneráveis, com chance de complicar maior. Algumas têm comorbidades, como doenças cardíacas e pulmonares crônicas, mas também é possível que algumas, individualmente, por fatores genéticos, tenham menos defesa específica para esse vírus”
O médico afirma ainda que, na prática clínica, há casos de complicação por infecções bacterianas secundárias, cujos agentes invadem o organismo em sequência ao Sars-Cov-2, comprometendo a boa evolução.
Segunda onda mais intensa
Abril também atingiu recorde de toda a pandemia quanto a novos casos em crianças de 0 até 14 anos no Estado: foram 8.285 ao todo, superando março, que estava em primeiro até então, com 6.602. O maior registro de 2020 foi em julho, com 4.434.
Comparando os dados do grupo entre a primeira onda (março a setembro de 2020) e a segunda (de outubro de 2020 até o momento), houve aumento de 57% de óbitos infantis (35 contra 55) e 60% de casos (16.805 contra 26.813).
Robério Leite confirma que, comparado a 2020, este ano teve um “aumento expressivo” nas internações infantis. Contudo, percebe que isso tem a ver não com uma maior agressividade da doença, mas pela maior proporção de infecções.
“A taxa de transmissão foi bem maior então, mesmo que a chance de a criança se internar sendo menor, essa proporção acompanha os números absolutos”, comenta.
Porém, o especialista indica que pode haver uma subnotificação de casos entre crianças porque, como elas apresentam sintomas leves ou são assintomáticas, não são propriamente investigadas.
Medo da contaminação
No município do Crato, a autônoma Ana Cristina Souza Soares de Oliveira teve um susto com o filho Gilberto, de cerca de três meses. Ele nasceu prematuro, passou 17 dias internado pelo parto antecipado e foi para casa. Um mês depois, com a família infectada pela Covid-19, ele também começou a apresentar sintomas.
“Ele ficou com a respiração ofegante, como se tivesse com falta de ar, e não conseguia comer. Quando chegamos no hospital, ele estava com saturação de 70 para 72. Foi direto para o oxigênio. Mas, graças a Deus, passou só cinco horas no oxigênio e oito dias de antibióticos de tratamento”, lembrou a mãe, em entrevista ao Sistema Verdes Mares.
Atualmente, Cristina diz que a família ainda tem medo de novas contaminações e, por isso, apenas pessoas do convívio próximo podem segurar o menino.
Síndrome multissistêmica
A Sesa alerta que, durante o período chuvoso no Ceará, período que anualmente vai de fevereiro a maio, registra-se maior incidência de doenças respiratórias e internações por esse motivo em crianças e jovens.
Porém, o Sars-Cov-2 não é o único vírus responsável pelas hospitalizações, que também podem ser causadas por rinovírus ou adenovírus, por exemplo.
O infectologista pediátrico Robério Leite alerta ainda que a preocupação para os meses de maio e junho é um novo aumento de registros da chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). Até o dia 21 de abril, o Ceará notificou 68 casos.
A partir dessa doença, a criança desenvolve sinais inflamatórios que acometem vários órgãos e aparelhos do corpo, com predominância cardiovascular. Entre os sintomas, estão febre alta e persistente, dores de cabeça, náuseas, vômitos, dores abdominais, manchas vermelhas pela pele, disfunções cardíacas, hipotensão arterial e choque.
“Geralmente ela se estabelece de quatro a seis semanas após o pico, e o nosso foi mês passado. É possível que, nesse ano, seja mais intenso porque houve mais crianças infectadas”, indica Leite.