Isolamento difícil, imunidade baixa e comorbidades expõem cearenses com Síndrome de Down à Covid

Coronavírus já causou pelo menos 28 mortes de pessoas com a alteração genética no Ceará; famílias defendem prioridade na vacinação

A vida social agitada de Luiz Renan, 27, foi estacionada em março de 2020, com a chegada da Covid-19 ao Ceará. A rotina do “ex-estudante” é preenchida, agora, por videogame e comida, e sinais de obesidade já se associam a outro fator de risco para a Covid-19: a Síndrome de Down.

Pelo menos 34 pessoas com a alteração genética já morreram por complicações da doença pandêmica no Estado, 13 delas já em 2021, de acordo com dados do Integra SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa), até as 8h53 desta quinta-feira (22). O número de infectados não é informado.

A Síndrome de Down é considerada pela Sesa como uma “comorbidade”, incluindo esse grupo na próxima fase de vacinação nos municípios cearenses. Para familiares e associações ligadas a pessoas com down, a priorização delas deveria ser maior.

Fatores de risco

Estudo da Universidade de Oxford divulgado neste ano aponta que, se infectadas, pessoas com a síndrome têm probabilidade cinco vezes maior de serem hospitalizadas e dez vezes maior de não resistirem à doença.

Samylla Tavares, médica pediatra do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), explica por que o organismo de pessoas com a trissomia no cromossomo 21 é mais suscetível a infecções e ao agravamento da Covid-19.

A profissional de saúde complementa que o "envelhecimento precoce" dos jovens que têm a Síndrome de Down também potencializa os fatores de risco. Uma pessoa com 30 anos, por exemplo, pode desenvolver Alzheimer, o que é incomum para esta faixa etária.

“Eu tô desesperada que façam logo essa vacina neles. Tem a dificuldade de colocar a máscara, que eles não querem; e muitos são obesos. Tenho medo de ele pegar uma segunda vez”, declara Carmem Holanda, 59, mãe de Luiz Renan – que, no mês passado, ficou dez dias internado devido à Covid.

Mesmo com todos os cuidados, a irmã dele precisou realizar uma cirurgia, e a família acabou contraindo o vírus. Aos três, foram receitadas azitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina. O tratamento não funcionou. Uma semana depois, mãe e filho foram internados com falta de ar.

Ele sofreu demais, chorava direto quando precisava fazer exames. Ele não conseguia dormir, reclamava. Chegou em casa apavorado. Até hoje, se ouvir ‘Covid’, ele pede pra mudar o canal da TV e começa a chorar.
Carmem Holanda
Mãe de Luiz Renan

O caso de Victor Diniz, 32, por outro lado, não foi tão grave: ele só teve febre e problemas gastrointestinais. Mas saber das limitações do organismo do filho, devido à condição genética, acendeu alerta na fisioterapeuta Vitória Diniz, 55, mãe dele.

“A vacinação é a coisa que ele mais quer. Sempre que ele fala em vacina, é com ansiedade. Ele já mandou até e-mail pro Camilo Santana pedindo pra ser vacinado logo. Pra ele, a vacina vai trazer liberdade”, pontua.

A “liberdade” almejada simboliza a segurança para voltar aos dois trabalhos: o de atendente em uma loja de informática e o de ator profissional. “Ele é ator profissional, mas não está indo ao teatro, claro. Em casa direto, ele está escrevendo um livro e decorando o texto da peça que vai fazer quando tudo retornar”, revela Vitória.

“Precisam de vacina pra ontem”

Shirley Chaves, uma das diretoras da associação Fortaleza Down, alerta que fatores como baixa imunidade, problemas cardíacos, flacidez muscular, envelhecimento precoce e propensão a obesidade e diabetes expõem gravemente esse grupo à Covid. Além disso, ela cita dificuldades de adesão dessas pessoas às medidas sanitárias.

Eles têm resistência a usar a máscara, porque sufoca. A higiene das mãos é uma dificuldade pra pessoa com síndrome de down assimilar, e mantê-la dentro de casa em plena pandemia é muito mais difícil.
Shirley Chaves
Diretora da Associação Fortaleza Down

Segundo Shirley, dos 20 jovens ligados à associação, dois morreram por complicações da Covid, e vários adoeceram gravemente. “O vírus age no corpo e na mente deles de uma forma devastadora”, lamenta a diretora e mãe de Lara, 25, que tem a síndrome e convive, hoje, com uma rotina revirada pela crise sanitária.

Uma das vidas interrompidas foi a de Marília Vieira, aos 24 anos. A irmã dela, Priscila Vieira, 35, relata que o intervalo entre os primeiros sintomas (dores nas costas e na garganta) e o falecimento da jovem, que vivia totalmente isolada, foi de apenas quatro dias.

Para cessar o avanço da doença e proteger o grupo, Shirley também defende uma aceleração na vacinação. “A gente vem lutando há muito tempo pra conseguir vacina para as pessoas com síndrome de down no nosso Estado. Eles não precisam pra amanhã, precisam pra ontem”, sentencia.

Com a aproximação da fase 3 de imunização, que abrange os cerca de 627 mil cearenses com doença crônica ou deficiência permanente grave, a Sesa solicita que quem já fez o Cadastro Estadual de Vacinação volte à plataforma e especifique que comorbidade possui. Os critérios de priorização ainda não foram definidos.