Por entre as arquibancadas do anfiteatro do Cuca Jangurussu, bailam jovens de todas as cores, idades e afetividades. Além deles, crianças, adultos e idosos formam a diversidade esperada de uma comunidade atenta às apresentações e aos encontros promovidos no espaço. Ali, as performances vão ao encontro do público: divertem e educam quem se interessa pela arte. Drag queens, grupos de dança, cantores e cantoras expressam mensagens de afirmação, aceitação e resistência ao passo que discutem gênero e diversidade sexual.
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O “Baile dos Crush”, evento organizado pelo Coletivo Cucaney - com foco no público LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis etc.) — é palco para a transformação dos jovens de uma das maiores comunidades periféricas da Capital. “Crush”, em tradução livre, significa “paixonite”. “Baile dos crush”, na periferia, significa “ousadia” — de abordar as relações afetivas entre jovens e adolescentes LGBTT+ por meio da arte, em um local onde nem sempre é aceita toda forma de amor.
Com a identidade pulsando nas veias, a juventude daquele lugar ressignifica palavras anteriormente consideradas pejorativas. “Já que é pra falar de sapatão, a gente fala!”, braveja uma das artistas, antes de cantar “Garganta”, de Ana Carolina. “Veado”, “sapatão” e “travesti”, por sinal, substituem “eu”, “tu” e “nós” - como se a força diária viesse por meio da capacidade de entender que aquelas palavras atravessaram suas vidas.
“Baile dos crush”, na periferia, significa “ousadia” — de abordar as relações afetivas entre jovens e adolescentes LGBTT+ por meio da arte, em um local onde nem sempre é aceita toda forma de amor.
“A gente tenta levar formação (social e política) para, na hora desses eventos, a galera ter o que falar”, explica Tay Viana, educadora social do Cuca e integrante do coletivo, sobre a preocupação instrutiva do grupo. Como resultado desse trabalho, ela aponta resultados obtidos: “as drags, os grupos de dança, que apesar de não pegarem o microfone e falarem, passam uma mensagem através da música que eles apresentam”, acredita.
O Cucaney surgiu em 2015, dentro de uma roda de amigos reunidos no anfiteatro. Hoje, a gênese da discussão LGBTT é palco da arte promovida pela comunidade do Jangurussu e dos bairros vizinhos. De acordo com Cris Alves, integrante do coletivo, as discussões sobre a criação do grupo surgiram por não haver agrupamento similar na região. “O início foi com palestras e reuniões. E, em 2016, tivemos nosso primeiro evento, o Pré-Carnaval”, rememora a comunicadora popular.
De lá para cá, o coletivo já fez passagens nos Cucas do Mondubim e Barra do Ceará, além de atrair mais pessoas a cada edição. “As pessoas sabem qual é o estilo e a mensagem que a gente passa”, garante Tay Viana a fim de explicar o crescimento das atividades. “Tem veado em todo canto. E a galera gosta disso, porque é uma coisa sem tabu. Você falar de uso de preservativo, falar sobre sexo, sobre amor. Você falar abertamente faz a galera pensar ‘ah, eles não têm besteira’”, complementa.
Embora considere que não há tantos espaços de diversão e lazer no bairro no qual vive, a educadora social comemora o fato de o Jangurussu possuir um local para a realização de atividades com a juventude. “O Cuca é um universo porque é o único local onde você consegue encontrar um anfiteatro, uma quadra, uma piscina”, pontua.
Apresentadora do evento, Tay também conduz o público ao passo que as apresentações vão findando. Privados de outros títulos, três jovens na plateia sobem ao palco em busca da coroa e da faixa de “Rainha do Lacre”. Os cabelos, foco da disputa, rodeiam, vão para cima, para baixo e fazem movimentos inimagináveis cadenciados pelas batidas sonoras.
Enquanto os fios e mechas chamam atenção no palco, a Guarda Municipal de Fortaleza revista alguns dos jovens presentes na arquibancada. O cabelo vai, volta; e as performances precisam dividir holofotes com a movimentação na plateia. Por fim, a dança é campeã.