De calçadas maiores a velocidade menor: o que mudou no Centro de Fortaleza para pedestres e motoristas

Iniciado em 2018, projeto Novo Centro já realizou diversas intervenções para a priorização de pedestres e ciclistas e o ordenamento da ocupação do espaço urbano.

Principal polo comercial de Fortaleza, o bairro Centro vive um momento de retomada mais intensa de atividades após meses impactado pela pandemia da Covid-19. Com o aumento do fluxo de pessoas e veículos, ficam à prova as diversas intervenções realizadas pela Prefeitura nos últimos três anos, do ordenamento de ambulantes à reforma de praças, ruas e avenidas.

Segundo estimativas da Prefeitura, o Centro recebe cerca de 216 mil viagens todos os dias, sejam a pé, de ônibus, bicicleta ou metrô, tornando-o o bairro com maior movimentação da cidade.

Sofrendo historicamente com falta de ordenamento e saneamento, em agosto de 2018, foi lançada a iniciativa Novo Centro, com eixos de ação como mobilidade, habitação, cultura e segurança para corrigir as principais demandas.

350 mil
pessoas circulavam pelo Centro diariamente, antes da pandemia, conforme projeções da Prefeitura.

O eixo de impacto mais visível, por mexer em estruturas fixas, é a mobilidade urbana. Entre 2018 e 2021, de acordo com a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), as principais intervenções foram:

  • Instalação de uma “super” Área de Trânsito Calmo no quadrilátero formado pela Av. Imperador, Rua Dr. João Moreira, Rua Sena Madureira e Av. Duque de Caxias, onde o limite de velocidade passou para 30 km/h;
  • Projeto Calçadas Vivas, com extensão de calçadas nas Ruas Barão do Rio Branco, Floriano Peixoto e Assunção;
  • Trinário da Av. Duque de Caxias;
  • Readequação da velocidade de 50 km/h nas Avs. Presidente Castelo Branco, Imperador e Duque de Caxias;
  • Novas ciclofaixas nas vias: Duque de Caxias, Imperador, Tristão Gonçalves, Pedro Pereira, Nogueira Acioly, Assunção, Castro e Silva, João Moreira, Alberto Nepomuceno, Pres. Castelo Branco e Pe. Ibiapina. 

 

Outra novidade, de maio deste ano, foi a instalação da maior faixa de pedestres do Brasil, com 40 metros de extensão, no cruzamento da Avenida Tristão Gonçalves com a Rua Liberato Barroso, próxima à Praça José de Alencar.

No último sábado, a reportagem do Diário do Nordeste percorreu 4,5 km em uma caminhada pelas principais vias do Centro para verificar a recepção das mudanças. Na prática, as intervenções têm priorizado a locomoção de pedestres e ciclistas, usuários mais vulneráveis do trânsito, e desagradado motoristas de veículos automotores.

O mototaxista José Edilson, que faz corridas no bairro há 24 anos, observa que o fluxo de pessoas continua o mesmo, mas o de carros e motos foi afetado.

“Piorou porque foram estreitadas muitas ruas e ainda tem o pessoal que estaciona em local proibido, então congestiona muito. Eu sou de acordo pela redução da velocidade, mas do estreitamento não”, defende. 

Entre as vias mais afetadas, ele cita a Rua Pedro Pereira, onde foi instalada uma ciclofaixa. Porém, o piloto explica que “ficou o caos” pelo espaço pequeno para os automóveis. “Tem dias que o sinal fecha duas, três vezes, pra gente poder passar”, cita.

Antonio dos Cocos, autônomo fixado na Rua Senador Pompeu, confirma que muitos motoristas e taxistas reclamam das vias estreitas. Porém, também nota que há imprudência de alguns pedestres. “Às vezes, demora pra atravessar porque tem que esperar o sinal fechar, mas alguns se arriscam correndo, mesmo assim”.

A exemplo do que os entrevistados contaram, a reportagem constatou, no horário de pico, entre 10h e 12h, um grande fluxo de pedestres na chamada “Super Área de Trânsito Calmo”. As calçadas alargadas e coloridas contribuem para formar zonas seguras de passagem, assim como os semáforos e rampas reduzem a velocidade dos veículos.

Contudo, o fator comportamental também deve ser levado em consideração. Há pessoas que desrespeitam o ordenamento semafórico e tentam atravessar entre veículos, provocando freadas e, em alguns casos, bate-boca com os motoristas.

A reportagem entrou em contato com a Regional 12 (responsável pelo Centro) para comentar o aumento da movimentação no local após as intervenções, as reclamações de motoristas com as mudanças e as ações contra os ambulantes não credenciados, além das obras pendentes para 2022. Quando o órgão se manifestar, a matéria será atualizada.

Novas tendências no urbanismo

Alexandre Queiroz Pereira, geógrafo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), garante que a valorização do pedestre é uma tendência no urbanismo mundial, sobretudo na Europa, por permitir que eles se apropriem dos espaços da cidade a nível corporal.

“Isso tem um aspecto social, mas também há uma perspectiva econômica porque o Centro tem, como função principal, o oferecimento de serviços e comércios. Quanto mais espaço você dá para o caminhante, mais ele pode estabelecer vínculo direto com as vitrines, lojas e comércios de rua”, pensa. 

Contudo, o estudioso também nota que a redução de espaços para estacionamento nas vias “empurra” os motoristas para espaços privados. Estes, por sua vez, “estão destruindo imóveis tradicionais que contam períodos da história da cidade para a construção de estacionamentos, que é um uso muito pobre do espaço urbano”.

Quiosques para ambulantes

Outra medida implantada desde 2018 são os mais de 150 quiosques em vias como Guilherme Rocha, Liberato Barroso e Barão do Rio Branco. Para o permissionário João Batista, que trabalha na Guilherme há mais de 10 anos, a organização é benéfica tanto para os feirantes como para lojistas tradicionais.

Porém, ainda que a fiscalização da Prefeitura percorra os locais todos os dias, ele reclama que ainda há concorrência desleal com autônomos sem regulamentação da praça da Lagoinha. 

“Lá eles botam uma banca grande, lotada de produtos. Aqui, é cada um no seu espaço, bem padronizado. Só no sábado que é liberado passar disso, expor mais. O movimento ainda tá difícil, mas tá dando pra viver”, justifica. 

O professor Alexandre Queiroz pondera que a crise econômica atual dá outra dinâmica de trabalho ao Centro, agora inchado por milhares de pessoas em busca de oportunidades. “Desde os anos 1980, a Prefeitura busca zoneamentos comerciais para evitar o uso dos espaços pelos camelôs, mas isso tem se tornado não tão eficiente”, percebe.

Espaços de lazer

Outras intervenções em curso no Centro são as reformas de praças históricas. A José de Alencar foi entregue em dezembro de 2020, e hoje é ocupada como espaço de lazer, não mais como um ponto de ambulantes que lotavam o local há dois anos.

No sábado, o espaço arborizado tinha dezenas de bancos ocupados por trabalhadores em descanso, idosos e pessoas em situação de rua. Também havia a presença de policiais militares realizando a segurança do logradouro.

Para o geógrafo Alexandre Pereira, as revitalizações são positivas por darem uma sensação de organização do caos e por reaverem um uso mais nobre do espaço urbano, mas questiona se a iniciativa privada vai acompanhar essa movimentação para garantir a dinâmica dos locais.

“Às vezes, esse tipo de ação atinge um segmento muito restrito da sociedade, então o ideal seria criar práticas mais populares e acessíveis. Não é simples, não é só arquitetura, mas uma perspectiva social e cultural que precisa de um tempo para se desenvolver”, projeta.