Vacinar toda a população de uma cidade, de um Estado ou de um País exige planejamento que passa, necessariamente, por saber a quantidade de residentes em cada território. Contudo, na atual campanha de vacinação contra a Covid-19, o Ceará ainda enfrenta uma indefinição de dados sobre quantas pessoas da população geral precisam receber o imunizante.
Até a última terça-feira (8), o Ceará vacinou 2.037.033 pessoas acima de 18 anos com a primeira dose, conforme o vacinômetro da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Isso equivale a 22,23% da população do Estado, se a estimativa de 9.163.000 milhões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estiver correta.
O problema é que, para a nova fase de imunização da população geral de 18 a 59 anos, fora dos grupos prioritários anteriores, não há estimativas fechadas. A Sesa enviou à reportagem uma plataforma de dados do Ministério da Saúde que define como “vacináveis” 6.857.538 pessoas no Estado - o que já inclui pessoas contempladas nas fases anteriores -, mas não há divisões por grupo de idade.
Procuradas pelo Diário do Nordeste, as Pastas não informaram quantos cearenses se enquadram na nova proposta. Os números são importantes porque definem quantas doses de vacinas cada município vai receber para aplicar em sua população-alvo.
Na última terça-feira (8), a Sesa projetou uma imunização massiva com a primeira dose até 31 de agosto, mas isso valeria para os 1,24 milhão de cadastrados na plataforma Saúde Digital até então. A previsão deixava de fora quem não está inscrito no sistema, que é a base de dados para planejar a campanha.
O andamento favorável da fila até agosto, segundo a Pasta, estaria condicionado a três fatores:
- a quantidade de cadastrados;
- as negociações de compra direta de vacinas de outros laboratórios;
- o recebimento regular de imunizantes distribuídos pelo Ministério da Saúde.
A conta deixa de fora a população menor de 18 anos, já que, até o momento, não há dados sobre a segurança e eficácia das vacinas utilizadas no Brasil para esse público. Segundo o IBGE, o Ceará tem 2,26 milhões de pessoas nessa faixa etária, o equivalente a 25% da população.
Já a projeção atualizada do Instituto para a população entre 18 e 59 anos é de 5,463 milhões de cearenses. Contudo, esses dados também se tratam de aproximação, porque o último Censo Demográfico foi realizado em 2010, quando o Ceará tinha 8,48 milhões de habitantes. Hoje, são cerca de 700 mil residentes a mais.
Para Luciano de Paula Filho, presidente em exercício da Associação Profissional dos Geógrafos do Estado do Ceará (Aprogeo-CE), a falta de dados compromete o andamento da vacinação e a execução de outras políticas públicas básicas.
Sem dados atualizados, nós não sabemos quem é a população, quantos são, onde moram, como vivem, em que trabalham, quantas pessoas vivem na casa. Sem dados técnicos, não há efetividade de política pública”
Segundo o representante, o Censo é a principal pesquisa técnica do País, que funciona como uma “radiografia” da vida dos brasileiros. “Sem esses dados, o que há à frente é escuridão e retrocesso”.
Impacto no planejamento
O descompasso entre a necessidade prevista de doses e a aplicação na prática vem ocorrendo nos grupos prioritários. Até terça (8), o Ceará aplicou 67.696 mil doses de D1 a mais do que a estimativa inicial. O planejamento havia fixado 1.969.337 pessoas, mas já foram contempladas 2.037.033.
Conforme o vacinômetro mais atual, das 184 cidades cearenses, 174 já vacinaram mais do que a meta inicial. A Sesa explicou que “não é justificado que o município apresente mais de 100% doses aplicadas/distribuídas, visto que esta situação prejudica o planejamento proposto e atrasa o cronograma da vacinação da população”.
O vice-presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), Rilson Andrade, reconhece que, neste momento, ainda é “difícil” fazer qualquer previsão de meta para a população geral.
A gente ainda não terminou a vacinação das comorbidades, e sem isso fica difícil saber prever qualquer quantitativo do grupo da faixa etária. A maioria dos municípios está com menos de 50% da população cadastrada, no máximo 30%, 40%”
Segundo ele, a prioridade é estimular que os municípios cadastrem a população geral e monitorem os relatórios diários. “A gente ainda não consegue prever até onde esses números vão”, reforça. “Lá na frente a gente consegue ver o vácuo de pessoas que ficaram sem vacina e vamos fazer a retomada de grupos anteriores”.
Rilson defende que a Sesa disponibilize novas doses “o mais rápido possível”, já que, conforme o gestor, os municípios possuem capilaridade e agilidade de aplicação, muitas vezes por mutirão.
“Tem município pequeno que consegue vacinar 700 pessoas num dia. A falta de imunizante é que tem atrapalhado o avanço”, observa.
A Sesa diz que o cálculo de proporção de doses aplicadas/distribuídas é utilizado para monitoramento diário dos estoques disponíveis nos municípios, “tratando-se de uma recomendação do Ministério Público para considerar a retenção de doses em cada remessa”.
Oportunidades perdidas
Tanto a Sesa como a Prefeitura de Fortaleza reforçam que é preciso efetuar o cadastro para receber o imunizante. Desde terça-feira, após a divulgação da previsão da Sesa, o Saúde Digital apresenta instabilidade, conforme relatos de usuários nas redes sociais.
Apenas na última semana, a Sesa informou que foram cadastrados mais de 50 mil usuários por dia para a vacinação contra a Covid-19.
A epidemiologista Lígia Kerr, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), considera que as sucessivas exigências de cadastramento são oriundas da falta de vacinas suficientes para cobrir a maior parte da população.
Teve períodos em que o Governo Federal disse que podia utilizar tudo e, na hora da segunda dose, não tinha vacina. Isso foi complexo e grave. Em se tendo vacina, as unidades têm grande capilaridade e rapidez. Nosso maior problema não é a capilaridade, é a falta de vacina”.
Para a especialista, a liberação de uso da Sputnik V é um avanço na capacidade de vacinação do Estado, ainda que restrita a um pequeno grupo. Lígia destaca a importância de vacinar o grupo acima de 18 anos porque “é o que mais sai e mais leva e traz a doença para casa”.