Coletivos juvenis são trunfos contra a violência

Em um cenário no qual os jovens são o principal alvo da violência urbana, o encontro é capaz de trazer mais força

Números podem significar apreensões objetivas de uma realidade desconhecida. Eles poderiam fazer parte do início deste texto ao explicitar, por exemplo, que 981 adolescentes foram assassinados no Ceará só no ano passado. Quase metade dessas vidas ceifadas eram da Capital. Nos cinco bairros compreendidos pelo Grande Bom Jardim, 76 famílias receberam a notícia da partida de um ente querido em idade tenra. Mas a questão que fica é como evitar que essas histórias interrompidas se tornem estatística da Secretaria da Segurança Pública?

"Os coletivos atuam incisivamente sobre essa forma de reduzir os homicídios porque é tirar essa galera que acha que tem que matar pra compreender que tem que viver", responde o agente cultural Wesley Lobo, atuante do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS), no Grande Bom Jardim. Além do CDVHS, o jovem também ocupa praças, ruelas e avenidas do local que o fez gente grande.

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Em outubro de 2017, munidos do relatório do Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, organizado pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, um grupo de jovens resolveu criar o projeto "Vivo Cidadania". A proposta surgiu a partir do estudo dos crimes violentos em razão da necessidade de haver um comitê local em defesa do direito à vida da população jovem do local.

Um dos objetivos do "Vivo Cidadania" é mapear os coletivos juvenis presentes no território do Grande Bom Jardim. "Existe um conjunto de resistências que, ocupando o espaço público, faz com que essa violência não chegue de forma tão forte até eles", explica Ingrid Rabelo, responsável pela coordenação da proposta, a qual só foi possível ser implementada em razão da conquista de um edital do Governo do Estado.

Fortalecimento

Os coletivos seriam, dessa forma, grupos que têm "autocuidado, preocupação de estar no espaço público e promover a arte e a cultura que são instrumentos, além do desenvolvimento local, de transformação de vidas", completa Ingrid. Ao todo, foram mapeados 24 agrupamentos na área da comunidade, que compreende o território dos bairros Canindezinho, Siqueira, Granja Portugal, Granja Lisboa e, claro, o Bom Jardim.

Embora tenham consciência de que o número é bem superior ao que foi encontrado, os integrantes do "Vivo Cidadania" veem esse recorte como uma potência para continuar a busca por outros grupos atuantes. Das linguagens mapeadas, coletivos de teatro, dança, música, formação e culturais - como os que realizam eventos nas praças - foram localizados em meio às realidades vividas pelos habitantes do jardim que insiste em florescer.

Estrutura

"O fortalecimento dos coletivos culturais de juventude é totalmente necessário e completamente emergencial porque é pegar o jovem que tem a possibilidade de ser assassinado e dar uma perspectiva no sentido de engajá-lo nos movimentos políticos que lidam com o direito à vida", assegura Wesley Lobo, que atuou diretamente no mapeamento desses grupos juvenis.

Embora a veia do bairro pulse cultura insistentemente, há situações de precariedade enfrentadas dia a dia pelos moradores, como espaços de lazer, educação e saúde escassos. Com uma população superior a 204 mil, o Grande Bom Jardim dispõe de cinco praças, seis equipamentos de saúde, oito escolas e cinco creches. Em média, cada praça deveria suportar cerca de 40 mil pessoas em seu espaço.

São eles que se preocupam se está tudo bem, se está indo pra escola. Existe um cuidado, é o corpo que está ali, mas também é uma história que vem com ele, afinal, ninguém é sozinho, ninguém é ilha

"Nossa cidade é extremamente desigual, mas, nessa questão, não tem outra gestão que tenha ampliado tanto a rede de atendimento e tenha construído, equipado e contratado pessoas para atender nossa população", salienta o titular da Coordenadoria da Juventude de Fortaleza, Júlio Brizzi, ressaltando que a Prefeitura atua promovendo a publicação de editais, a criação de espaços, como os Cucas e a ampliação dos serviços básicos nas comunidades de periferia.

‘Essa urgência tem de ser encarada’

Segundo o coordenador técnico do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, Thiago Holanda “o mais importante é reconhecer esses coletivos como uma potência importante nesses territórios para que eles possam, pelo menos, desenvolver ações”.

De acordo com o coordenador, também é preciso valorizar as recomendações apontadas pelo Comitê para conseguir alcançar um retorno efetivo na redução de homicídios na adolescência. “Há uma urgência e essa urgência tem de ser encarada pelo governador, pelo prefeito, por todos as pessoas que estão nesse âmbito de gestão e decisão como uma grande prioridade”, diz.

Para o titular da Coordenadoria da Juventude de Fortaleza, Júlio Brizzi, não é saudável responsabilizar apenas os grupos uvenis de periferia pela redução de assassinatos na adolescência. "A cidade vai ser melhor de acordo com o esforço de todo mundo e, logicamente, o papel deles é muito importante. Só acho uma responsabilidade muito grande atribuir a eles uma redução ou não. Para a gente conseguir isso, que é nosso objetivo, e estamos nos esforçando, a gente precisa de um esforço coletivo", pontua.