Elas regam a periferia com paz e amor
Através da música reggae, jovens do Canindezinho ocupam os espaços públicos com música e dança
Uma praça lotada. O som da Jamaica preenche cada esquina do local e põe todo mundo a bailar no “A2” (como os jovens chamam o estilo de dança “coladinho” unindo duas pessoas). No comando e na aparelhagem sonora, apenas mulheres, 13 no total, discotecam — porque assim funciona a edição “Girl Power” (Poder Feminino), do Canindezinho Roots.
“As mulheres nunca foram muito visualizadas no cotidiano. A situação é pior na cena reggae. Os locais fechados só dão oportunidade de você tocar quando se tem vinis da Jamaica”, relata Micarla Freitas, de 20 anos que, a fim de minimizar as problemáticas de gênero, idealizou o evento por meio do Coletivo Canindezinho Roots, no Grande Bom Jardim. A ideia é dar oportunidade a mulheres iniciantes e experientes na música.
"O reggae nasceu na rua, então a gente precisa distribuir essa cultura com o povo". Micarla Freitas, estudante.
A mensagem de paz, transmitida pelo reggae, que ecoa pelas ruas paralelas à Praça do bairro, permite que os jovens esqueçam, embora por poucos instantes, a violência cotidiana. “O reggae nasceu na rua, então a gente precisa distribuir essa cultura com o povo, aqui”, comenta Micarla, indicando a potência capaz de ser expressa pela comunidade da Regional V.
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Hoje, aos 19, Fátima Nascimento entrou na cena reggae há pelo menos dois anos. Desde então, quando assume o comando da mesa de som, a jovem se chama “Fatinha Roots”. A tradução do sobrenome — raiz — simboliza o ato de levar a música ao local aonde pertence: a periferia. A vontade de tocar no próprio bairro surgiu durante uma festa na Beira-Mar. “Eu assisti a um show e fiquei me perguntando ‘por que não fazer na periferia? Por que não fazer na esquina na minha casa pra que meus amigos também possam ter acesso?”, questiona.
Hoje, além de levar o som jamaicano à paisagem sonora das quartas-feiras da Praça do Canindezinho, Fatinha coleciona vinis de reggae que, juntos, formam seu arsenal artístico. “Não é todo canto que valoriza a mulher na cena reggae, então a gente teve a ideia de reunir todas as mulheres do bairro, colocou pra tocar e mostrar como a mulher tem empoderamento, tanto no bairro, quanto na música”, garante.
Ocupação e resistência
No começo do Canindezinho Roots, as festas eram realizadas em outro local, porém a grande quantidade de público exigiu um espaço amplo. Dessa forma, a programação passou a entrar no calendário oficial da comunidade e, hoje, conta com o apoio da associação de moradores do bairro.
“Com a ajuda deles, a gente consegue fazer do jeito que está hoje em dia. Eles emprestam notebooks, caixas de som e extensões”, agradece Micarla, ao lembrar que o projeto ainda traz lucro para vendedores que usam as quartas na praça para ganhar um dinheiro extra. “A gente faz isso aqui como uma diversão para a comunidade”, afirma.
Alegria sobressaltada também a partir da força que esse tipo de evento causa da identidade jovem. O poder feminino de Fatinha Roots continua a ocupar o espaço público. “Tocar reggae aqui é gratificante para mim que sou do próprio bairro. Não podemos deixar ninguém oprimir e impedir a gente de ocupar um espaço que é nosso”, declara a Dj.
"Nós estamos reeducando para não acabar o reggae". Fatinha Roots, DJ.
A memória da dj revive a repressão policial sentida pelos organizadores do evento, em especial, por causa do consumo de substância ilícitas durante o reggae. Em razão disso, os próprios integrantes do coletivo aconselham a não utilização de drogas no espaço do evento. Mas nem sempre a colaboração acontece. “Alguns não respeitam porque acham que a gente está querendo mandar na praça, mas nós estamos apenas reeducando para não acabar o reggae”, explica Micarla Freitas.