“Cheguei a ter uma vida dupla”: cearense frisa importância da família para aceitação como lésbica

A educadora física Beatriz Mesquita, de 31 anos, reconhece viver hoje “o sonho de todo LGBT” – o de ser acolhida pelos seus sem esconder o amor que vive

Amor e liberdade. Esses são os sentimentos que ditam os dias da educadora física Beatriz Mesquita, 31, que se reconheceu como lésbica por volta dos 15 anos – e viveu outros oito “presa” sob as grades invisíveis e resistentes do preconceito. Neste 28 de junho, no Dia do Orgulho LGBTI+, Beatriz destaca a importância da aceitação familiar para a afirmação da própria identidade.

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O percurso foi longo: entre o dia em que a mãe achou uma carta da primeira namorada de Beatriz no guarda-roupa da filha e o ingresso no coletivo Mães pela Diversidade foram, pelo menos, oito anos de resistência da família à homossexualidade da jovem – e da manutenção, por ela, de uma “vida dupla”.

“Meu pai ameaçou me expulsar de casa, minha mãe disse que não ia fazer isso, mas que eu tinha que me tratar. Me levou a um padre e a dois psicólogos. Durante um ano, foi um processo bem doloroso. E eu não falava nada, só fazia o que ela dizia. Cheguei a ter uma vida dupla: mentia, saía da escola e ia escondida à casa da minha namorada. Até que minha mãe desistiu, acabou ficando um assunto velado em casa”, relembra.

Autoafirmação

A “não aceitação” inicial da família foi um bloqueio inclusive para a afirmação de Beatriz consigo. “Eu não falava de mim no trabalho, achava que ninguém tinha que saber. Às vezes, eu saía com a minha irmã, ela de mãos dadas com a namorada, e isso me incomodava muito. Mas depois que resolvemos o assunto na família, finalmente me aceitei”.

A solução do desentendimento familiar veio depois que a irmã mais nova de Beatriz também se assumiu lésbica, e estimulou conversas sobre o assunto entre os pais. “Ela exigia que se falasse sobre o assunto, fazia questão de levar a namorada dela em casa. Até que um dia reunimos a família inteira e conversamos sobre como eles não faziam parte da minha vida, e foi se tentando normalizar o assunto”, resgata.

Hoje, Beatriz reconhece viver “o sonho da família LGBT”. “Quando viajo, minha namorada, com quem eu moro, fica na casa dos meus pais. Eles aceitam totalmente, os dela também. Minha mãe vai até pra passeata da Diversidade, é mais militante que eu!”, brinca.

Espaço

Diante de todas as conquistas por respeito, que ela classifica como “maiores motivos de orgulho”, a educadora física sustenta ainda um desejo comum aos LGBTI+. “Passei oito anos presa, mentindo pra família e tendo que me esconder, agora quero gritar essa liberdade pra todos os cantos do mundo. E que mais pessoas vivam isso também”.

Com esse objetivo, ela criou, em janeiro deste ano, o podcast “Grita, mulher!”, que no início versava sobre histórias de mulheres na prática do cross training – mas, agora, abre espaço para mulheres inspiradoras em todos os âmbitos, lésbicas ou não. No episódio mais recente, publicado em 22 de junho, o assunto foi justamente a aceitação familiar, e contou com participação de integrantes do grupo Mães pela Diversidade.

“Quando tenho voz e apoio, tenho coragem pra brigar pelo meu espaço. Precisamos de mais mulheres que briguem por isso e sejam representatividade pra outras”, conclui Beatriz.