A campanha de vacinação contra a Covid-19 foi iniciada no Ceará no dia 18 de janeiro. De lá até a última quarta-feira (16), o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) já recebeu 220 denúncias referentes à burla da fila de imunização ou a irregularidades no processo, em 67 dos 184 municípios do Estado.
No começo de fevereiro, Fortaleza e outras 26 cidades já acumulavam cerca de 100 queixas de desrespeito às prioridades e falta de transparência quanto às filas. À época, a quantidade de doses destinadas ao Estado era bastante escassa pela limitação de produção nacional.
Em quase cinco meses, os canais do MPCE na capital cearense lideram o recebimento das queixas: foram 75, ao todo. Em seguida, vêm Juazeiro do Norte, com 14, e Crato e Ipaumirim, com seis cada. Depois, Aquiraz e Santa Quitéria aparecem na listagem com cinco casos, cada.
O Diário do Nordeste teve acesso ao teor das denúncias. Entre os casos descritos pelas representações, há casos de supostas burlas de:
- prefeitos e vice-prefeitos;
- empresários;
- guardas municipais e peritos antes da liberação para o grupo da segurança;
- funcionários de setores administrativos de planos de saúde;
- funcionários de funerárias com menos de 30 anos de idade;
- cuidadora de idosos que supostamente não teria essa competência;
- assessores técnicos municipais "se valendo do cargo que ocupam";
- profissionais de clínica estética;
- advogados;
- cantor de forró;
- pessoa se valendo de comorbidade não-listada.
"Quando temos várias prioridades na idade, [essas pessoas] não estão sendo vacinadas. Enquanto quem não é prioridade, mas por ter alguém que dá o 'jeitinho' dentro da prefeitura, está conseguindo. Precisamos mudar isso. Temos que ser justos...", reclama um dos denunciantes.
Outra queixa aborda até mesmo a suposta aplicação de vacinas em três pessoas que teriam falecido há mais de 30 anos, em Fortaleza. Ou seja, no lugar delas, três indivíduos teriam se beneficiado das doses.
"Onde conseguiram os dados? Quem fez o cadastro? Por que foram vacinar pessoas que não foram cadastradas ou que já faleceram, tendo milhares de pessoas nas filas para serem vacinadas? Quantas mais pessoas estão passando por isso?”, questiona quem fez a denúncia.
Rilson Andrade, vice-presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), acredita que as denúncias eram mais frequentes no início do processo de vacinação, mas, com o trabalho de conscientização de órgãos públicos e da imprensa, a conduta “caiu drasticamente”. Contudo, alguns ainda tentam.
Sábado (12/06), estávamos vacinando e tinha três ou quatro pessoas de outros municípios que vinham sem declaração de residência, e o cadastro estava em outro município. E a gente não vacinava
Para o gestor, com a vacinação por faixa etária, a tendência é a prática “se acabar”.
Investigação dos casos
Até o mês de maio, os dados do MPCE corroboram a observação de Rilson, com quedas consecutivas nas denúncias. Contudo, até a metade de junho - quando começou a vacinação do público geral -, o número já quase alcança todo o mês anterior.
Janeiro - 15
Fevereiro - 64
Março - 55
Abril - 33
Maio - 29
Junho (até dia 16) - 24
Eneas Romero, promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (CaoSaúde), explicou anteriormente que, ao receber uma denúncia de irregularidade, o promotor de Justiça pode abrir um inquérito de investigação civil pública ou um inquérito de investigação criminal para apurar se realmente houve desrespeito às normas.
É preciso verificar se, de fato, a pessoa denunciada se vacinou e a que grupo ela pertence. Estando nas listas e nos grupos corretos, ela passa a ter direito à vacina.
Caso isso tenha sido desrespeitado, vai ser dada oportunidade para que a pessoa beneficiada e o eventual gestor ou funcionário que deu causa ao ilícito se justifiquem. E, tendo desrespeitado a lista, o MP pode responsabilizar, entrar com ação de improbidade administrativa, se for o caso, e, também, com ação criminal
Ele lista abuso de autoridade e corrupção como alguns dos crimes previstos para a prática. O enquadramento depende da apuração dos fatos.
Especialistas em saúde também divergem sobre o término da imunização de pessoas que tomaram, indevidamente, a primeira dose. Há quem defenda a aplicação da segunda dose porque a negativa não seria a favor da saúde pública. Outros ponderam que garantir o reforço seria beneficiar alguém que cometeu um crime.
Como denunciar
O MPCE informou que segue investigando denúncias de fura à fila de vacinação. Caso queira relatar algum caso de irregularidade, o cidadão deve encaminhar a denúncia para a Secretaria Executiva das Promotorias de Defesa da Saúde Pública pelo e-mail secretariapsp@mpce.mp.br ou por covid19.denuncia@mpce.mp.br.