A placa no pátio diz “você está entrando na melhor escola do Ceará e na 10ª do Brasil”. O endereço, você imagina qual seja? Se pensou em Fortaleza, errou. A unidade escolar que estampa o feito é pública, une o tempo integral ao ensino profissionalizante e fica em um bairro da periferia no ‘pé da serra’ em Itapajé, cidade do interior do Ceará.
Localizada a 128 km da Capital, a Escola Estadual de Educação Profissionalizante Adriano Nobre, desde 2009, tem ensino técnico e, há décadas, consolida bons resultados. Um bastante representativo: desde 2010, todo aluno que ingressou na unidade concluiu o ciclo. Isso faz com que o índice de abandono seja zero há 12 anos, segundo dados do Censo Escolar.
Em paralelo, há outras realizações: a EEEP Adriano Nobre, há anos, se mantém no topo da lista das melhores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - indicador que mede a qualidade educacional no país a partir de dois fatores: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações.
A unidade escolar do Ceará, conhecida por ocupar as primeiras posições no monitoramento que avalia escolas públicas do Brasil inteiro, fica no bairro Esmerino Gomes e 512 alunos matriculados.
Em 2021 (dado mais recente já que o próximo será divulgado somente em 2024 referente a 2023), alcançou o 10º melhor Ideb nacionalmente entre as milhares de escolas de Ensino Médio, sendo a unidade com a nota mais alta da rede pública estadual do Ceará. A única escola que supera o índice da Adriano Nobre no estado é o Colégio Militar de Fortaleza, pertencente à rede pública federal.
Esta matéria integra a segunda edição da série de reportagens especiais, "Terra de Sabidos - escola de todos os tempos", que conta a história de estudantes, professores e gestores de unidades estaduais do tempo integral, discutindo o impacto desse modelo de ensino na vida dos alunos e de toda a comunidade escolar, assim como de cidades inteiras.
Mas, a história nem sempre foi assim. Para se consolidar como uma unidade pública de referência, muitos processos precisaram ser efetivados na instituição - aposta em gestão, infraestrutura, formação de professores, dentre outros - que surgiu como uma escola de bairro na década de 1980, conforme o professor Ricardo Carneiro de Mesquita, funcionário da unidade há 25 anos.
No início, em 1986, a Adriano Nobre ofertava aulas do 1º ao 4º ano do Fundamental. Depois, em 1992, acrescentou do 5º ao 9º ano desta etapa. Em 2009, já com o Ensino Médio, foi uma das primeiras escolas de tempo integral do Ceará com ensino técnico.
Naquele ano, diz o professor, “nossa escola foi a décima primeira profissionalizante do Estado. Foi surpresa para alunos, pais e professores porque a gente não sabia como era o tempo integral e ainda com o curso técnico. Foi muita expectativa. Fomos chamados para uma formação para aprendermos juntos porque era uma ideia vinda de Pernambuco, já que Recife tinha experiências exitosas”.
Em 2016, passou a ocupar a atual sede, cujo investimento, na época, foi de R$ 9,3 milhões, provenientes dos governos Federal e Estadual. A escola tem 5,5 mil metros quadrados e, além de salas de aula, conta com auditório, anfiteatro, biblioteca, laboratórios para os cursos técnicos, refeitório e quadra poliesportiva.
Zero abandono
O último abandono, conforme registrado no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ocorreu em 2010, quando 1 estudante do 2º ano deixou a escola. Depois disso, o abandono tem sido zero.
A diretora da unidade, Silvandira Mesquita, trabalha no local desde 2004 e, em 2009, entrou na gestão. Para ela, o índice positivo de abandono zero tem conexão com alguns fatores:
- Os alunos da Adriano Nobre, provenientes da rede municipal, antes de ingressarem na unidade, já fizeram a escolha por ela, o que pode interferir nos esforços de permanência e reduzir a chance de querer sair;
- Existência de uma parceria forte entre a comunidade escolar, com envolvimento direto tantos dos professores e alunos, como também da família;
- Tempo pedagógico utilizado de forma eficiente com acesso a atividades que sejam atrativas, dinâmicas e que façam sentido na trajetória de cada aluno;
- Busca ativa e acompanhamento direcionado considerando a participação de cada estudante;
É por isso que eles não desistem. Porque a gente não desiste. A gente mostra para eles que a principal razão da existência da escola é a aprendizagem deles. O sucesso não só cognitivo. É o sucesso integral. E isso faz com que eles se sintam importantes, pertencentes não só à escola, mas à sociedade.
A professora de matemática, Tyara Lima, defende que o alcance da exitosa marca de permanência dos estudantes está relacionado ao tripé de grande conexão: escola, família e estudante.
“A escola atua muito forte nisso. O menino faltou, imediatamente, o diretor de turma liga para a família para saber porque esse estudante não veio. Às vezes, não é necessário nem o professor ligar. O pai já avisa. E os estudantes vão tomando consciência ao longo do processo”, reforça.
Oferta de educação profissional
Outro ponto que caracteriza a unidade é o ensino técnico. Na cidade, diz o professor Ricardo Carneiro, a oferta de empregos é baixa e quando há aumento, a demanda é por mão de obra qualificada. Isso, para ele, também reflete na avaliação positiva da escola. “Quando a população viu essa possibilidade de formação, as escolas de tempo integral profissionalizantes passaram a ter credibilidade. E têm dado certo”, completa.
A princípio, ressalta, a Adriano Nobre deveria servir de forma mais direta às pessoas da cidade, sobretudo, as das proximidades, mas, ao longo do anos, tem sido buscada também por alunos da cidades vizinhas como Pentecoste, Tejuçuoca, Umirim, Irauçuba e Uruburetama. Quando começaram os cursos técnicos, a oferta era de Turismo, Informática e Enfermagem. Hoje são: Administração, Contabilidade, Enfermagem e Informática.
O ingresso na escola é pelo desempenho registrado no histórico escolar, relata a diretora Silvandira Mesquita. “A medida que o tempo foi passando, estamos recebendo alunos de outros municípios, como em Irauçuba. Temos mais de 100 alunos de lá”. Segundo ela, ao entrarem, os alunos passam por um processo de recomposição de aprendizagens para garantir um nivelamento entre os estudantes.
Eles têm no currículo a base comum, a base profissional e a parte diversificada, com o projeto de vida. Eles têm oportunidade de estudar para a vida. Preparando para a cognição, para o social, o emocional. É um currículo potente.
No 1º ano, o aluno opta por um curso técnico. No dia a dia da jornada ampliada, explica a diretora, as disciplinas gerais se misturam às da base técnica e a parte diversificada, sendo ofertadas de modo conjunto, sem uma separação rígida por turno, por exemplo. “São disciplinas misturadas. Não existe um turno para a base comum e outro para a técnica ou a transversal”, acrescenta.
No segundo semestre do 3º ano, os estudantes têm aulas em um turno e o estágio em outro. É essa a experiência vivenciada, atualmente, por Yandra Thainá Barros Sousa, de 17 anos, moradora de Itapajé e aluna do 3º ano .
“Antes, eu era acostumada com um turno. Aqui tive a experiência com os professores, com horários diferentes do que eu tinha na escola anterior e foi completamente nova. Logo que eu entrei, me encontrei bastante com vários alunos egressos. Eles vieram aqui, contaram as suas histórias, me identifiquei bastante com os que tiveram oportunidade de cursar Medicina e vejo como positivo os incentivos para provas como o Enem”, diz a estudante cujo curso técnico é Informática.
A “paixão” pela Adriano Nobre, conforme relata a estudante, é algo presente em distintas gerações de sua família. “Já tive diversos primos que estudaram na Adriano Nobre e também os meus tios. E é muito incrível a experiência que eles tiveram e me motivou bastante para entrar nessa escola”.
“Escola dos sonhos”
Ainda em 2023, o professor Ricardo Carneiro deve se aposentar. No trajeto que agora, aos poucos, se encerra, ele garante que “está realizado”.
Na Adriano Nobre, ele passou mais de 10 anos no formato regular e há mais de 12 está no integral. “A gente vê uma diferença grande de uma escola para outra. A política escolar deu certo e os atores escolares fazem muita diferença. Temos uma equipe corajosa. Vou sentir muita falta porque essa atmosfera escolar é muito bacana. Sentirei falta porque essa é uma escola de verdade”, destaca Ricardo.
Sou professor há 42 anos. Comecei a dar aula com 14 anos e sempre quis uma escola dos sonhos. E tinha medo de chegar o dia de aposentar, sem ver uma escola de verdade, onde as pessoas se respeitam e se querem bem, onde o aluno, se pular o muro, sempre vai ser de fora para dentro e nunca de dentro para fora, onde as pessoas cuidam uma das outras, com professores dedicados e os alunos sintam isso.
Na escola, a diretora Silvandira relata que foi criada “a cultura acadêmica”. “A grande maioria optar por tentar entrar na universidade. É muito raro algum que não queira tentar. Geralmente, temos 100% de alunos optando pela universidade”, garante.
Esse é um aspecto reiterado pela estudante Elinara Gomes da Silva, 17 anos, do 3º ano. Tanto os simulados, que ocorrem nos fins de semana, como os aulões à noite, explica ela, são diferenciais do incentivo ao ingresso no ensino superior.
Ao entrar no Ensino Médio, ela escolheu o curso técnico de Administração e avalia que: “a escola de ensino profissionalizante permite uma coisa que talvez a regular não tenha, conhecer outras áreas que os estudantes nem imaginam. Cheguei desejando muito a área da saúde, mas depois que comecei meu estágio, fiquei bem mais interessada pelo Direito. É interessante como o estágio gerou um outro olhar”.
Na cidade, conta, quando os alunos saem do Ensino Fundamental têm 4 opções de onde cursar a etapa seguinte, sendo as duas escolas de tempo integral (Adriano Nobre e a Estefânia Matos) as mais procuradas. “Os alunos de Itapajé tendem a associar escola integral com ensino de qualidade. Isso já diz como que já está se transformando o olhar da sociedade para o tempo integral”.
Apesar dos êxitos, a professora de matemática, Tyara Lima, pondera sobre os efeitos que todas as escolas têm sentido no pós-pandemia e ressalta que isso não é diferente na realidade da Adriano Nobre.
Podemos dividir a escola em antes e depois da pandemia. Antes, o ritmo era muito mais intenso e pós-pandemia, desaceleramos. Estamos na recomposição de aprendizagem que já era feita, mas não recebia esse nome. Agora é muito mais falada. Ela é feita a cada série, pois ficaram lacunas, além de problemas socioemocionais.
Ela também destaca o avanço que a unidade tem assegurado no decorrer dos anos no que diz respeito ao ingresso dos estudantes no ensino superior.
“Sou de uma geração que não sonhava em ir para a UFC. Quando tinha um estudante que passava isso ganhava destaque na cidade. Essa possibilidade era fora da nossa realidade. Hoje, eles estão podendo ingressar lá. Cerca de 70% dos nossos estudantes entram na universidade. As políticas públicas abriram essa possibilidade e a Adriano Nobre aproveita”, enfatiza.