Gravidez na adolescência se concentra em bairros mais pobres de Fortaleza, aponta estudo

Desigualdade social afeta acessos de meninas à prevenção e a direitos básicos

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Gravidez na adolescência no Ceará
Legenda: Estudo mostra que média de meninas de até 19 anos que se tornam mães em Fortaleza é mais alta nas periferias
Foto: Fabiane de Paula

Ter um filho sem esperar nem planejar. Sem condições físicas, emocionais nem financeiras. Sem sequer ter crescido de forma plena. Essa é a realidade de centenas de adolescentes de Fortaleza que, todo ano, dão à luz antes dos 19 anos de idade – sobretudo nas periferias.

Dados do Desigual Lab, plataforma do Instituto de Planejamento da Prefeitura de Fortaleza (Iplanfor) lançada neste ano, mostram que as taxas de gravidez na adolescência são maiores em bairros mais pobres da cidade, aqueles com menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) – e praticamente zeram nas áreas mais ricas.

O bairro com taxa mais alta de nascidos vivos de mães adolescentes é o Pirambu, onde um a cada 5 bebês (19%) é gerado por uma menina de até 19 anos de idade. Em seguida, aparecem Barroso (17,3%), Floresta (17,2%), Bom Jardim (16,8%) e Curió (16,6%).

Todos eles estão entre os 25 menores IDHs de Fortaleza.

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Do outro lado, aparecem os locais com menor proporção de mães adolescentes: os bairros De Lourdes (0), Cocó (0,9%), Guararapes (2%), Meireles (2,1%) e Aldeota (2,2%). Todos estão no “top 6” de IDHs mais altos da capital cearense.

Para o cálculo da taxa de gravidez na adolescência, os pesquisadores consideraram a média geral de nascidos vivos e a média de bebês gerados por adolescentes em cada bairro nos anos de 2021, 2022 e 2023.

Foram incluídas no levantamento meninas de até 19 anos, faixa delimitada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como adolescência.

Entre os números, está a história de Ana*, 17, que se tornou mãe em agosto do ano passado. Ela, que não terá o nome verdadeiro identificado nesta reportagem, mora em um dos bairros de Fortaleza que amargam os piores índices de gravidez precoce.

A gestação de Ana iniciou aos 16, e só foi descoberta porque uma familiar da menina desconfiou dos sintomas. Ela mesma “não suspeitava de nada”.

“Só percebi que minha menstruação atrasou, mas não sabia como era. Meu pai me levou até minha madrasta e ela falou pra eu fazer o teste de gravidez. Deu positivo. Fiquei sem palavras”, relembra a menina.

Entra a mãe, sai a aluna

Sala de aula vazia no Ceará
Legenda: Infrequência escolar e até abandono são impactos comuns a meninas que se tornam mães
Foto: Thiago Gadelha

Ser mãe tão cedo afetou diretamente uma das áreas mais cruciais na vida da adolescente: a educação. Quando o filho nasceu, Ana passou seis meses sem ir às aulas. Depois, nos dias em que não tinha com quem deixá-lo, precisou levar o bebê à escola.

“Quando ele completou 6 meses, agora em fevereiro, voltei. E se não tiver ninguém pra ficar com ele, tenho que levar. Umas amigas pegam ele, me ajudam… Mas muitas vezes tenho medo de levar, e acabo ficando em casa”, confessa a menina.

O pai da criança, com quem Ana não mantém mais o relacionamento “por medo de engravidar de novo”, visita o filho uma vez por dia.

1.840
adolescentes matriculadas na rede estadual de ensino do Ceará engravidaram em 2023. Do total, 39 se tornaram infrequentes na escola, de acordo com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc).

O professor Helder Nogueira, secretário executivo da Equidade e Direitos Humanos da Seduc, aponta que a gravidez precoce é uma das causas da baixa frequência e até do abandono escolar. Em 2022, 1.973 estudantes ficaram grávidas, e 374 delas se tornaram infrequentes.

“Com foco na redução disso, nossas escolas buscam estabelecer adaptações curriculares, com atividades domiciliares, envio de trabalhos e acompanhamento de professores quanto à performance das adolescentes, no momento em que não podem mais vir à escola”, destaca Helder.

O gestor aponta que entre as disciplinas eletivas ofertadas nas escolas de tempo integral estão conteúdos ligados à “prevenção à gravidez na adolescência e paternidade responsável”. “As meninas grávidas são um público prioritário das nossas buscas ativas. Estamos atentos a garantir oportunidade e direito à educação”, frisa.

Riscos físicos e sociais

Legenda: Riscos da gravidez na adolescência atingem mãe e bebê
Foto: Fabiane de Paula

Os fatores que levam bairros pobres a terem índices mais altos de gestações precoces são múltiplos, mas se encontram em um: o acesso à informação, como avalia Lea Dias, assessora técnica da Saúde da Mulher de Fortaleza.

“Esse é um perfil nacional: quando você cruza os dados e onde a adolescente mora, o acesso à educação é menor. E essas meninas, quando engravidam, tendem a sair da escola. A gravidez na adolescência gera a perpetuação do ciclo da pobreza”, alerta.

A menina tá na escola, engravida e não consegue voltar porque não tem uma rede de apoio. O que não acontece com o companheiro, por exemplo. Então a mulher acaba, depois, tendo apenas oportunidades de subempregos.
Lea Dias
Assessora técnica da Saúde da Mulher de Fortaleza

A médica Caroline Heimbecker, ginecologista e obstetra na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC), aponta que “a pobreza, a baixa escolaridade ou ter a maternidade como única opção” estão entre as razões para centenas de adolescentes engravidarem no Ceará.

“Por não terem emprego, não estudarem ou terem menor acesso à informação, consequentemente não se prepararam para um planejamento familiar adequado, porque têm uma menor rede de suporte. Falta diálogo com os pais ou familiares sobre métodos contraceptivos”, analisa Caroline.

A Meac oferece atendimento pré-natal de alto risco especializado para adolescentes, e, segundo relata a médica, “as meninas geralmente relatam que se descuidaram, que não receberam orientação adequada, que moram com avós ou que pai e mãe não param em casa. Algumas citam exemplo dos próprios pais, que tiveram filhos muito novos”, lista.

Além dos efeitos sociais, que são múltiplos, há ainda os físicos, que antecedem o nascimento do bebê, como alerta a médica.

“Os riscos físicos estão associados a uma maior chance de parto prematuro, principalmente em adolescentes abaixo de 15 anos. Elas podem apresentar eclampsia, ter morte por induzir aborto inseguro, morte na gravidez ou no parto”, exemplifica Caroline.

Os impactos são aumentados por outros fatores, como acrescenta Lea Dias. “As adolescentes chegam ao pré-natal mais tarde, porque inicialmente escondem a gravidez, diminuindo o número de consultas. Para o bebê prematuro, pode ter atraso no desenvolvimento, elevando o número de óbitos infantis”, pontua.

Como prevenir a gravidez na adolescência

Adolescente grávida no Ceará
Foto: Fabiane de Paula

Educação, informação e métodos contraceptivos. O trio é a chave para evitar que meninas pulem fases e se tornem mães na adolescência, como apontam as especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste.

Lea Dias, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), destaca que “o perfil do adolescente não é de estar na unidade de saúde para atividades preventivas” – portanto, é necessário levar as ações até eles, principalmente via escolas. “A psicóloga escolar pode ser o primeiro profissional que a adolescente acessa para se prevenir da gravidez”, ilustra.

O fortalecimento da educação sexual, “tanto nas escolas como entre os pais”, também é apontado como estratégia importante na prevenção ao problema.

“Temos o desafio de prevenir a gravidez na adolescência e a reincidência. As maternidades onde essas crianças nascem têm esse papel de orientação, durante o internamento, sobre métodos contraceptivos”, complementa Lea.

Caroline Heimbecker, médica da Meac, relata que “em todo dia de pré-natal existem as palestras antes da consulta médica, em que a enfermeira conversa com todas as adolescentes, tirando dúvidas e explicando a importância de, logo após a gestação, colocar um DIU”.

Ela cita ainda o papel da atenção primária, por meio dos postos de saúde, na prevenção. “O estímulo dos contraceptivos por palestras, explicando sobre o DIU, Implanon (implante anticoncepcional colocado sob a pele), injetável, anticoncepcionais orais, uso correto do preservativo. São várias opções.”

De acordo com Lea Dias, a rede municipal de saúde garante acesso da população a anticoncepcionais orais, injeções mensais e trimestrais, inserção do DIU de cobre, além de preservativos masculinos e femininos, úteis para prevenir gravidez e infecções sexualmente transmissíveis.

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