Fortaleza poderá ter, já a partir do próximo ano, taxa de lixo conforme proposta da Prefeitura que está sob análise da Câmara Municipal de Fortaleza. A votação deve acontecer ainda neste ano. Embora o projeto de lei tenha tido resistência por parte de alguns vereadores e dividido opinião da sociedade civil, a cobrança sobre o recolhimento do resíduo sólido está presente na maioria das outras capitais do Nordeste.
Atualmente, cinco das 9 capitais possuem tarifa ou taxa de lixo.
São Luís (Maranhão) e Aracajú (Sergipe) juntam-se à Fortaleza como as únicas capitais que não cobram este imposto. Dentre as que já aplicam a tarifa, a mais antiga é a de João Pessoa (PB), cuja lei que estabelece a criação da Taxa de Coleta de Resíduo (TCR) passou a vigorar em 2008.
O cálculo é feito aos moldes do que está sendo sugerido na Capital cearense, com valores referenciados por base na área do domicílio. Dez anos depois a capital do Piauí, Teresina, instituiu a taxa. No entanto, a cobrança inicialmente passou a vigorar em 2017, mas diante de manifestações populares ela foi suspensa pelo período de um ano.
A taxa, que voltou a vigorar em 2018, abrange imóveis residenciais ou comerciais que produzem até 240 litros ou 60 quilos de lixo a cada 24 horas, por contribuinte. O método difere do que está sendo proposto em Fortaleza.
Já Maceió, em Alagoas, instituiu a cobrança em 2017. Nos anos subsequentes houve reajuste da tarifa. A justificativa deste aumento, segundo a Prefeitura, foi a defasagem de 20 anos quanto os custos de serviços de limpeza urbana. Ainda conforme a gestão de Maceió, no início da aplicação da tarifa, os valores arrecadados só respondiam por 20% dos custos que giravam na ordem de R$ 70 milhões. Para equalizar as contas, Maceió passou a calcular a taxa considerando a área do imóvel, uso do imóvel, padrão construtivo (Popular, Baixo, Médio, Alto, Luxo) e número de viagens do caminhão de coleta na rua, tipo de coleta realizada no bairro onde o imóvel está localizado (Diária ou Alternada), além de outros fatores. Antes, apenas dois fatores eram utilizados - o Uso do Imóvel (Residencial, comercial, industrial, etc) e a Área Construída (m²) do mesmo. A metodologia é mais complexa em relação aos cálculos adotados em Teresina e João Pessoa, assim como diferente do que se propõe em Fortaleza. Quem também passou a aplicar a taxa de lixo em 2017 foi Recife, capital do Pernambuco. Por lá, a tarifa recebeu o nome de Taxa de Coleta, Remoção e Destinação de Resíduos Sólidos Domiciliares (TRSD). A cobrança é anexada ao boleto do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Em Recife, o cálculo é similar ao que ocorre em Maceió, que leva em consideração múltiplos fatores, dentre os quais, área construção do domicílio, tipo do imóvel e frequência da coleta de lixo. A capital do Rio Grande do Norte (RN) foi outra que também passou a realizar a cobrança há 5 anos. Natal também indexa a tarifa junto aos boletos do IPTU. O cálculo é feito exatamente da forma que se propõe em Fortaleza, ou seja, através da área do imóvel do contribuinte, com valores distintos para imóveis de utilização residencial e comercial. As informações foram levantadas pelo Diário do Nordeste com base no site oficial de cada prefeitura. O valor-base proposto será de R$ 3,64 por metro quadrado a cada ano. Assim, para saber quanto cada imóvel irá pagar de taxa de lixo, basta multiplicar o valor-base pela área do imóvel. A taxa mínima a ser paga em Fortaleza, caso o projeto seja aprovado, é de R$ 21,50 por mês – um total de R$ 258 anual. Também foi estabelecido uma taxa máxima para a cobrança, que será de R$ 133,23 por mês – ou R$ 1.598,76 ao ano. A taxa do lixo deve ser paga por pessoas que utilizam o serviço ou que potencialmente podem utilizar. A cobrança será feita sempre do proprietário do imóvel, embora seja possível, em casos que o espaço esteja alugado, para que a responsabilidade pelo pagamento seja do locatário.
A Planta Genérica de Valores Imobiliários (PGVI) também estabelece quatro padrões dentre os imóveis residenciais. São eles: padrão baixo, padrão normal, padrão alto e padrão luxo. "Esses padrões são classificados levando em consideração uma série de variáveis como o tamanho da edificação, o padrão arquitetônico, construtivo, o valor venal, a localização", ressalta Luiz Alberto Sabóia. Dentre eles, dois padrões estão isentos da cobrança da taxa de lixo, os de padrão baixo e padrão normal. Estes representam 230 mil unidades residenciais – 29% dos imóveis que poderiam ser cobrados. Caso seja aprovada, a taxa de lixo terá 90 dias para ser implementada pela Prefeitura de Fortaleza. Neste período, deve ser editado decreto para regulamentar a nova cobrança na Capital. Um dos pontos que deve ser definido é como a cobrança chegará aos lares da Capital. "A conta pode ser cobrada – isso na lei municipal e também está no marco federal – através de um boleto próprio, pode ser cobrada pegando carona em alguma tarifa de preço público – na conta de energia ou na conta de água, depende obviamente da concessionária aceitar – e pode ser cobrada também pegando carona em algum imposto municipal", detalha Luiz Alberto Sabóia. A preço de hoje, ele afirma que deve ser emitido um boleto próprio para a taxa de lixo, que irá conter tanto um código de barras para quem desejar pagar o valor anual como 12 códigos de barra para quem quiser parcelar. Mas, diante de tantos distintos modelos de aplicação desta tarifa nas capitais nordestinas, quais são os reais benefícios de tal cobrança? E quais os gargalos existentes para se avançar nesta questão de modo que ela seja universalizada? O Diário do Nordeste ouviu especialistas sobre o assunto. O consenso entre eles é de que a taxa é positiva “desde que os recursos levantados sejam bem aplicados”. O professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC, com doutorado em Saúde Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), Francisco Suetônio Bastos Mota, considera que, uma vez que esses recursos angariados com a tarifa – nos quais devem girar na ordem de R$ 15 milhões anuais – sejam revertidos em benefício “claro” para a sociedade, “a taxa é um excelente instrumento”. O presidente do Fórum Nacional de Gestores de Limpeza Pública e Manejo de Resíduos Sólidos, Sidnei Aranha, compartilha do mesmo pensamento.
Conforme avalia, para além de analisar a taxa de forma superficial, é preciso compreender os pontos positivos gerados por ela, como a melhoria dos serviços ofertados, e a garantia de continuidade dos serviços de limpeza, por exemplo. “Os contratos [que versam sobre os resíduos sólidos] das prefeituras precisam ter equilíbrio financeiro para que eles possam ser mantidos de forma adequada. Depender de uma única fonte, vinda apenas da prefeitura, deixa o serviço muito vulnerável”, considera. É justamente este o argumento utilizado pela Prefeitura de Fortaleza para justificar a cobrança da taxa do lixo. Luiz Alberto Sabóia, presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), explica que “há um artigo [do novo Marco Legal do Saneamento Básico] que diz claramente que tem que cobrar, que o serviço tem que ser autossustentável”. “Ou seja, o serviço tem que produzir receita para poder cobrir os seus custos. Hoje, os custos do serviço aqui em Fortaleza são cobertos pelo contribuinte, pelo Orçamento municipal, ou seja, dinheiro que poderia ir pra outras áreas. Pelo novo Marco, o próprio serviço tem que produzir receita pra custear o serviço e quem não fizer isso incorre em improbidade administrativa", acrescenta Sabóia. Ao elencar os benefícios da taxa, Sidnei Aranha, presidente do Fórum Nacional de Gestores de Limpeza Pública e Manejo de Resíduos Sólidos, considera que a tarifa, além de gerar receita à Prefeitura de modo a viabilizar a boa operação dos serviços prestados, pode ser uma importante ferramenta de educação ambiental. “Quando aquela pessoa que recicla, tem boa destinação dos resíduos e, mais, consegue reduzir a emissão de resíduos é beneficiada com o pagamento de uma taxa menor, isso acaba incentivando outras pessoas a adotarem a mesma postura. Deste modo, a sociedade de um modo geral é diretamente beneficiada”, pontua. Contudo, em Fortaleza, a proposta que tramita na Câmara não incentiva tal educação ambiental. O professor da UFC, Francisco Suetônio, lembra que a taxa na Capital cearense visa a cobrança por área.
“Isso acaba pondo todos no mesmo pacote. Independentemente se você tiver boas práticas ou não, o valor a ser pago será o mesmo, isso freia o incentivo à mudança cultural das pessoas”, considera. Esta forma com que a taxa pretende ser aplicada é, portanto, na avaliação do docente, um ponto negativo da proposta. A Prefeitura irá calcular a taxa de lixo a partir da área de cada imóvel em Fortaleza. Para isso, foi estabelecido um valor-base a partir da divisão dos custos com o sistema de coleta de resíduos – que soma R$ 350 milhões por ano – pelos metros quadrados edificados na cidade. Assim, o valor-base será de R$ 3,64 por metro quadrado a cada ano. Assim, para saber quanto cada imóvel irá pagar de taxa de lixo, basta multiplicar o valor-base pela área do imóvel.
É este o modelo que o docente da UFC, Francisco Suetônio, lança questionamentos. Contudo, quando a proposta foi enviada à Câmara, há margem – em estudo – para outra metodologia de cobrança, que diz respeito sobre o cálculo individual, tornando-o mutável dependendo do engajamento da população na coleta seletiva dos resíduos. Ou seja, quem produz menos lixo ou quem faz a correta destinação dele, pagaria menos. Para as pessoas que levarem seu lixo para ecopontos, mini ecopontos, “ilhas ecológicas” ou “ecomóveis”, estas passariam a ter benefício de redução na taxa ou até mesmo zerar a tarifa. “Esse é o melhor modelo. É preciso incentivar e beneficiar as pessoas que têm boas práticas e não igualar todos em uma cobra única, por área”, completa Suetônio. O debate gestado a partir da proposta de criação da tarifa de lixo tem gerado embates entre os representantes da Câmara de Vereadores de Fortaleza. Questões políticas são, na avaliação de Francisco Suetônio, o grande gargalo na criação de taxas que onerem à população, mas que podem ser revertidas em prol da sociedade. “Sempre que há a criação de uma nova taxa, há naturalmente um debate político. E, isso, faz com que muitos gestores acabem não querendo se indispor e, por isso, essas taxas que na minha concepção poderiam ser revertidas positivamente, acabam sendo engavetadas”, avalia. O representante do Fórum Nacional de Gestores de Limpeza Pública e Manejo de Resíduos Sólidos tem uma análise diferente. Segundo ele, quando há “clareza, transparência e informação precisa do que será cobrado e, principalmente, como este recurso será aplicado, não há motivos que levem os gestores a temerem qualquer indisposição por parte da sociedade ou parte dela”, se posiciona Sidnei, que além de presidente do Fórum, é secretário de Meio Ambiente de Guarujá (SP). Diante desta análise, Sidnei destaca que o Fórum é a favor da criação e aplicação da taxa, conforme versa a lei do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que preconiza que todas as cidades já deviam tarifar o serviço de lixo desde julho do ano passado. “A gente recomenda sempre que a lei seja cumprida, até porque, diferente disso, os gestores podem responder, por exemplo, por improbidade administrativa. Portanto, desde que bem aplicada e haja a destinação assertiva dos recursos, essa taxa é muito positiva”, acrescenta Sidnei Aranha. Diante de pontos positivos, negativos e questões a serem talhadas, Sidnei reconhece que o assunto é complexo, mas, quando tratado de forma técnica e sob a luz da lei, tende a ser uma questão benéfica. “Não é algo simples, envolve várias questões, mas que, sim, é positiva quando bem aplicada. E, isso, vai além da destinação dos recursos. Vale lembrar que a gestão pública tem gerência somente a 67% dos resíduos de uma cidade. Empresas privadas respondem por 33%. Portanto, os recursos dessa taxa devem cobrir somente a primeira porcentagem, deixando o restante ao cargo das empresas. É importante que se cobre, que se aplique à lei à essas empresas”, ressalta. A porcentagem ao qual se refere diz respeito à obrigatoriedade da logística reversa de resíduos sólidos, instrumento de desenvolvimento econômico e social da Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulamentada pela Lei 12.305/2010.
A Lei dita a obrigatoriedade em implementar sistemas de logística reversa, independente dos serviços públicos de limpeza, para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos seguintes produtos: “Essas empresas respondem pelo recolhimento e correta destinação dos seus resíduos. Essa parte não pode ser indexada à prefeitura de modo que gere oneração. A criação da taxa de lixo também deve regimentar essa questão, fazer com que todos as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos sejam aplicadas. Veja, quando se segue a lei e há, naturalmente, uma boa destinação dos recursos, o serviço prestado sofre melhorias e a sociedade como um todo é beneficiada”, conclui Sidnei. Além da 'taxa do lixo', o projeto de lei pretende desenvolver ações plurais que compreendem diversos tópicos, dentre os quais: QUAL SERÁ O VALOR DA TAXA EM FORTALEZA?
QUEM IRÁ PAGAR A TAXA DE LIXO?
QUEM ESTARÁ ISENTO DA TAXA?
COMO ESSA CONTA VAI CHEGAR NA CASA DOS MORADORES DE FORTALEZA?
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