A pandemia de Covid evidenciou distintas realidades e desigualdades no processo educacional brasileiro. Diferenças quanto à estrutura e organização muitas vezes evidentes dentro de uma mesma cidade, a depender se o aluno é da rede municipal, estadual ou federal.
Se antes da crise sanitária, a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE) já era relevante, com ela, o debate, que ocorre há anos, ganhou força. Mas, o que é esse Sistema? Ele pode ser comparado ao SUS? E o que mudará nas 7,4 mil escolas do Ceará?
No atual formato de funcionamento da Educação no Brasil, mesmo que a Constituição Federal preveja que as redes de educação precisam colaborar técnica e financeiramente, sem a existência do SNE, os governos Federal, estaduais e municipais até chegam a fazer ações de forma conjunta, mas essa não é uma prática generalizada no país.
Hoje, essa atuação conjunta, explica a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - entidade que atua na educação - Andressa Pellanda, “é feita de forma desregulamentada”.
Muitas vezes, diz ela, “falta coordenação federativa”. Assim, cada rede acaba atuando de modo isolado, ainda que de forma precária, como foi constatado na pandemia.
O primeiro ponto quando se fala da criação do SNE é que para vigorar ele precisa ser criado como lei que irá regulamentar e organizar as responsabilidades pela educação. Isso, ao estabelecer regras sobre as funções e como cada nível (União, estados e municípios) deve atuar.
O SNE avança ainda na determinação legal de que as três esferas têm obrigação de atuar juntas.
No Ceará, por exemplo, desde 2007, há cooperação técnica e financeira mais sistemática entre o Governo do Estado e as 184 prefeituras na área da educação. Mas, isso por iniciativa dessas esferas de governo. Não há uma lei que estabeleça os moldes que essa parceria deve ter.
Na cooperação no Ceará, que pode ser tomada como um desenho simplificado da ideia do que vem a ser o SNE, o Estado e as prefeituras atuam com ênfase no processo adequado de alfabetização. Mas, a parceria ocorre em um nível menos complexo do que o previsto no SNE para o país como um todo.
Quais os passos para criar o SNE?
A criação do Sistema Nacional de Educação já tem ao menos 6 anos de atraso, já que a Lei que estabeleceu o Plano Nacional de Educação (PNE), em 2014, previa a criação do SNE até a metade de 2016. Agora, em 2022, a proposta de implementação do SNE tem se tornado mais concreta.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/19 que cria o SNE foi aprovado, em março deste ano, no Senado. Mas, o SNE não foi, de fato, criado ainda. Isso porque a proposta, depois de passar pelo Senado, foi enviada à Câmara Federal e ainda tramita. Logo, o SNE ainda não saiu do papel.
Na Câmara Federal já tramitava uma proposta com o mesmo objetivo do projeto oriundo do Senado. Na casa legislativa, o deputado federal do Ceará, Idilvan Alencar (PDT-CE), relata a proposta.
O texto aprovado no Senado indica que dentre os objetivos do SNE, estão:
- A universalização do acesso à educação básica de qualidade, assegurando a aprendizagem com equidade;
- A erradicação do analfabetismo;
- A garantia adequada de infraestrutura física, tecnológica e de pessoal para todas as escolas públicas;
- A incorporação de tecnologias da informação e do conhecimento nas práticas pedagógicas escolares;
- A racionalização da aplicação dos recursos públicos vinculados à educação, coordenando esforços entre os entes federados;
- Assegurar o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os professores.
Conforme o projeto, a Comissão Intergestores Tripartite da Educação (Cite), será responsável pela negociação e articulação entre gestores dos três níveis de governo.
Já as Comissões Intergestores Bipartites da Educação (Cibes), a serem criadas nos 26 estados e no Distrito Federal, serão responsáveis pela negociação e pactuação entre gestores da educação de estados e municípios.
O SNE pode ser comparado ao SUS?
A concepção do SNE prevê que ele funcione, dentre outros, estabelecendo o alinhamento de ações, programas e investimentos no setor de educação, por isso, o projeto é conhecido como uma espécie de Sistema Único de Saúde (SUS) na educação.
A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, afirma que “se fala que é ele SUS porque ele é o sistema que reúne as redes”.
Mas, ela explica: “ele ainda não pode ser comparado ao SUS porque o SUS tem um fortalecimento do âmbito municipal muito forte, e a proposta aprovada no Senado ainda não dá o devido fortalecimento aos municípios”.
De acordo com ela, o projeto aprovado ainda se concentra na União, e por isso a proposta necessita de “alguns ajustes para que o SNE seja considerado o SUS da Educação”.
Para o líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação - entidade que atua na educação -, Lucas Hoogerbrugge, o SNE “tem uma comparação possível com o SUS, porque ele tem muitas similaridades, ainda que tenha algumas diferenças importantes”.
“Ele é um sistema que organiza a gestão, a governança, a pactuação das políticas educacionais entre as três esferas de governo. E nesse sentido ele se assemelha ao SUS no sentido de organizar essas políticas públicas”.
Por outro lado, pondera ele, “o SUS é um sistema único que tem transferências de recursos dentro dele, e acaba trabalhando de uma forma mais unificada em virtude de ser um sistema só com essas normas para o país todo”. No SNE, explica ele, há “um sistema de sistemas. Cada município e estado tem suas próprias normas”.
O que muda nas salas de aula
O impacto para quem está nas salas de aula, avalia Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é possibilidade de melhoria da qualidade, do financiamento e da cooperação “para que essa educação aconteça”.
“Às vezes, o município não tem recursos para garantir tanto a oferta, como a qualidade e a permanência na educação. A ideia é que os estados, por exemplo, possam colaborar tanto para o financiamento como para pensar nas soluções. Isso deve ter impacto em termos de acesso, permanência e qualidade”.
Na prática, avalia o líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, é esperado que o SNE gere uma oferta educacional mais alinhada.
Na pandemia tivemos lugares com resposta qualificada e em outros foi muito aquém. E as diferenças nessas respostas são muito prejudiciais aos estudante porque acabam criando condições diferentes a partir de qual rede ele estude”, diz ele.
A ideia, enfatiza Lucas, “é que a rede estadual converse com as municipais a partir de diretrizes nacionais”.
“Esperamos que daqui a algum tempo a gente possa olhar para trás, igual a gente olha para o SUS, e veja a relevância que um sistema dessa magnitude tem para o país. E a gente possa celebrar seus efeitos na aprendizagem das crianças, principalmente reduzindo as brutais desigualdades que o país tem”.
Sem data para entrar em vigor
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/19, oriundo do Senado, será analisado pelas comissões da Câmara dos Deputados, mas não há data para ser votado no plenário. Segundo a Agência de Notícias da Câmara, o deputado Idilvan Alencar avaliou, na última semana de março, que a proposta para criação do SNE poderá ser votada ainda neste ano.
Após a tramitação no Congresso, o SNE vai a sanção presidencial, e depois de sancionada, ainda assim a implementação não será imediata. Será preciso definir uma série de regras e normas regulamentando como ele funcionará na prática.
Se virar lei, estados, Distrito Federal e municípios terão até 2 anos para aprovar legislação específica para criação dos sistemas estaduais, distrital e municipais de educação. O Ministério da Educação (MEC) deverá prestar assistência aos demais entes federativos no processo.