Todo ano, pelo menos um cearense vira notícia por ter tirado nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas por trás dessas histórias, há outras inúmeras sobre evolução: nos últimos 10 anos, a nota média de candidatos do Ceará na dissertação aumentou 138 pontos.
No exame de 2013, a média obtida pelos inscritos na prova escrita foi de 514 pontos, e cresceu continuamente até chegar aos 652 pontos, em 2022. Em todos os Enem do período houve pelo menos uma nota mil.
Os dados são das Sinopses Estatísticas do Enem anuais, disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e analisadas pelo Diário do Nordeste.
Há 10 anos, somente 3.325 dos cearenses alcançaram nota entre 900 e 1.000 na redação do exame, o que correspondia a 1% dos inscritos. Já em 2022, o cenário foi outro: 13.828 pessoas pontuaram acima de 900, o equivalente a 9,1% dos candidatos no Ceará.
Enquanto em 2013 a maior parte dos candidatos pontuou entre 500 e 600 na redação, em 2022 a maioria já conseguiu nota entre 600 e 700 pontos.
Perceber melhora no próprio desempenho, ao longo das provas, foi o que estimulou o estudante João Pedro do Nascimento, 17, a buscar escrever a redação ideal. Aluno do Programa Novo Vestibular (PNV), cursinho popular da Universidade Federal do Ceará (UFC), ele cursa o 3º ano do ensino médio e se prepara para prestar o Enem 2023.
A prática da escrita de pelo menos uma redação por semana, que corrige junto a professores do laboratório do PNV, tem dado resultado. “Você vai deixando a escrita mais intuitiva. É importante sentir que está melhorando, receber uma nota 980, 1.000, quando antes tirava 800”, anima-se.
Exercitar, aliás, é a estratégia que ele aponta como crucial para evoluir – inclusive na gestão do tempo. “Tenho mais dificuldade em relação ao tempo de prova. Isso me limita um pouco, estou tentando melhorar nessa parte, exercitando pra fazer uma redação boa em menos tempo”, cita.
Por que estamos melhores
O número de estudantes do Ceará que alcançaram as faixas de desempenho entre 0 e 600 tem tendência de queda, ao longo dos anos, enquanto notas superiores a 600 têm sido mais frequentes, como apontam os dados do Inep.
Para Victória Castelo, professora de leitura e do laboratório de redação do PNV, o contexto social dos estudantes nordestinos é um dos fatores que contribuem para que grande parte das notas mais altas seja oriunda da região.
“No Ceará, temos o foco no desenvolvimento do senso crítico do aluno, que é um dos principais fatores para escrita da redação do Enem. Ela exige isso. O aluno vai falar sobre um problema social de onde ele está inserido. Ele está no contexto”, avalia.
A professora destaca que uma das estratégias de preparação dos alunos para a produção textual é o foco no senso crítico e na reflexão – e não somente no engessamento de uma estrutura. “O que causa esse problema? Como ele impacta? Como propor soluções?”
Outro possível motivo para a média crescente dos cearenses no Enem é a melhoria da educação pública como um todo, como aponta Helder Nogueira, secretário executivo de Direitos Humanos e Equidade da Secretaria Estadual da Educação (Seduc).
“Com a expansão do tempo integral, que chega a 70% da rede, temos muitas (disciplinas) eletivas que convergem para clubes, oficinas e aulões de redação. É algo que envolve o aprimoramento do estudante, olhando para o percurso que ele precisa trilhar”, frisa.
O secretário lista ainda outras ações da rede estadual de ensino que priorizam aperfeiçoar as habilidades de escrita dos cearenses que prestarão o exame nacional. “Em julho, por exemplo, no ‘Enem Não Tira Férias’, eles produziram a redação, escanearam com o celular mesmo e tiveram correção e orientação pelos professores numa plataforma”, cita.
Desafios da redação do Enem
Diante da inegável importância de um bom “conhecimento de mundo” e do domínio da língua portuguesa para alcançar uma boa nota na redação do Enem, são justamente estes os dois pontos mais desafiadores da preparação, segundo a professora Victória Castelo.
“Temos no PNV alunos de todas as idades, há muito tempo sem estudar, e vemos uma dificuldade: eles reconhecem a norma culta, sabem as especificidades da dissertação, mas não conseguem desenvolver a argumentação”, diz, alertando que a adoção de “modelos prontos de redação nota mil” prejudica a preparação dos candidatos.
“Outra problemática é o contrário: são os alunos que conseguem falar sobre os problemas sociais, por serem mais maduros, com consciência social mais forte, mas que não conseguem transmitir isso para a escrita”, complementa Victória.
Helder Nogueira, da Seduc, acrescenta que “a principal dificuldade é o déficit de repertório para falar das realidades política, econômica e cultural do País, e o vocabulário para expressar os pensamentos e a argumentação”.
“Temos uma sociedade muito vinculada às redes sociais, com palavras abreviadas, então trabalhamos muito a questão da leitura. A preparação do estudante não é só para o Enem. A leitura e o repertório são importantes para toda a vida, inclusive profissional”, reforça o secretário.
A professora do PNV também resume: “quando lemos um texto de um aluno, vemos muito sobre o que e como ele pensa. E essa é a avaliação do Enem: queremos ver como a pessoa se coloca na sociedade. Para além de convenções da escrita, a argumentação é extremamente importante”.