A Igreja da cidade-fantasma de Cococi não é a única edificação esperando pelo resultado de um longo processo de tombamento - por lá, já são mais de 20 anos de espera. Atualmente, pelo menos 21 prédios ou conjuntos arquitetônicos no Ceará aguardam há mais de uma década pela definição que garanta a proteção das características físicas por sua importância histórica e cultural.
Após a solicitação do tombamento, o poder público inicia a instrução do processo, que deve conter a descrição e documentação do imóvel; a justificativa pela qual o bem será tombado; a definição e delimitação da preservação do entorno do bem, e os parâmetros para instalações e usos.
Por enquanto, sete equipamentos estão nessa fase junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que pode autorizar o tombamento federal. A nível municipal, em Fortaleza, a Secretaria Municipal de Cultura (Secultfor) tem 16 processos de tombamento com esse intervalo.
Pela legislação, não há um prazo determinado para a deliberação final de um processo de tombamento, já que se trata “de uma decisão importante e criteriosa” e exige “muitos estudos”, de acordo com o Iphan.
O Instituto completa que cada caso demanda prazos diferenciados conforme sua complexidade, já que alguns também exigem a manifestação dos proprietários.
Porém, para especialistas, embora os imóveis recebam garantia de preservação parcial durante o processo, a demora compromete a integridade das edificações.
Para o Ministério Público Federal (MPF-CE), por exemplo, a Igreja de Cococi corre risco de ser “desvirtuada ou depredada”. O órgão requereu que o processo de tombamento seja finalizado em até 90 dias.
Demora histórica
Os sete bens imóveis candidatos ao tombamento definitivo a nível federal, pelo Iphan, têm espera diferenciada. O mais recente, do Complexo Ferro-Portuário de Camocim, aguarda há 12 anos.
Já um bloco arquitetônico de Aracati teve instrução aberta em 1963 - há quase 60 anos. A decisão se arrasta mesmo com o conjunto arquitetônico e paisagístico urbano da cidade ter sido tombado pelo mesmo órgão, em 1978.
Confira a lista dos bens que aguardam decisão do Iphan:
- Diversos monumentos arquitetônicos em Aracati
- Casa do Umbuzeiro, em Aiuaba
- Igreja São Gonçalo da Serra dos Cocos (Matriz), em Ipueiras
- Ponte ferroviária de Quixeramobim
- Prédio da Estação Ferroviária de Crato*
- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no Distrito de Cococi
- Complexo ferro-portuário de Camocim*
*Embora aguardem decisão federal, as estações ferroviárias do Crato e de Camocim já são protegidas a nível estadual desde 2004 e 2005, respectivamente, por deliberação do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural.
O superintendente do Iphan no Ceará, Cândido Henrique, reforça que os tombamentos são complexos e não se tratam apenas de uma formalidade, exigindo análises técnicas, normas e meios para a gestão futura do patrimônio protegido.
Contudo, entre os principais entraves a tais estudos e ações, estão a demanda por mais recursos financeiros e um maior número de funcionários. Além disso, considera "incipientes" as políticas públicas de preservação do patrimônio no contexto cearense.
O Iphan recebe um número significativo de solicitações de tombamento cuja relevância do bem cultural é apenas local ou estadual e não nacional. Tal contexto prejudica as atividades do órgão, que precisa em muitos casos direcionar seus recursos financeiros e servidores - que já são em número insuficiente para atender as atribuições ordinárias da autarquia - para atuar em processos que poderiam ser conduzidos por outras instâncias de preservação.
O gestor informa que o órgão tem trabalhado para atender ao passivo de processos inconclusos e solicitações mais recentes, cuja conclusão é priorizada a partir da Carta de Serviços ao Cidadão do Iphan. "Em 2021 e primeiros meses de 2022, já temos 10 novas solicitações para serem apreciadas pelo restrito corpo técnico da superintendência", afirma.
Prédios na Capital
A nível municipal, os processos mais antigos de Fortaleza estão em curso desde 2006, ou seja, há 16 anos. Conheça os imóveis que estão na lista de espera da Secultfor:
- Escola de Música Luís Assunção, no Centro
- Bar Avião, na Parangaba
- Lord Hotel, no Centro
- Casa da Câmara da Villa de Arronches e Intendência Municipal da Villa de Parangaba, na Parangaba
- Bangalô de Aristides Capibaribe, na Jacarecanga
- Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Mondubim
- Capela do Sagrado Coração de Jesus - Asilo de Parangaba
- V Batalhão da Polícia Militar, no José Bonifácio
- Casa na Rua Franklin Távora, no Centro
- Caixas D'água do Benfica
- Círculo Operário do Montese
- Casa Frei Tito de Alencar, no Centro
- Colégio Militar de Fortaleza, no Centro
- Casa na Rua Floriano Peixoto, no Centro
- Cemitério São João Batista, no Centro
- Associação Beneficente do Pessoal da Rede de Viação Cearense, no Centro
Seriam 17 imóveis na lista se o Casarão dos Gondim, construção centenária localizada também no Centro, não houvesse sido demolido pela empresa proprietária em 2021, mesmo com o processo de instrução concluído e com a Prefeitura negando autorização de intervenções no local.
Educação patrimonial
Quem convive de perto com a história do Ceará lamenta a morosidade na conclusão das análises. Para Gerson Linhares, turismólogo e idealizar do projeto Fortaleza a Pé, o poder público também deveria desenvolver estratégias de educação patrimonial, a fim de cultivar o envolvimento da sociedade civil na proteção desses equipamentos.
O Ceará tem tanta coisa pra ser explorada, mas falta visão. Tem prédios literalmente caindo e não vemos esse interesse enquanto não houver educação da população e dos próprios gestores.
Na análise de Gerson, falta engajamento e uma “liga” entre entidades encarregadas dos tombamentos a nível municipal, estadual e federal, já que poderiam compartilhar conhecimentos e equipes técnicas em prol de decisões mais ágeis.
“Enquanto essa divisão continuar, vão continuar existindo apenas ‘manchas patrimoniais’, ou seja, não vai ter inventário turístico estratégico para o Estado que pudesse perpetuar a nossa história”, pensa.
Por que tombar?
Alguns bens “detêm inestimável valor histórico, artístico ou cultural”, segundo a Secultfor, por isso podem ser distinguidos através de sua inscrição no Livro do Tombo. A distinção visa a protegê-los de eventuais destruições ou descaracterizações.
O valor é inerente ao bem e pode considerar fatores como idade, método construtivo ou sua relevância dentro da história da cidade. “É dever de toda a população proteger estes bens de inestimável valor histórico e cultural, independente se existe ou não o tombamento”, destaca a Secretaria.