Quase 2 anos de decreto oficial da pandemia de Covid, uma explosão de casos de Ômicron, mas que já perde força em estados como o Ceará, e mortes na 3ª onda, ainda que em proporções menores que nas anteriores. Em paralelo, o Ministério da Saúde avalia alterar a classificação de pandemia para endemia. Mas, o pior já passou? Há como falar em possível fim da pandemia? E o que pode atrapalhar?
Na terceira onda, o Brasil, e o Ceará, têm vivenciado dinâmicas distintas devido ao elevado número de contaminações, a partir do final de dezembro de 2021. Com isso, parte considerável da população está temporariamente imunizada, em um cenário também diferente dos anteriores, no qual boa parcela dos habitantes também já tomou a vacina.
Em nenhum outro período da pandemia, a situação, nesse sentido, foi tão oportuna à redução da circulação do vírus. Essa é uma das evidências que torna viável (agora, mais do que em outros momentos) a discussão sobre o fim da pandemia.
Mas, é preciso cautela já que vários pontos referentes à Covid ainda são imprevisíveis, conforme alertam cientistas. Algumas dinâmicas já conhecidas, inclusive, podem atrasar o encerramento da crise sanitária. A necessidade de ampliação da cobertura vacinal é um ponto chave para um futuro próximo de controle da doença.
Motivos de alerta
No segundo semestre de 2021 também havia expectativa de que em 2022 a pandemia estaria perto do fim. Mas, veio uma terceira onda, com uma variante altamente transmissível.
Pesquisadores ouvidos pelo Diário do Nordeste ponderam que é preciso voltar as atenções para alguns fatores que podem atrapalhar esse caminho rumo ao fim da pandemia. São eles:
- Novas variantes, pois, nada garante que outras mutações não chegarão ou surgirão no país. Com ênfase nas que possam vencer as barreiras da vacina e levar ao aumento brusco de casos graves e mortes (o que não aconteceu até agora);
- A cobertura vacinal precisa crescer. Ainda há muitas pessoas desprotegidas e a imunização é a única estratégia que protege contra casos graves e mortes;
- Desigualdades em cada território fazem com que tanto o período do pico seja distinto (há cidades que podem não ter alcançado o pico ainda), como a cobertura vacinal também não seja homogênea, nem no país, nem no Estado, por exemplo.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde sugerem que o país já passou pelo pico da Ômicron. No dia 3 de fevereiro, foram registrados 298 mil casos em 24h. Desde então, as ocorrências estão em queda, mas não há ainda estabilidade na redução.
Já em relação às mortes - que tendem a baixar somente semanas após o pico - o Brasil, em alguns dias de fevereiro, ainda tem confirmado, mais de 1.000 registros em 24h.
No Ceará, o pico dos casos ocorreu antes do nacional. Dados do Integrasus, plataforma da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), indicam que no dia 17 de janeiro, o Estado teve o maior número de confirmações em 24h na pandemia, foram 13 mil casos.
Logo, é um pico que se consolidou antes dos de outros estados, por exemplo. Daí em diante, o registro de contaminações está em queda. Desde o dia 10 de fevereiro são menos de mil casos por dia. Quanto às mortes, o pico na terceira onda foi no dia 20 de janeiro, com 52 óbitos registrados em 24h.
O cenário epidemiológico considerando casos e óbitos no Ceará é semelhante ao de julho/agosto de 2021, mas com o diferencial que a cobertura vacinal está mais ampla.
O professor do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, Carlos Henrique Alencar, explica que para que a doença deixe de ser epidemia e passe a ser endêmica precisa ter uma redução no número de pessoas suscetíveis.
No caso da Covid-19, diz ele “precisa que a quantidade de pessoas que possa pegar a doença novamente seja bem reduzida. Isso é algo bem provável de acontecer nos próximos dias, uma vez que a variante Ômicron é muito transmissível e fez com que houvesse um grande número de casos em um curto período de tempo”.
“E o que mudou entre as duas primeiras curvas epidêmicas e esta? Primeiro, já estávamos mais preparados com conhecimento e tecnologias para combater a doença na população e de forma individual. As vacinas cumpriram seu propósito, fazendo com que uma doença muitas vezes incapacitante ou mesmo letal se tornasse muito mais branda”.
Ele ressalta que uma das medidas que deve ser mantida por mais tempo é o uso de máscara. “Principalmente em ambientes que tenha aglomeração de pessoas, ou mesmo em locais onde haja a circulação de diversas pessoas vindas de locais diferentes”.
Vacinas: recursos para a saída
Outro ponto fundamental a ser considerado em qualquer debate sobre possibilidade de fim da pandemia é a cobertura vacinal. Até o momento, conforme dados do vacinômetro da Sesa, das 184 cidades do Ceará, 83, incluindo a Capital, aplicaram ao menos a 1ª dose em mais de 90% da população.
Mas, é fato que nem metade das cidades chegou a esse índice. Contudo, 181 municípios vacinaram com D1 mais de 70% da população.
Os dados do vacinômetro da Sesa usam como população vacinável (acima de 5 anos de idade) a projeção do IBGE para os residentes no Ceará em 2021. Como é uma estimativa, em alguns casos, o número de pessoas que, de fato, residem nas cidades é superior à referência.
Em 20 cidades, por exemplo, o total de D1 aplicadas supera o total da população que havia sido calculada para esses locais.
Em paralelo, no caso do cenário que realmente é considerado o mais seguro, com a aplicação da dose de reforço na população adulta, a situação do Estado é a seguinte:
- 4 a cada 10 pessoas acima de 18 anos (público apto, até o momento) tomaram a dose de reforço;
- 50 das 184 cidades cearenses aplicaram a dose de reforço em mais de 50% da população;
- 2 cidades não atingiram ainda 20% de cobertura vacinal com a dose de reforço;
- Em Fortaleza, 41% da população acima de 18 anos recebeu a dose de reforço;
O médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Júlio Croda, explica que, no mundo, há hoje cerca de 62,5% da população vacinada. E na África, pondera, menos de 10% da população está imunizada. Essas diferenças de cobertura, destaca, também ocorrem entre estados e cidades, e isso requer atenção e soluções.
De acordo com ele, a vacinação é a estratégia que tem proporcionado o vislumbre do fim da pandemia, pois, no caso da Ômicron, embora seja uma variante muito diferente das demais, os imunizantes continuaram protegendo para internação e óbitos. “Tanto é que não temos relato de colapso do sistema de saúde”, completa.
“À medida que a gente vacinar, ofertar doses de reforço, a tendência é que o risco de morrer diminua. E se temos uma letalidade menor, é preciso adotar menos medidas restritivas. Alguns países, por exemplo, repensarem essas medidas individuais, porque o risco de morrer diminuiu, o risco de colapsar o sistema de saúde, diminui”.
Escape vacinal
O pesquisador explica que a preocupação em relação ao surgimento de novas variantes deve focar na possibilidade de escape vacinal para casos graves e óbitos. Isso sim, na análise de Júlio, é grave. Pois, embora tenham surgido variantes com características genéticas muito diferentes, diz ele, as vacinas seguiram mantendo a proteção. Por isso, o cenário da pandemia não foi tão trágico (se comparado aos demais) nessa terceira onda.
Ele também esclarece que devido às variações no cenário epidemiológico em cada cidade, é possível que nos lugares em que a Ômicron começou mais precocemente, caso a cobertura vacinal também seja ampla, esses lugares possam mais rapidamente “sair da pandemia”.
A decisão sobre o ponto de estabilização dos casos e óbitos e os valores aceitáveis, cenários definem o fim da pandemia, na realidade de um país como o Brasil, diz Júlio, deve ocorrer a partir da observação de cada cidade/estado.
O professor da Faculdade de Medicina da UFC, Carlos Henrique Alencar, destaca que “não há como afirmar uma data para o fim da pandemia, mas o que se percebe é que cada vez mais teremos menos pessoas suscetíveis ao vírus e que sua gravidade será cada vez menor, tal fato pode chegar a um ponto que a covid-19 terá sintomas tão brandos que talvez não sejam nem percebidos pelas pessoas infectadas”.
De epidemia à endemia: o que significa?
Na semana passada, o Ministério da Saúde sinalizou que a alteração da classificação da Covid de pandemia para endemia está sendo avaliada.
O professor da Faculdade de Medicina da UFC, Carlos Henrique Alencar, diz que a tendência é que “a Covid-19 perca o status de pandemia e passe ao status de endemia com picos epidêmicos, como ocorre com outras doenças que conhecemos, um exemplo é a dengue, que nos acompanha por mais de 30 anos”.
Mas, pondera ele, o fato de ser classificada como endemia “não quer dizer que ela não deva mais ser considerada uma doença grave, ou mesmo que ela deva ser esquecida por todos, mas que sua letalidade, capacidade de levar uma pessoa a óbito, vai reduzindo ao longo do tempo”.
De acordo com ele, um problema é que a maioria da população pode ter a percepção de que endemia é algo melhor, mas, exemplifica “dengue e outras arboviroses, como Zika e chikungunya são consideradas doenças endêmicas e mesmo assim todos os anos causam apresentam seus picos epidêmicos e levam diversas pessoas a óbito”.
“Deve ser deixado claro para a população que se tornar endêmica não significa que estaremos livres da doença, pelo contrário, estamos aceitando que ela permanecerá ao nosso lado por muito tempo. Diante disso, a transição das medidas sanitárias deve ser feita de forma gradual, que não haja a possibilidade de um novo pico de transmissão pelo surgimento de uma nova variante”.