Mausoléu Castelo Branco: coletivo prepara projeto em memória de vítimas e desaparecidos na Ditadura

Estrutura de 50 anos em homenagem a ex-presidente teve retirada autorizada pelo Governo do Ceará em 2023

Há pouco mais de um ano, o governador Elmano de Freitas anunciou a decisão de retirar o Mausoléu Castelo Branco, marco de lembrança ao cearense que foi o primeiro presidente da Ditadura Militar, do Palácio da Abolição, atual sede do Governo do Ceará. Até agora, não foi anunciado o destino do local, mas um coletivo de arte e memória pretende pensar um novo projeto para o espaço.

“A decisão está tomada. A Secretaria da Cultura, junto à Secretaria de Direitos Humanos tem a missão de garantir que no Palácio da Abolição não ficará mais o Mausoléu de quem apoiou a ditadura”, declarou Elmano no dia 31 de agosto de 2023, durante cerimônia dos 44 anos da Lei da Anistia, considerada um dos marcos do fim da ditadura militar e da redemocratização brasileira.

O monumento na sede do Governo foi construído em 1972 e, até janeiro deste ano, segundo a gestão estadual, permanecia com os restos mortais de Castelo Branco e da esposa Argentina Viana. À época, a família demonstrou interesse em levar restos mortais para o Rio de Janeiro, enquanto o Governo divulgou o plano de homenagear abolicionistas cearenses que ajudaram o Estado a se tornar a “Terra da Luz”. 

Em breve, o Coletivo Aparecidos Políticos - fundado em 2010 em defesa da memória, da verdade e da justiça - deve produzir o conceito de uma obra artística e um relatório de ideias para o novo projeto artístico e museográfico. Os participantes sugerem uma renomeação para “Galeria da Liberdade”, espaço que substituiria o mausoléu.

Segundo Alexandre Mourão, integrante do Coletivo, professor universitário e ex-pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a ideia ainda embrionária é remeter a outros personagens do mesmo período em que viveu Castelo Branco.

“A gente acha interessante e melhor ligar a esse período de memória da justiça. Não que sejamos contra a memória dos abolicionistas, mas seria algo relacionado talvez aos cearenses mortos ou desaparecidos políticos durante a ditadura militar”, pensa.

Castelo Branco ocupou o cargo de presidente na ditadura de abril de 1964 a março de 1967. Ele morreu no dia 18 de julho de 1967, meses após deixar o cargo, em um acidente aéreo. 

“Como deixar que um prédio público, onde vai turista, vai escola, tenha o nome de alguém que fez um golpe de Estado?”, provoca Alexandre Mourão. “É esse debate que queremos trazer, não se trata de apagar a história”.

Monumentos na Alemanha

Para aprimorar a discussão, os integrantes do Coletivo viajaram à Alemanha e Polônia, neste mês, do intercâmbio “Desmonumentalização da Ditadura Brasileira: um intercâmbio artístico a partir da memória do holocausto”. Os dois países tiveram marcas profundas deixadas pelo nazismo durante a II Guerra Mundial.

A programação inclui importantes museus e memoriais como o Museu do Holocausto, em Berlim; o Espaço de Memória do Campo de Concentração Dachau, em Munique; e o Museu Auschwitz-Birkenau, em Oswiecim. Os espaços foram construídos com décadas de luta para que a memória também pudesse significar processos de reparações históricas.

Mourão afirma que, nesses locais, diversos monumentos da época do nazismo foram transformados e renomeados para pessoas e temas mais atualizados. “A gente entende algo como muito maduro porque vai em consonância com a CNV, que produziu um relatório com várias recomendações. Uma delas era mudar as homenagens a violadores de direitos humanos”, lembra.

Embora as nações da Europa tenham vivido contextos diferentes do Brasil, o pesquisador encontra ecos: “foram estados de exceção, com um momento de autoritarismo e queda da democracia”. Com o aprendizado a partir das experiências estrangeiras, os participantes pretendem elaborar iniciativas com uma abordagem mais crítica.

Queremos trazer esse debate da não repetição, que é uma das máximas desses locais: essa insígnia de que não se esqueça para que nunca mais aconteça.
Alexandre Mourão
Integrante do Aparecidos Políticos

O intercâmbio artístico foi um dentre os 47 selecionados dentro de um universo de quase 3.600 projetos inscritos no edital 2023 da Fundação Nacional de Artes (Funarte). 

COMO É O MAUSOLÉU CASTELO BRANCO?

Localizado na Avenida Barão de Studart, em Fortaleza, o mausoléu é uma estrutura em concreto armado com um balanço de 30 metros suspenso, que se projeta sobre o espelho d’água. O monumento integra o projeto arquitetônico da sede do Governo do Estado e é exemplo da arquitetura modernista do Brasil. 

O capitão Paulo Castelo Branco, filho de Humberto, foi um dos responsáveis pelo traslado dos restos mortais e, na inauguração do prédio em Fortaleza, entregou-os oficialmente à gestão estadual, no dia 19 de julho de 1972. 

Quando inaugurado, a câmara funerária foi situada no monumento na extremidade final do balanço e era antecedida por galerias que abrigavam a exposição de documentos e objetos de Castelo Branco.