Pela janela do ônibus, as Lagoas da Parangaba, da Messejana e as Caixas d’água do Benfica são paisagens cotidianas. Nos fins de semana, a pavimentação da Rua José Avelino se torna um percurso para comprar roupas. Em comum, esses espaços são bens tombados que contam a história de Fortaleza. Quais você conhece?
Antes de conferir a lista, vale saber: os tombamentos reconhecem e protegem, principalmente, construções históricas para manter memórias desde a formação de uma cidade e evitar intervenções. Mas outros espaços recebem essa garantia devido à relevância como patrimônio.
“As pessoas acabam não tendo uma relação maior com os bens tombados, porque as informações são muito escassas, mesmo existindo portais”, analisa Romeu Duarte, doutor em arquitetura e urbanismo e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Conheça bens tombados de Fortaleza além de edifícios
- Pavimentação da Rua José Avelino
O calçamento da Rua José Avelino - antigamente chamada Rua do Chafariz - é o retrato de um momento de transformação da cidade. Lá está um dos poucos trechos da zona antiga de Fortaleza com pavimentação original.
A pavimentação surgiu como uma demanda histórica da população, porque o trecho era recoberto por areia e dificultava a mobilidade de pessoas e animais. Só na segunda metade do século XIX, no entanto, o calçamento foi implantado.
Para isso, as pedras eram retiradas da pedreira do Mucuripe e hoje são consideradas vestígios do movimento das pessoas que construíram Fortaleza. Isso porque os trabalhadores atuaram durante um momento de crise.
Naquela época, a realização de obras públicas acontecia para aproveitar a mão de obra de sertanejos vindos de lugares castigados pela seca de 1877. Já no século XX, a pavimentação foi ampliada para receber os trilhos de bondes.
O calçamento da Rua José Avelino foi tombado no dia 10 de dezembro de 2012, pela gestão municipal, considerando a preservação da memória coletiva do povo fortalezense, como detalha o decreto 13.035.
“Alto valor simbólico, portador de inelutável referência à identidade e à memória da sociedade fortalezense”, descreve o documento. A Rua José Avelino se tornou ainda um dos principais pontos populares de comércio de roupas da Capital.
- Coleção Arqueológica do Museu da Escola Normal Justiniano de Serpa
Um dos bens tombados mais antigos está na Escola Normal Justiniano de Serpa com a Coleção Arqueológica inscrita no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1941.
Faz parte da Coleção Arqueológica:
- Vaso de cerâmica indígena encontrado na Gruta de Ubajara
- Conjunto de 68 peças formadas por arcos e flechas de índios do Mato Grosso
- Conjunto formada por 22 peças de enfeites de indígenas
- Conjunto de 4 machados de pedra indígenas
A coleção é tombada pelo Governo Federal, que cedeu o bem para o Museu do Ceará na década de 1950, conforme a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult).
Os itens, no entanto, foram reagrupados em outras coleções do Museu do Ceará, como a coleção etnográfica, de líticos polidos, cerâmica e outras. O acervo não está disponível para visitação devido à reforma do Museu do Ceará.
“A instituição encontra-se em fase de higienização, organização e nova catalogação do acervo. No primeiro semestre de 2023, está prevista a abertura do Anexo do Museu do Ceará, com novas exposições e atendimento ao público de estudantes e pesquisadores”, informou a Secult.
- Espelhos de água das Lagoas da Messejana e da Parangaba
As duas maiores lagoas de Fortaleza tiveram os espelhos d’água tombados no decreto assinado em 27 de maio de 1987. Ambas tiveram um papel relevante para a criação dos bairros e se tornaram símbolos do território.
A Lagoa da Parangaba, ponto conhecido por quem se desloca pela cidade ou utiliza o espaço para a prática de atividade física, é a maior lagoa em volume da Capital, com um espelho d’água de 469.659,46m². De origem indígena, o nome significa “bela lagoa” e faz parte da bacia do Rio Ceará.
A Feira da Parangaba, nas imediações da Lagoa, ficou fortalecida entre a população e deu visibilidade ao espaço. Mas o Diário do Nordeste já noticiou fatos marcantes no lugar, da queda de avião até o achado de bananas de dinamite.
Já a Lagoa de Messejana, segundo maior reservatório de água do tipo com 388.060,80m², faz parte do nascimento e desenvolvimento do bairro.
No local, a equipe de reportagem não encontrou placa de identificação do tombamento, mas sim um cenário de acúmulo de lixo e mato.
O espaço faz parte do Parque Urbano Jornalista Demócrito Dummar onde há equipamentos de lazer e realização de feira nos fins de semana.
- Bosque Pajeú
O tombo histórico e cultural do Bosque do Pajeú foi feito junto com a preservação do Palácio João Brígido, o Paço Municipal, onde está localizado. O decreto foi assinado em 23 de novembro de 2005 pela gestão de Fortaleza.
A delimitação do Bosque do Pajeú é feita por gradis e muros, na Rua São José, entre as Ruas Rufino de Alencar e Costa Barros. O trecho tombado fica no gabinete do prefeito e está fechado para visitação.
No entanto, o trecho faz parte do Parque Linear Riacho Pajeú, que possui área total de 41.623,00m². O Riacho Pajeú é associado ao surgimento da cidade de Fortaleza como recurso utilizado desde as primeiras habitações.
- Riacho Papicu
O Riacho Papicu, ao lado da Avenida Engenheiro Melo Júnior, foi tombado em 1º de julho de 1988 por meio da Lei 6.297. Naquela época, a justificativa utilizada para garantir a preservação do espaço foi a especulação imobiliária.
Essa contextualização foi feita no trabalho de conclusão de curso em História, da UFC, “História, Patrimônio e Política: Estudo dos Casos de Tombamentos de Bens Materiais na Cidade de Fortaleza dos Anos de 1980-90”.
O tema foi tratado na Câmara Municipal devido à ameaça de desaparecimento do riacho com a construção de edifícios e o descarte irregular de detritos.
“O Riacho Papicu será o próximo manancial a desaparecer de Fortaleza. Não podemos deixar que este fato aconteça. Há edifícios que já construíram galerias de desaguamento de detritos, no seu leito. Este fato justifica o presente projeto”, apresentou o projeto de lei.
Por isso, além do tombamento, foi proibido o lançamento de resíduos de esgotos, o desvio de seu curso e a construção de residências, edifícios ou outras obras a menos de 50 metros de suas margens.
- Caixas d'água do Benfica (em tombamento):
Os reservatórios permanecem como mostra da modernização do abastecimento de água em Fortaleza que começou pelo bairro devido ao declive natural do terreno. Com isso, o transporte do recurso natural acontecia por gravidade.
As informações são do Projeto Caixas d'água do Benfica, criado em parceria pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Prefeitura de Fortaleza. O portal faz um resgate histórico da construção dos reservatórios.
Em 1911, começaram as obras de saneamento em Fortaleza com a instalação de duas caixas d’água de ferro na Praça Visconde de Pelotas. O abastecimento da cidade, na segunda metade do século XIX, era feito por cacimbas e chafarizes públicos.
Estudos sobre os sistemas de abastecimento d’água da cidade foram realizados apenas em 1881. Já o sistema do Benfica ficou pronto em 1926, mas nunca chegou a ser operado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). O tombamento foi proposto em 2010.
- Passeio Público
A Praça dos Mártires, mais conhecida como Passeio Público, é a praça mais antiga de Fortaleza, com construção iniciada em 1864. O nome oficial foi definido em 1879 devido à execução pública de revolucionários da Confederação do Equador.
Antes disso, o espaço foi chamado de Campo da Pólvora, Largo de Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital da Caridade e Praça da Misericórdia.
O equipamento carregava uma mostra física da separação entre classes dos moradores da cidade: existiam três planos para a divisão entre pessoas das classes rica, média e baixa. Agora o Passeio Público é utilizado para práticas culturais e atividades ao ar livre.
Existem dois tombamentos, um federal e outro municipal, voltados para a preservação do Passeio Público. O primeiro é de 1964 e o segundo de 1993.
Qual a relevância desse tipo de tombamento?
O patrimônio é um campo em expansão para a preservação de bens, como contextualiza o professor Romeu Duarte. Isso do ponto de vista histórico, geográfico e até tipológico, como forma de preservar estruturas comuns em uma época.
“Há uma dimensão cronológica, porque cada vez mais estamos protegendo bens próximos do nosso tempo, como o Palácio da Abolição”, acrescenta o especialista. No entanto, de modo geral, as pessoas ainda precisam conhecer a história desses espaços.
Esse afastamento acontece, entre outros motivos, pela falta de incentivo e de programações nos lugares onde há tombamento. “Esses espaços aparecem muito pouco no cotidiano da nossa comunidade”, frisa.
A reportagem buscou a Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) para saber quando o processo de tombamento das Caixas d'água do Benfica será concluído e quais ações são feitas para identificar e preservar os pontos tombados. Até a publicação desta matéria, não foi enviada resposta.