Da colonização ao Pecém Verde: portos ajudam a desenvolver o Ceará há mais de 400 anos

Mais um navio some no horizonte após zarpar do Ceará, carregado de frutas e legumes a aço e combustíveis rumo a destinos nacionais e internacionais. Tem sido assim há mais de 400 anos: os portos são um dos principais motores da economia do Estado e permitiram, através da importação e exportação, o desenvolvimento de boa parte do território cearense. 

Antes da tardia colonização portuguesa – a primeira tentativa do explorador Pero Coelho de Sousa data de 1603 –, o litoral do Ceará foi útil a navegantes franceses e neerlandeses (termo atualizado de “holandeses”), que pretendiam explorar minérios e matérias-primas. Nas tentativas, eles precisaram buscar áreas seguras para guardar os navios e encontraram bons portos naturais.

Pesquisador do Siará neerlandês, J. Terto de Amorim considera complexa a missão de definir a origem da ocupação portuária. Com base em análises cartográficas, segundo ele, franceses e neerlandeses preferiram a foz do rio Camocim, na região norte, e a praia do Mucuripe, em Fortaleza; já os portugueses, a Barra do Ceará.

As chegadas e saídas de embarcações desses locais eram quase diárias. O Mucuripe – conhecido pelos navegantes como um cabo de águas calmas – sediou muitos carregamentos e descarregamentos, além de servir de ponto de ancoração para reparos.

Os franceses teriam desembarcado primeiro, por volta de 1587, e usado os portos naturais para levar principalmente madeira de boa qualidade, como o pau violeta, para a fabricação de móveis. 

Quando a maré estava alta ou baixa, o arrecife segurava a correnteza e facilitava a atracagem dos navios ou dos barcos de pequeno e médio porte. O primeiro porto de Fortaleza que se tem registrado vai ser na Prainha.
J. Terto de Amorim
Pesquisador

Outro mapa estudado por Amorim mostra uma estrada aberta por neerlandeses e indígenas da praia até a serra de Maranguape, entre 1649 e 1650. Ela ligava o famoso Forte Schoonenborch às minas de prata (embora de má qualidade) e facilitava o transporte das cargas por carroças. Eles teriam, ainda, montado uma base de apoio no litoral. 

Porém, não haveria estrutura portuária até meados de 1799: a Prainha, área hoje entre o Centro e a Praia de Iracema, foi considerada estratégica porque tinha um grande arrecife. Além do píer para cargas e descargas, foi construído no local um pequeno forte para defesa militar e uma casinha que funcionava como prensa de algodão.

O Grande Mucuripe

No entanto, Fortaleza se desenvolveu rapidamente no século seguinte, com a pecuária e a cultura do algodão, e demandou a construção de um porto maior e mais seguro. Diversos projetos foram sugeridos, mas várias décadas se passaram até que o porto de Fortaleza saísse do papel. Acompanhe o processo de implantação no infográfico:

Com essas evoluções, o Porto do Mucuripe passou a atender às regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Vale do São Francisco. Entre os principais produtos movimentados por ele, atualmente, estão cimento, arroz, farinha de trigo, sal, frutas, gasolina e óleo diesel.

Para Eider de Olivindo Cavalcante, doutor em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro “Expansão urbana e controle territorial - o Mucuripe e a produção do litoral de Fortaleza”, o porto traz “imponência” à paisagem da cidade e fica numa “localização privilegiada”, próxima da Europa e da América do Norte.

Apesar disso, ele aponta que o equipamento foi “estrangulado” pela urbanização, enfrentando limitações de expansão pelo adensamento do entorno. Por isso, na década de 1990, o Governo do Estado decidiu investir em outras políticas estruturantes para dar maior vazão às novas demandas da economia que se modernizava. Assim, surgiu a ideia do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp).

Pecém: plano de crescimento

O local escolhido foi o acidente geográfico chamado de Ponta do Pecém, a 60 km da capital, na “esquina do Oceano Atlântico”: de lá, em 9 dias, as embarcações chegam aos Estados Unidos e, em 12 dias, à Europa. As obras duraram de 1996 a março de 2002, quando o novo porto foi inaugurado

O Porto vem batendo as próprias marcas: as 12,2 milhões de toneladas transportadas nos primeiros 8 meses de 2024 representam crescimento de 12% em comparação com o mesmo período de 2023.

Mesmo tão jovem, o equipamento conseguiu atrair negócios e se impor como um dos principais portos do Nordeste. De janeiro a julho deste ano, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ele foi o 5º – e 3º multicargas – que mais movimentou na região, apresentando crescimento acima da média dos demais (12,4% contra 2% a 6%).

Para Eduardo Amaral, presidente da Associação das Empresas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Aecipp), o sucesso do terminal está relacionado a um modelo de negócios que une logística eficiente, atração de grandes empresas, política de incentivos e parceria com portos internacionais (ele é ligado ao Porto de Roterdã desde 2018). Tudo isso fortalece a competitividade global. 

Segundo a Associação, o Complexo ajuda a alavancar o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de São Gonçalo do Amarante. Em 2002, a cidade estava na 66ª posição do Ceará, com média de R$2 mil; mas, desde 2017, ocupa o 1ª lugar, com mais de R$175 mil, segundo monitoramento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

102,5 mil
empregos diretos e indiretos são gerados pela movimentação do Porto, conforme a Aecipp.

“Desde sua implantação, o Porto do Pecém tem sido um vetor de crescimento para o Ceará. As empresas associadas à Aecipp respondem por mais de 92% do PIB da região. Além de empregos, o Porto impulsionou a modernização da infraestrutura e atraiu investimentos que impactam diretamente a qualidade de vida da população”, ressalta Amaral. 

Para qualificar o entorno, a entidade ainda promove programas de capacitação profissional, fomenta parcerias educacionais e incentiva projetos de responsabilidade social para melhorar as condições de vida dos habitantes da área.

Potência para o futuro 

O equipamento ainda desponta como um dos principais candidatos à indústria de Hidrogênio Verde (H2V), considerado o “combustível do futuro” para substituir o petróleo e o gás natural. Ele é produzido a partir de energias renováveis, como solar e eólica, das quais o Ceará é abundante.

O Pecém pretende formar a rota de H2V mais curta entre a América do Sul e a Europa. A produção no Complexo pode chegar a 1 milhão de toneladas/ano em 2030, tendo potencial para atender a 25% da demanda de importação de Roterdã.  

O termômetro hoje é bastante positivo, com grandes empresas internacionais já mostrando interesse em estabelecer operações no Pecém. As perspectivas de crescimento são amplas, tanto para o setor energético quanto para o fortalecimento da economia cearense, consolidando o Porto do Pecém como um líder global na produção de hidrogênio verde.
Eduardo Amaral
Presidente da Aecipp

O panorama futuro inclui ainda a construção do berço 5 (espaço para atracação de navios), que será destinado prioritariamente às cargas que chegarão ao Pecém por meio da Ferrovia Transnordestina. A conclusão da linha, ainda em construção no Centro-Sul do Ceará, está prevista para 2027 e pode dobrar a movimentação de cargas.

Segundo Eduardo Amaral, as empresas do Complexo estão “muito otimistas” com esse potencial. O volume de investimentos projetado é de US$ 30 bilhões até 2031, que devem gerar 50 mil empregos diretos e indiretos, contribuindo ainda mais para a qualificação da mão de obra local e o desenvolvimento tecnológico do Estado. 

Partindo desse exemplo, o diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Silva, comemora o crescimento da movimentação dos portos no cenário nacional tanto pelo aumento da demanda como pela desburocratização de processos, o que favorece a continuidade e até a ampliação dos investimentos no setor.

“Mais de 95% do nosso comércio exterior é feito através do setor portuário. É um setor crítico ao Brasil que impacta diretamente no nosso desempenho. Uma ‘saúde’ adequada dos portos significa maior PIB, maior riqueza, mais emprego e consequentemente, um impacto social elevadíssimo”, garante o gestor.