Cordel, casamento e racismo: veja como o Ceará foi citado em questões do Enem 2024

Textos foram analisados nos cadernos de questões de Linguagens e Ciências Humanas

O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe uma série de textos para análises dos participantes nas áreas de Português e Ciências Humanas, além da escrita da Redação. Em meio a 90 questões objetivas, houve menções a diversos textos originados no Ceará.

Um dos cearenses referenciado da prova foi o jornalista, doutor em Comunicação e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gilmar de Carvalho (1949-2021). Nascido em Sobral e exímio pesquisador da poesia popular, ele deixou dezenas de obras sobre cordel e mestres da cultura.

Para a questão do Enem, na prova de Ciências Humanas, a base foi o artigo "Xilogravura: os percursos da criação popular", escrito em 1986 e publicado na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. 

Gilmar ressaltou que, diante da demora de criação das bases tradicionais de impressão das capas de folhetos de cordel (ou clichês, como se diz nas artes gráficas), artesãos começaram a ser requisitados para criar gravuras em madeira. 

Então, o Enem questiona: o que foi renovada, no início do séxulo XX, com a incorporação da xilogravura? Conforme os gabaritos extraoficiais, seria a "estética editorial". Contudo, a resposta não é unânime e é preciso aguardar o gabarito oficial do Inep. 

Por sua contribuição intelectual, em outubro deste ano, Gilmar recebeu o título de Professor Emérito (in memoriam) da UFC. Em 2019, o pesquisador foi indicado para receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade, mas recusou a comenda após a nomeação do reitor Cândido Albuquerque pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Já no bloco de Linguagens, foi citado o site Negrê, primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. Lançado no Ceará, em 2020, ele busca construir “uma comunicação antirracista, negra e nordestina” e tirar da invisibilidade “os nomes de muitas potências, rostos e histórias que passaram por apagamento sociocultural”.

A questão cita um artigo da plataforma narrando que uma youtuber negra fez um experimento para medir o engajamento de postagens digitais entre influenciadores negros e brancos. Ao publicar fotos de modelos brancas, o resultado foi alarmante: o alcance da página aumentou em 6.000%. 

A questão perguntou qual era a intenção de se apresentar o dado estatístico ao fim do texto. A resposta, indicam os gabaritos extraoficiais, está em "comprovar a relação entre o alcance de conteúdos digitais e o viés racial". 

A jornalista e editora-chefe do Negrê, Larissa Carvalho, destacou o reconhecimento do site pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), organizadores do Exame. 

“Ter uma matéria nossa, que foi veiculada em outubro de 2020, em uma prova como o Enem, é resultado de um trabalho feito com compromisso, profissionalismo e muita seriedade. É sinal de que o Negrê tem credibilidade a ponto de ser referenciado em uma das provas mais importantes do país”, defende.

Embora a equipe tenha se sentido feliz e grata, ela lembra que mídias independentes enfrentam dificuldades de sustentabilidade financeira a longo prazo, por isso “merecem longevidade e necessitam de financiamento permanente”.

Romantismo brasileiro

Um dos maiores nomes do Romantismo brasileiro, o escritor José de Alencar (1829-1877) também surgiu como base para uma questão de Linguagens do Enem 2024. A obra selecionada foi “Senhora”, escrita em 1875.

Uma das últimas obras de Alencar, o romance urbano foi publicado como folhetim e monta um painel da vida da burguesia carioca do século XIX, criticando costumes da época como o casamento por interesse e a ambição por ascensão social.

Justamente questionando o casamento, a questão pedia qual concepção de literatura romântica era evidenciada no fragmento do livro escolhido. A maioria dos gabaritos extraoficiais indica a opção que trata da "interferência da riqueza sobre o amor".