Com avanço da pobreza, número de crianças e adolescentes em acolhimentos cresce 5 vezes no Ceará

Mais de 640 meninos e meninas passaram a viver no sistema de acolhimento entre 2020 e 9 de fevereiro deste ano

As múltiplas desigualdades agravadas pelo contexto da pandemia têm refletido diretamente nas vidas de crianças e adolescentes do Ceará: de 2020 até o dia 9 deste mês, 646 deles entraram em unidades de acolhimento no Estado por terem tido direitos violados.

Em 2019, 74 meninos e meninas receberam sentença judicial para permanecerem em instituições de acolhimento, conhecidas como “abrigos”. No ano seguinte, foram 140, número que subiu para 365 em 2021 – quase 5 vezes mais do que no ano pré-pandêmico.

Já em 2022, em pouco mais de 1 mês, foram 67 novos acolhidos nas instituições. Os dados foram obtidos pelo Diário do Nordeste junto à coordenação do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij) do Ministério Público do Ceará (MPCE).

847
crianças e adolescentes estão, hoje, em unidades de acolhimento no Ceará. Do total, 248 estão sob responsabilidade da Justiça em Fortaleza.

A quantidade de crianças e adolescentes que sofrem situações de violação de direitos no Estado, porém, é bem maior, mas nem todos são direcionados a unidades de acolhimento – alguns podem retornar à família de origem em poucos dias.

Considerando o total de meninos e meninas que foram acolhidos pelos Conselhos Tutelares no Ceará por terem sofrido alguma violação, mas não necessariamente permaneceram nos abrigos, o número chegou a 739 registrados em 2021. 

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Subnotificação

Segundo Lucas Azevedo, promotor de Justiça e coordenador do Caopij, “esses números não revelam a real situação, a subnotificação continua existindo, porque muitas vezes a criança ou adolescente não consegue sequer chegar ao sistema protetivo”.

O promotor destaca ainda que o número de acolhidos em nível de Brasil caiu, durante a crise sanitária, “apesar de as situações de vulnerabilidade terem aumentado drasticamente”. Dentre os fatores, estão “a dificuldade de os Conselhos Tutelares atuarem e a perda do principal canal de escuta pras vítimas: a escola”.

O Ceará, contudo, seguiu na contramão. “Aqui, os órgãos públicos tiveram por obrigação de se adaptar ao virtual. O cadastro do Sistema Nacional de Adoção (SNA) passou a ser utilizado de forma mais intensa e melhor na alimentação dos dados”, explica Lucas.

Para Dairton Oliveira, promotor de Justiça e coordenador auxiliar do Caopij, a redução da oferta de serviços socioassistenciais durante o isolamento social tornou o atendimento às famílias insuficiente, multiplicando “ao extremo” o número de crianças e adolescentes vulneráveis.

“A assistência social foi a única que continuou trabalhando sem ser considerada serviço essencial. Trabalhou apenas em regime de plantão, com casos urgentes. Foi pouca gente para fortalecer as famílias, muitas delas que passaram à situação de rua”, avalia.

Neste ano, vamos começar a receber as contas do aumento das vulnerabilidades e da exclusão social. Se o poder público não investir pesado em inclusão social e na criação de postos de trabalho, não conseguiremos reduzir isso.
Dairton Oliveira
Promotor de Justiça

Elizabeth Pinheiro, assistente social e coordenadora da Unidade de Acolhimento Renascer, em Fortaleza, relata que a violação mais comum entre os adolescentes que chegam ao local é a negligência.

"Aqui, eles têm de 12 a 18 anos incompletos. No momento, estamos com 11 meninos, que chegam por vulnerabilidade social, negligência, exploração, violência, opressão, maus tratos ou outros direitos violados", lista.

Para ela, a maior dificuldade durante a pandemia não foi o aumento da demanda, mas a falta de socialização, já que os acolhidos não podiam sair nem receber visitas durante 2020 e 2021.

Como trabalho com adolescentes, é muito difícil eles ficarem presos. Foi desafiador, mas mesmo assim não tive problemas.
Elizabeth Pinheiro
Coord. da Unidade de Acolhimento Renascer

Acelerar adoções

Diante da fila crescente de crianças e adolescentes vivendo em unidades de acolhimento, o MPCE tem fortalecido alternativas à institucionalização desses pequenos, como lista o promotor Lucas Azevedo, ressaltando ainda que “os abrigos têm um limite de capacidade”.

“Existem outras formas de proteger uma criança ou adolescente em situação de risco, o acolhimento é só uma delas. Temos também a possibilidade de inseri-la numa Família Acolhedora ou Programa de Apadrinhamento. Isso acaba sendo uma medida mais benéfica pra ela”, frisa.

Outro projeto nesse sentido, que tem à frente o promotor Dairton Oliveira, é o Minha Cidade, Meu Abrigo, centrado em motivar a adoção legalizada e garantir o acompanhamento constante da situação jurídica dos acolhidos.

“Fortaleza e o Estado começaram também a antecipar a tutela adotiva, que é o adiantamento do processo de adoção”, acrescenta o coordenador auxiliar do Caopij.

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Em 2019, segundo Dairton, 188 meninos e meninas saíram do sistema de acolhimento, seja retornando à família de origem, seja para lar adotivo. Em 2020, foram 221 saídas; e em 2021, 193. Neste ano, até a última quarta (9), só 7 deixaram o sistema.