Ceará é o 2º Estado do Brasil com mais pessoas de outras raças vivendo em terras indígenas

34% dos residentes nessas localidades não se declarou indígena durante as pesquisas do Censo do IBGE

Uma em cada três pessoas que moram em terras indígenas (TIs) com algum processo de demarcação no Ceará não se declara indígena. Segundo constatação do Censo Demográfico 2022, divulgado nesta segunda (7), o Estado é o segundo do Brasil com menores percentuais de indígenas vivendo dentro das Terras Indígenas, atrás apenas do Piauí.

Oficialmente, as terras indígenas consideradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estavam na situação fundiária de declarada, homologada, regularizada ou em processo de aquisição como reserva indígena, em 31 de julho de 2022, data de referência do Censo.

Ao todo, as terras cearenses possuem 16.074 residentes, mas, destes, 5.550 não se consideraram indígenas, de acordo com a seguinte lista:

  • Tapeba (Caucaia): 4.753
  • Tremembé da Barra do Mundaú (Itapipoca): 438
  • Pitaguary (Maracanaú e Pacatuba): 286
  • Lagoa Encantada (Aquiraz): 42
  • Tremembé de Queimadas (Acaraú): 21
  • Taba dos Anacé (Caucaia): 8
  • Córrego João Pereira (Itarema e Acaraú): 2

A terra Tapeba, inclusive, é a 3º do Brasil com maior número de não-indígenas, atrás somente de Fulni-ô, em Pernambuco, com 20.673; e São Marcos, em Roraima, com 7.882.

Em 2003, a Terra Indígena Tremembé Córrego do João Pereira foi a primeira a ser homologada no estado do Ceará. A segunda, dos Tremembés da Barra do Mundaú, só foi oficializada em abril deste ano. As demais terras estão declaradas, ou seja, com direito originário já reconhecido. 

Embora seja um direito desses povos, as terras indígenas enfrentam um longo processo para serem reconhecidas pelo Governo Federal. Por isso, a maior parte dos indígenas do Ceará vive fora de TIs: são 45.829 pessoas, ou 81,3% do total de 56 mil.

Juliana Alves, secretária dos Povos Indígenas do Ceará (Sepin), explica duas situações para a presença de não-indígenas nas aldeias: intimidação ou afinidade. 

"Em algumas, essas pessoas representam ameaças. Muitas vezes, elas desrespeitam o território, fazem negociação da terra com outras pessoas que não são indígenas, justamente pela não demarcação. Já em outros povos, isso se caracteriza de forma muito simbólica e amigável porque elas entenderam o contexto dos povos indígenas e comungam da nossa luta", diferencia.

Conforme Juliana, esse segundo caso se reflete no seu povo, Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz. Por outro lado, Tapebas e Pitaguarys enfrentam conflitos mais graves sobre essa ocupação.

Aumento de moradores

Apenas duas terras cearenses podem ter os dados dos últimos dois Censos comparados, já que o levantamento há 12 anos não considerou as demais terras por estarem no início do processo demarcatório.

O Córrego João Pereira passou de 413 para 621 moradores, estando hoje totalmente regularizado. Já os Pitaguary cresceram de 2.694 para 3.228, aguardando a etapa final de demarcação.

Por propiciarem as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos, as TIs são avaliadas e orientadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Cenário nacional

A análise dos dados segundo as Unidades da Federação revela que os três estados com menores percentuais de indígenas nas Terras Indígenas são Pernambuco, com 61,74% (34.314), o Ceará, com 65,47% (10.524) e o Piauí, com 69,51% (114). 

Os maiores percentuais são encontrados no Rio de Janeiro, onde somente indígenas residem em terras indígenas (100% dos residentes, compreendendo 539 pessoas), seguido do Amapá, com 99,77% (7.853) de indígenas no total de residentes nas terras, e de Sergipe, com 99,40% (329).

A importância dos dados do Censo 2022

Mais do que registrar uma população indígena menos subestimada do que o Censo 2010, os dados do Censo 2022 serão importantes para pleitear melhorias nas políticas públicas. A secretária-executiva do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) e coordenadora da Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará (Amice) Marciane Tapeba avalia que a política indigenista brasileira tem avançado, com a criação de órgãos oficiais, e que os dados do Censo 2022 vão ajudá-las.

Porém, ela cita como um desafio o fato de as pessoas não entenderem o avanço do tamanho da população indígena. "É importante entender todos esses fatores: o fato de o IBGE dialogar com as organizações indígenas e com as comunidades, o fato de a gente ter um cenário favorável, mais confortável para essas populações se autoafirmarem. Precisamos utilizar esses dados de forma qualificada para fortalecer a luta dos povos indígenas do estado do Ceará", afirma.

Para a educação escolar indígena, ela aponta a importância dos dados para a melhoria da estrutura das escolas. "Temos uma educação que começou debaixo de árvores, com professores sem remuneração. Hoje temos um avanço muito importante, temos um número significativo de professores. (...) Temos inclusive um edital de seleção específico para professor indígena. Acho que isso vai fortalecer o diálogo com o governo e vai corroborar ainda mais com essa política que é tão importante. Como as lideranças dizem: é o pilar, onde a gente constrói a luta pela terra, a cultura, o costume."

A professora Naara Tapeba também acredita que as novas informações oficiais concedidas pelo IBGE vão favorecer a melhoria das políticas públicas. Ela afirma que, nos territórios indígenas, já há acesso a políticas públicas de educação e saúde mais fortalecidas.

Por outro lado, cita o caso de uma escola indígena na cidade de Monsenhor Tabosa com estrutura "muito ruim", onde faltam profissionais terceirizados para limpeza, alimentação e vigilância. "Esses dados vão nos ajudar a mostrar que tem essa população e precisa melhorar. Então, a gente acredita que a política pública vai chegar, vai melhorar", diz.

Para Lucas Guerra, coordenador distrital de Saúde Indígena do Ceará, o Censo tem um primeiro papel de dar visibilidade aos povos indígenas. Além disso, o caracteriza como fundamental para as políticas públicas, uma vez que elas usam como base os dados do IBGE.

"Esse Censo foi construído no diálogo com o movimento indígena, respeitando as especificidades, respeitando o direito à consulta, escutando as lideranças indígenas, então acredito que ele já dá um melhor panorama dessa presença dos povos. (...) É muito importante, sim, para a gente qualificar e planejar melhor a atenção da política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas aqui no estado do Ceará", afirma.

As entrevistas foram feitas em evento realizado a segunda-feira (7) pela Superintendência Estadual do IBGE no Ceará (SES/CE) para apresentar os resultados do Censo 2022 para os povos indígenas.