Áreas ambientais: o que a Prefeitura propõe no novo Plano Diretor de Fortaleza e quais os alertas

Na revisão da principal lei que rege o planejamento da Capital, propostas que podem afetar o grau de preservação e proteção das áreas verdes geram preocupação

Fortaleza está no processo de revisão da principal lei municipal que orienta o planejamento urbano da cidade, indicando, por exemplo, como ela deve crescer na próxima década: o chamado Plano Diretor. Nesse momento, está sendo definida a forma que essa norma, que divide a cidade em áreas e norteia a ocupação, terá. O texto que está em produção será transformado em projeto de lei e passará pela Câmara Municipal.

E, diante de demandas históricas relacionadas ao meio ambiente, reforçadas no atual contexto, as demarcações desta lei são cruciais para assegurar maior ou menor preservação e proteção. Assim, o que a Prefeitura tem proposto para as áreas ambientais e quais os pontos de maior atenção? 

O Plano Diretor de Fortaleza está desatualizado desde 2019 e, nesse tempo, em meio à pandemia de Covid, acumulou atrasos na produção. No processo de elaboração da nova lei, o Consórcio Quanta-Gênesis foi contratado pela Prefeitura de Fortaleza para auxiliar na formulação. Desde 2023, a gestão municipal realiza atividades abertas à população para a criação da nova norma. Mas, essa dinâmica não ocorre sem disputas e críticas

No final do segundo semestre de 2023, a Prefeitura disponibilizou publicamente a proposta inicial do Plano Diretor de Fortaleza na Plataforma Virtual da Revisão do Plano Diretor. Mas, o que está esboçado no documento, pondera, poderá sofrer alteração até que o Plano, de fato, se torne lei. Contudo, o que já foi apresentado evidencia os entendimentos da gestão sobre os resultados do processo de revisão da lei e projeta algumas concepções para o futuro planejamento urbano da Capital. 

Na área do meio ambiente, conforme apurado pelo Diário do Nordeste junto ao movimento ambientalista e arquitetos que têm acompanhado o debate do plano, bem como os registros feitos em documentos oficiais na própria plataforma do Plano Diretor, alguns pontos são mais sensíveis e concentram maior alerta na formulação da nova lei. São eles: 

  • A não inclusão de áreas ambientalmente relevantes entre aquelas a serem preservadas;
  • Necessidade de dar mais ênfase à recuperação ambiental de áreas degradadas e à proteção de recursos hídricos;
  • Uma melhor explicação por parte da Prefeitura sobre a suposta ampliação em 7% na área do Macrozoneamento do Ambiente Natural se comparado ao atual plano, pois não há clareza sobre esse aumento na realidade;  
  • A proposta de que zonas ambientais tenham regras de uso e ocupação com parâmetros semelhantes às regras aplicadas à zonas urbanas, o que é um problema;
  • A necessidade de demarcar as nascentes e os olhos d’água
  • A possibilidade de aplicação de Outorga Onerosa do Direito de Construir - que altera índices mediante pagamento do construtor - em áreas da zona ambiental.  

Nesse debate, destacam as fontes ouvidas pelo Diário do Nordeste, é preciso reforçar a importância da preservação das áreas ambientais, principalmente, se considerado o contexto alarmante de mudanças climáticas, e cabe ao Plano Diretor a regulamentação e o zoneamento desses espaços de modo a garantir uma ocupação mais equilibrada da cidade. 

O que é destaque na pauta ambiental de Fortaleza?

Em termos gerais, o Plano Diretor divide a cidade em macrozonas, a partir de elementos como vegetação, mobilidade, características das áreas, infraestrutura e equipamentos públicos, dentre outros. No Plano Diretor de Fortaleza, o território da cidade tem duas macrozonas: 

  • Ocupação urbana e;
  • De proteção ambiental

A Frente Ambiental pelo Plano Diretor Participativo de Fortaleza, grupo que reúne ambientalistas, ativistas e entidades como Greenpeace Fortaleza, Fortaleza Pelas Dunas, Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária da UFC e representantes de comunidades tradicionais, dentre outros, reforça a relevância dos debates e enfatiza que “o ambiente natural degradado afeta o bem estar da população e uma cidade social e economicamente desigual tende a pressionar negativamente o ambiente natural”.

Conforme exposto pela Frente Ambiental, na revisão do plano há uma preocupação de que “áreas que foram destinadas à preservação no Plano Diretor de 2009 e que foram ocupadas, estão sendo tratadas como situações consolidadas, ou seja, a ocupação indevida não foi coibida e essas áreas não serão recuperadas, apontando que, a cada revisão do Plano Diretor, mais parcelas do que deve ser preservado pode ser ocupado impunemente”.

Na proposta inicial disponibilizada publicamente pela Prefeitura, há menção de que Fortaleza terá uma ampliação de 7% na área do Macrozoneamento do Ambiente Natural em comparação com o atual Plano. Mas no processo há questionamentos por parte da sociedade civil sobre como esse cálculo foi feito. 

Para a Frente Ambiental não há uma ampliação: “O plano diretor atual tem duas zonas de restrições ambientais: ZPA (Zona de Preservação Ambiental) e ZRA (Zona de Recuperação Ambiental). O que a prefeitura fez foi incluir a ZRA na ZPA e chamar tudo de ZPR (Zona Ambiental de Preservação), foi uma manobra matemática”. 

Na prática, diz a Frente Ambiental, Fortaleza tem perdido áreas das duas zonas ambientais. “Nós apontamos um potencial de ampliação real de áreas verdes em 20%, tudo baseado em dados científicos. Temos espaço para promover a ampliação da ZPR de fato”, informou a Frente ao Diário do Nordeste

Já a Prefeitura explica que em razão das diferentes características ambientais e tipologias de ocupação, a Macrozona do Ambiente Natural, na atual proposta, está dividida em três zonas: 

  • Zona Ambiental de Preservação (ZPR); 
  • Zona Especial de Comunidades Tradicionais (ZECT); e 
  • Zona Ambiental de Uso Sustentável (ZUS).

Segundo a Prefeitura, o aumento de cerca de 7% dessas áreas verdes ocorre porque “foram incorporadas áreas de preservação antes não demarcadas como o Morro do Ancuri e a Duna do Santiago, na Barra do Ceará”. Mas, completa, “de forma mais consistente as maiores incorporações foram por exemplo dos parques urbanos municipais e de algumas Unidades de Conservação, tal como a APA do Maranguapinho, antes não consideradas nesse macrozoneamento”. 

A Prefeitura ressaltou que “a proposta encontra-se em debate ainda. A ZECT, por exemplo, já trata-se de uma modificação de nova incorporação realizada a partir das discussões públicas resultantes do processo participativo nesse macrozoneamento”.

Regras para construção em áreas ambientais

Outro ponto evidenciado por ambientalistas e ativistas é que a Prefeitura propõe um aumento de Índices de Aproveitamento (quantas vezes é possível construir em metros quadrados acima de um terreno) em áreas que estão enquadradas na macrozona ambiental, ou seja, uma permissão a intensificação do uso do solo em territórios que deveriam ter mais restrições por serem ambientais. 

Nesse caso, a Frente Ambiental pelo Plano Diretor aponta que “não adianta definir uma zona como ambiental e colocar regras de mesmo nível para a zona urbana. Apenas chamar de sustentável não faz uma zona ser sustentável. É preciso definir regras claras de proteção”. 

Na prática, com os novos parâmetros propostos, diz a Frente Ambiental, “em algumas zonas ditas como sustentável, o novo plano diretor estimula o adensamento, a ocupação e afrouxa regras do plano diretor atual”.  

O arquiteto e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), Stelme Girão de Souza, que também acompanha a revisão do Plano, reitera que nesse aspecto há, por parte do poder público, uma sugestão de “aumento alarmante no potencial construtivo da cidade em zonas que deveriam produzir amortecimento”. 

Ele exemplifica que o que tem sido proposto para as Zonas de Uso Sustentável (ZSU) com importantes áreas de interesse ambiental, como o entorno da Lagoa da Parangaba, Lagoa da Messejana, Parque Rachel de Queiroz, Riacho Maceió, dentre outros espaços verdes, é que “teriam o potencial construtivo acrescido em quase cinco vezes, considerando um comparativo entre os dois planos”. 

Stelme pondera que por mais que as ZSU 2 “correspondam atualmente a regiões que já sofreram uma ocupação construtiva considerável, essa mudança drástica nos parâmetros pode facilmente ocasionar um processo de verticalização e adensamento populacional intensivo nessas áreas, o que põe em risco a manutenção do caráter de uso restritivo que deveria ser estimulado pelas zonas de uso sustentável”. 

Já a Prefeitura ressalta que “o aumento do potencial do solo, não objetivamente, consiste na degradação de áreas que de alguma forma já perderam suas feições originais”. Na verdade, afirma a gestão, essa ação pode induzir “soluções ambientalmente mais equilibradas considerando maior permeabilidade do solo e técnicas construtivas mais sustentáveis”.
Mapeamento e proteção das nascentes

No processo há também alerta quanto às nascentes e olhos d’água. A Frente Ambiental indica que a principal demanda “é que seja feito o mapeamento das nascentes, pois sem a localização precisa a proteção vira mera intenção” e não se efetiva quando o plano passar a vigorar. 

 

O arquiteto Stelme Girão de Souza reforça que Fortaleza “ainda não possui um inventário oficial com o mapeamento de suas nascentes”. 

Na elaboração do plano, as contribuições técnicas da sociedade civil, diz ele, destacam “a necessidade da identificação, demarcação e delimitação das áreas de nascentes dos rios, riachos e lagoas como zonas de preservação permanente, além de prever a obrigação da Prefeitura de realizar estudos e planos das nascentes, da situação do lençol freático e da capacidade de carga do solo do município”. 

A arquiteta e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (LEHAB/UFC) e do Observatório das Metrópoles, Sara Rosa, também reforça que as nascentes, pelo Código Florestal devem ser Áreas de Proteção Permanente (APPs) e o Plano Diretor de Fortaleza deveria refletir essa caracterização. “Mas a proposta (da Prefeitura) negligencia isso completamente, suprimindo áreas de preservação permanente e não incorporando as nascente nessas áreas”, aponta. 

Outro ponto, diz ela, é que a preservação de áreas como o Riacho Maceió, o entorno de lagoas e riachos canalizados também foi suprimida na proposição, enquanto deveria estar enquadradas no zoneamento de total restrição de construção que no atual plano são as Zona de Preservação Ambiental (ZPA). 

Outorga Onerosa em áreas ambientais

Outro ponto de destaque é que no caso da Zona Ambiental de Uso Sustentável (ZUS) 2 há sinalização, por parte da proposta da Prefeitura, de aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), que é um mecanismo que flexibiliza parâmetros de construção como o Índice de Aproveitamento, mediante o pagamento do construtor. 

O arquiteto Stelme Girão explica que a sociedade civil tem questionado à Prefeitura sobre “como zonas ambientais poderiam ter índices mais permissivos que o zoneamento urbano”. Ele reforça que diversos técnicos representantes da sociedade civil e assessorias populares presentes têm enfatizado que a Outorga “não deveria ser utilizada em áreas ambientais e de proteção ao patrimônio”. 

A Frente Ambiental também pondera que “quando se institui uma Outorga Onerosa, você estimula um tipo de ocupação, que é aquela que pode pagar pela flexibilização de índices. Entendemos que na macrozona de proteção ambiental não cabe outorga onerosa, os índices devem ser cuidadosamente calculados para proteger esses ambientes”. 

A organização argumenta que “nessas zonas, que são reconhecidamente de sensibilidade ambiental, é preciso se utilizar do princípio da prevenção e da precaução e não permitir que a zona fique vulnerável a um interesse apenas de mercado”. 

A Prefeitura indica que a ZUS 2 “trata-se de uma área consolidada, com presença de infraestrutura urbana e possível área de interesse de produção imobiliária, instalação de atividades econômicas e serviços”. Portanto, defende, “neste caso, a recuperação dos investimentos públicos lá realizados é justificada”.