Apenas 18 das 120 esculturas e monumentos de Fortaleza representam mulheres

O levantamento preliminar da Secultfor aponta que 58 são figuras masculinas

As estátuas e prédios representam a memória e a história de uma cidade. Por meio delas, a população pode conhecer narrativas de épocas passadas e entender a importância de tais figuras e edificações. Em Fortaleza, do total de 120 esculturas e monumentos, apenas 18 representam figuras femininas, de acordo com estudo preliminar da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor).

Esse número, repassado após questionamento do Diário do Nordeste, representa personalidades históricas brasileiras e cearenses, personagens de ficção literária – como Iracema – além de símbolos de grupos – como o Monumento ao Vaqueiro – e homenagens a santos e santas da Igreja Católica.

O número de representações de figuras masculinas é de 58 monumentos, quase metade de todas as estátuas da cidade. As demais são estátuas que não refletem necessariamente figuras masculinas ou femininas, como os leões da praça General Tibúrcio, outras estátuas que têm no Passeio Público.

Para o educador e turismólogo Gerson Linhares, as estátuas e monumentos trazem o “resgate da identidade cultural e histórica do povo”. Além disso, o educador ressalta a importância das representações das estátuas e monumentos para a educação, pois é possível que “eles [o povo] se identifiquem com os personagens históricos daquele lugar e se aprofundem na história”, analisa.

Sobre a discrepância entre o número de estátuas femininas e masculinas, o estudioso destaca que esse cenário é percebido em todo o País e ocorre desde o século passado.

No início das inaugurações das estátuas no País, no início do século passado, os principais homenageados eram vultos da história ligados ao militarismo e a política. No Ceará, as primeiras estátuas foram de militares, como General Sampaio e General Tibúrcio Cavalcante. De um tempo pra cá, temos alguns ensaios de estátuas referentes a figuras femininas, que é muito pouco diante dos grandes vultos femininos que temos na história cearense, como Jovita Feitosa, Luiza Távora...

Gerson pontua que o poder público não deve “fazer estátua só por fazer”, o ideal é que além da escultura haja a construção de um espaço anexo para contar a história dessas figuras e importância histórica e social delas.

Além disso, o educador enfatiza a importância de prestar essas homenagens em locais apropriados e que tenham relação com a trajetória de vida de tais personagens. Ele exemplifica a estátua da revolucionária Bárbara de Alencar que está localizada em uma praça na Avenida Heráclito Graça como algo sem qualquer relação histórica com aquele espaço.

“Você precisa ter o monumento, mas também precisa trabalhar o entorno. Não é só inaugurar um monumento em homenagem a um vulto feminino sem relacioná-la com o espaço e a sua história”.
Gerson Linhares
Educador e turismólogo

Atualmente, por conta das obras de drenagem na via e na praça, a estátua foi removida para restauração e retornará após a conclusão dos trabalhos, de acordo com a Secultfor.

Neste caso, como o especialista propõe, o mais adequado é que a homenagem esteja próxima ao Passeio Público, no Centro de Fortaleza, onde Bárbara de Alencar supostamente teria sido presa.

“Dessa forma, é mais fácil para a população compreender aquele espaço e a representação daquela personalidade”, reforça.

ESTÁTUAS E A VISÃO DA MULHER

Para Karla Cristine Rodrigues, mestra em História Social pela UFC, o maior número de representações de vultos masculinos frente aos femininos, pode fazer com que personalidades femininas importantes caiam no “esquecimento".

Segundo ela, isso faz com que as pessoas pensem que não existiam mulheres importantes no passado e a história de grandes personalidades sejam esquecidas com o passar do tempo.

Se faz necessário trazer a importância das mulheres para a sociedade, seja em figuras do passado ou até mesmo da contemporaneidade, sem deixar que elas caiam no esquecimento. Sem deixar de pensar na razão de conceder esse tipo de homenagem, o local onde será feita e o contexto das estátuas com os espaços da cidade.
Karla Cristine Rodrigues
Mestra em História Social

Gerson acrescenta que o Poder Público, em todos os âmbitos, “desconhece o patrimônio cultural cearense”. Ele critica e diz que as secretarias de cultura e até o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não possuem levantamentos patrimoniais dos monumentos e museus.

Para o educador, a diferença gritante no número de estátuas femininas e masculinas também se explica por isso: pela falta de pesquisa por parte das secretarias.

Além de pensar em representações femininas de figuras do passado, Gerson enfatiza a necessidade de homenagear mulheres que ainda estão vivas, como Maria da Penha, por exemplo.

A reportagem solicitou à Secretaria de Cultura do Estado (Secult) um levantamento com o número de monumentos no Ceará e o detalhamento de quantos são representações de figuras masculinas e de personalidades femininas.

Em resposta à reportagem, a Secult informou apenas “que não realiza a catalogação de estátuas.”

Já a Secretaria de Cultura de Fortaleza possui um estudo preliminar, mas ainda não foi concluído. A reportagem também pediu à Secultfor o detalhamento das representações femininas, como o local onde estão e quais personalidades elas simbolizam, mas a Pasta informou que essas informações ainda estão em análise.

 

*Sob a supervisão da jornalista Karine Zaranza e Dahiana Araújo