Alcançar pontuações elevadas na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, ao se deparar com o resultado, ver esforços serem reconhecidos em realidades, muitas vezes, adversas. Em paralelo, em meio ao cenário da escola pública, projetar um possível ingresso na universidade. No Enem 2023, o Ceará foi o estado do Brasil com a maior participação de alunos da rede pública. Foram 77,2 mil participantes, o que representa 79,8% dos matriculados no 3º ano. Dentre eles, inúmeros candidatos atingiram mais de 900 pontos na redação. Um desempenho que pode ser o diferencial no percurso rumo ao desejado ensino superior.
Naquele 5 de novembro, quando milhares de estudantes se depararam com a tarefa de abordar os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, na redação do Enem, o cearense Antônio Carlos Magno Lopes de Souza, 18 anos, morador de Nova Russas, no Sertão de Crateús, “adorou o tema”. Aluno do turno noturno, da Escola Ensino de Médio e Tempo Integral (EEMTI) Alfredo Gomes, Carlos alcançou 920 pontos na redação.
Ele relata que sempre estudou em escola pública e que, em 2022, devido a dificuldades financeiras enfrentadas pela família, precisou buscar uma ocupação remunerada, tendo que mudar de turno. Como teve uma boa participação na escola em 2021, foi indicado para um estágio no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da própria cidade. Lá trabalhava das 7h às 13h. Por efeito, passou a ser um aluno noturno em pleno período de preparação para o Enem.
Consegui conquistar um estágio para ajudar os meus pais dentro de casa. Precisei mudar para a noite. Lá eu me deparei com muitas dificuldades. Falta de aula de redação. Digamos que o período noturno tem pouca visibilidade na questão do Enem. Até tem conteúdo, mas querendo ou não, por ser aluno do turno noturno, eles (professores) não podiam pegar pesado com a gente com conteúdos.
Carlos conta que sempre gostou da área de linguagem e redação. Para 2023, reforça que “estudou muito. Fazia 3 ou 4 redação por semana” e acrescenta que as professoras de português, Raquel e a Michele, corrigiam e estimulavam. O desejo, relata ele, é de ingressar no curso de Direito ao tentar uma bolsa em uma faculdade particular em Crateús ou Administração em uma instituição na cidade de Ipueiras.
REVISÕES E PRODUÇÕES TEXTUAIS CONSTANTES
Moradora de Estreito dos Martins, distrito localizado na zona rural de Granja, Antônia Marlene Silva dos Santos, 18, concluiu o ensino médio na EEMTI São José, no anexo de Adrianópolis. Em 2023, fez o Enem pela primeira vez.
Durante sua preparação para o Exame, a estudante recorreu a videoaulas e simulados, além de tentar absorver o máximo de conhecimento possível nas aulas da escola e revisar constantemente as matérias. Para a redação, ela manteve um treino constante, fazendo de 3 a 4 textos por semana. Como resultado, alcançou 960 pontos.
Ela conta que escolhia temas aleatórios e atuais que acreditava que poderiam ser cobrados na prova. Ao finalizar, mostrava a produção textual para a professora de redação da escola. “Dessa forma eu teria um conhecimento dos meus erros e conseguiria aperfeiçoar meu nível na redação”, comenta. Sobre o assunto cobrado na prova, ela considera que o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres é uma pauta “muito importante”, uma vez que o assunto é pouco comentado e, assim, passa despercebido pela sociedade.
Através desse tema, eu acredito que (o Enem) proporcionou uma visibilidade muito maior sobre a importância individual e também coletiva do trabalho doméstico e de cuidados realizados predominantemente pelas mulheres. E na sua maioria são mulheres negras.
Além do próprio esforço na prática da redação, Marlene acredita que o hábito da leitura foi importante para a nota alcançada. “Sempre gostei de ler, desde nova”, conta.
Ainda indecisa quanto ao futuro acadêmico, a primeira opção de curso de Marlene é Nutrição. Mas a jovem também pensa em Psicologia. “As minhas expectativas para o Sisu (Sistema de Seleção Unificada) são as melhores. Estou muito confiante e positiva de conseguir uma vaga aí em algum desses cursos”, comenta.
GOSTO PELA LEITURA E PELA ESCRITA
A jovem Maria Eduarda Moura da Silva, de 18 anos, também tirou 960 na redação do Enem. Estudante da Escola Adauto Bezerra, na Capital, ao longo de todo o ensino médio, ela conta que as notas que atingiu nas outras provas “superaram muito” as expectativas e está confiante de que irá ingressar na universidade. No Sisu, cujas inscrições têm início na próxima segunda-feira (22), ela irá pleitear uma vaga no curso de Design de Moda.
Maria Eduarda costumava fazer uma redação a cada três semanas. Com gosto pela leitura e pela escrita, ela diz que as videoaulas que buscou e a estrutura do laboratório de redação da escola foram pontos importantes para a conquista da nota. Além disso, também cita a aula semanal sobre redação e o trabalho que a instituição faz sobre os temas que podem ser utilizados como referência na prova.
Eu sempre fui uma pessoa que gostou muito de ter uma opinião formada sobre tudo que eu via, sobre tudo que eu lia. Então, sempre gostei muito de ler, de escrever. E acho que o incentivo na escola, trazendo vários repertórios importantes e atuais, me incentivou bastante e fez com que eu conseguisse desenvolver muito bem os repertórios.
A estudante destaca a relevância do tema abordado no Exame. Para ela, foi apenas quando o tema virou assunto da prova que muitas pessoas passaram a olhar para ele com “mais atenção”. “Acho que é muito importante trazer à tona uma conscientização das pessoas para essa invisibilidade do trabalho de cuidado”, comenta.