Das 9,1 milhões de pessoas que vivem no Ceará, 6,5 milhões são pretas ou pardas. Em resumo, cerca de 72% dos cearenses carregam o próprio destino na cor da pele – mas, ainda assim, são minoria quando o assunto é acesso a direitos fundamentais e básicos.
Neste 21 de março, Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, listamos 5 dados que expõem alguns dos reflexos da desigualdade racial à população negra cearense.
1- Taxa de analfabetismo é maior entre negros
Entre cearenses com 15 anos ou mais de idade, quase 15% dos pretos ou pardos não sabem ler nem escrever. A taxa entre pessoas brancas é de 10,4%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação, do IBGE.
A taxa de escolarização também é mais baixa entre negros, de 27%, contra a de 30% encontrada entre os cearenses brancos. A desigualdade se evidencia diante dos números de estudantes por raça – 727 mil brancos e quase 1,8 milhão negros.
Para completar, eis os percentuais de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever no Brasil: 47,4% das pretas, 44,5% das pardas, 35% das brancas.
O Enem 2021, aliás, teve o menor número de participantes negros desde 2009, com 52% a menos do que em 2020, segundo levantamento do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). Enquanto isso, aumentou o número de pagantes e de brancos.
2- 7 a cada 10 pessoas em situação de rua em Fortaleza são negras
Moradia deveria ser direito, mas é privilégio, sobretudo com os impactos da pandemia. Em Fortaleza, das 2.653 pessoas alcançadas pelo Censo Geral da População em Situação de Rua de 2021, 71,5% se declararam pretas ou pardas, ante 15,3% de brancas.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Andréa Esmeraldo, psicóloga e pesquisadora sobre população de rua, explicou por que esse cenário reflete, sim, o racismo impregnado na sociedade cearense e brasileira.
“Quando houve essa decisão de interromper a escravização, não houve um processo de inclusão dessas pessoas no setor econômico. Daí o surgimento de moradias precárias e pessoas indo pra rua”, contextualiza.
3- Só 6% dos empregados no Ceará são pretos
O mercado de trabalho cearense era composto, em 2020, por 3,1 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas. Os pretos eram minoria, totalizando cerca de 6% da população analisada.
Pardos representavam 66% dos cearenses ocupados, enquanto brancos correspondiam a 26,6%. Os dados são de estudo do Ipece, com estatísticas da Pnad Contínua entre 2012 e 2020.
Além disso, de acordo com relatório da consultoria iDados, 66,5% dos jovens brasileiros que não estudam nem trabalham são negros.
4- População negra é a mais castigada pela insegurança alimentar
No Ceará, em 2021, quase 3 mil crianças pretas e pardas acompanhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estavam abaixo ou muito abaixo do peso ideal. Somadas a elas, 642 brancas, conforme dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).
Entre os adolescentes, 2.419 negros foram classificados com magreza ou magreza acentuada, na relação entre peso e altura ideais. Junto a eles, 851 brancos amargavam o mesmo problema, que pode, claro, ter múltiplos fatores além do principal, que é a insegurança alimentar.
O número de pessoas acompanhadas pela atenção primária varia entre as cores e raças, mas, em proporção, pretos e pardos predominam.
Em dezembro de 2020, fim do primeiro ano da pandemia de Covid, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar identificou que 24,4% das famílias de pretos e pardos vivenciavam insegurança alimentar moderada ou grave (fome). Entre as brancas, 16,4%.
O estudo foi desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), e mostrou, ainda, que a situação entre os nordestinos e nortistas era pior.
5- Negros têm 7 vezes mais “chances” de morrer em ações policiais
Todos as pessoas mortas em ações policiais em Fortaleza em 2020 e que foram identificadas eram negras. O achado perturbador é de estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, divulgado em 2021.
No Ceará, indica a pesquisa, negros têm 7 vezes mais chances de morrer dos que não negros, em intervenções de agentes da Segurança Pública. Para a Rede, os números mostram que há uma “seletividade racial explícita na hora de a Polícia abordar e disparar para matar”.
O próprio Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela ONU, está ligado a uma história de violência: é lembrado anualmente no dia em que a polícia de Sharpeville, na África do Sul, matou 69 pessoas numa manifestação pacífica contra o apartheid, em 1960.
Mas tudo isso tem mesmo a ver com racismo?
Para muitos, o respaldo para exigir o básico vem justamente dos números. São os dígitos que provam que no Ceará tem, sim, gente negra, derrubando a invisibilidade, como frisa Zelma Madeira, socióloga, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e colunista do Diário do Nordeste.
O que vale não são só os dados: eles servem para iluminar. Não é só constatar que temos desemprego e analfabetismo maiores entre os negros. Há que se ter uma dimensão propositiva. E aí é preciso haver vontade política.
É a psicóloga Andréa Esmeraldo, que já mencionamos neste texto (volte ao item 2), que resume de forma simples e objetiva como a desigualdade racial determina o destino de pessoas pretas e pardas no Brasil.
“O racismo e a falta de oportunidades limitam o acesso das pessoas negras a direitos fundamentais, seja no trabalho, na escola ou até em relações de afetividade. E tudo isso pesa.”