Conheça 4 coletivos artísticos feitos por e para mulheres na cena cultural de Fortaleza

Unindo a força feminina, atrizes, produtoras culturais, musicistas e grafiteiras criam espaços para livre expressão da arte

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Espetáculos do Coletivo Arremate debatem sobre as dores e vivências da figura feminina
Foto: Clica Má

Força é substantivo feminino, assim como união. Quando elas se unem então, o que esperar? É na base dessa potência que mulheres de Fortaleza se reúnem para compor coletivos artísticos. Criado em 2014, o Coletivo Arremate surgiu a partir das dores e inquietações vivenciadas pelas atrizes Mariana Elane, Patrícia Crespí, Elaine Christina e Edla Maia. 

“No primeiro momento, a gente não tinha noção de que estávamos formando um grupo de teatro feminista, isso veio a partir das nossas pesquisas. Queríamos ser um grupo de mulheres falando sobre as questões femininas”, explica Edla. 

Foi durante o curso de Teatro no IFCE (Instituto Federal do Ceará) que tudo começou. Quando Edla estava grávida, durante a aula de uma disciplina, ouviu de um professor que, para ser atriz, uma mulher teria de escolher entre servir ao teatro e ser mãe, o que a marcou profundamente. De acordo com ela, aquilo foi grande motivador para ela realizar esse trabalho. 

A estreia do grupo foi com um texto sobre abuso sexual e, até hoje, realizam espetáculos com forte teor feminista. Além das apresentações, o Coletivo realiza bate-papos ao final de cada peça.

“Deixa eles pensarem que o que estamos fazendo é só teatro, é bem mais que isso. É o compartilhamento de vivências e dores”, diz Edla. 

Embora seja apenas composto por mulheres, a dramaturga afirma que a ausência da figura masculina em cena não compromete o trabalho do Coletivo, já que a proposta delas é de escrever e contracenar os próprios textos. “Por muito tempo, os homens escreveram sobre as mulheres no teatro, é uma ótica muito masculina. Estar nessa posição de contar nossas próprias histórias é muito poderoso. Então priorizamos sempre falar de mulheres, sobre mulheres e para mulheres”, pontua. 

'Somos tão resistentes quanto' 

No paralelo das histórias dessas mulheres, o denominador comum é a falta de espaço. E quando não o há, a solução é criá-lo. Foi o que fez Raquel Santos com o evento de grafite ‘Mais que Rosa’, que chega na terceira edição a partir desta quinta-feira (4). “Quando eu comecei, em 2014, não havia muitas mulheres dando aulas ou participando”. 

Legenda: O evento Mais que Rosa promove a arte urbana do grafite para mulheres em Fortaleza
Foto: Victor Hugo

Grafiteira e amante da arte urbana, a artista aponta que muita coisa mudou de lá para cá, mas ainda enfrenta muitas barreiras e empecilhos. Hoje, segundo Raquel, os festivais estão mais atentos para equiparar o número de participantes, mas ainda há muito desafios e, para isso, surge o evento feito por e para mulheres. 

“Ainda há caras que são do meio que acham que podem ficar ensinado como fazer, que a gente não consegue carregar um galão de tinta ou que a que gente não vai aguentar ficar pintando no sol forte. A gente tem que se colocar como capaz, que é possível, que somos tão resistentes quanto, que sabemos a técnicas. Esse é um dos maiores desafios: mudar a visão que, principalmente, os homens têm a respeito das mulheres e de suas habilidades”, declara. 

Outro preconceito vivido pelas artistas, conforme Raquel, é de que há uma crença que mulheres só pintam flores. “Nossas temáticas perpassam nossas vivências, somos uma potência. Um dos objetivos de fazer só pra mulheres é esse olhar diferente sobre as potencialidades, porque a gente tá mais perto, a gente sabe da variedade que temos pra oferecer”, acrescenta. 

Empoderar mulheres e LGBT's

Do encontro da jornalista Renata Monte com a musicista Luana Caiubi surgiu a Peixe Mulher, uma produtora cultural, feminista e de resistência, em julho de 2019. Antes disso, as duas já realizavam trabalhos juntas e, com o tempo, alguns artistas foram chegando e elas constataram que essa junção poderia funcionar. 

“A gente tem unido essas aptidões ao longo do tempo e entendemos que nosso foco era mais voltado pra artistas mulheres e LGBT’s, então esse é o foco da Peixe Mulher: empoderar esses grupos artísticos, pois sabemos que não são todos que conseguem entrar nesse meio e se firmar”, explica Renata. 

Para a produtora cultural, o descrédito dado ao trabalho de mulheres foi o grande motivador para trabalharem com esses públicos.

“Nos vimos em diversas situações em que o nosso trabalho não era valorizado da mesma forma que o de um homem. Existe uma separação ainda na cena cultural de Fortaleza, em que as mulheres são colocadas numa posição de saber menos que os homens, e não é isso, é a falta de espaço”. 

Renata aponta ainda que esse movimento tem salvado elas duas e que, apesar de promoverem esse enaltecimento feminino, a proposta não é a exclusão masculina. A prioridade da Peixe Mulher é empregabilidade das figuras femininas

Para falar da violência 

Atravessadas pela linguagem teatral, Marcelina Acácio, Ana Cristina Castro e Viviane Alice compartilham com o público a investigação que realizam da violência de gênero com o Coletivo As Filhas da Mãe por meio de performances que debatem o feminicídio, o abandono paternal, a pedofilia e outros traumas vivenciados por inúmeras mulheres diariamente. 

Legenda: Com performances educativas, o Coletivo As Filhas da Mãe fala sobre a violência contra a mulher
Foto: Artifice Filmes

Para Marcelina, o Coletivo, que surgiu em 2019, tem alcançado os objetivos e conquistado espaços aonde esse debate ainda é pouco difundido. “Queremos alcançar jovens, escolas, porque nós acreditamos na formação, na arte como educação e como via de transformação social. Falamos sobre mulheres, mas também para os homens, pois eles precisam nos ouvir”. 

A atriz pontua que não é fácil trabalhar com esse protagonismo feminino, porque isso inclui algumas dores e feridas. “Eu não saberia fazer outra coisa, porque minha urgência é estar nesse lugar, é uma questão de sobrevivência. Precisamos falar sobre isso pra encorajar outras mulheres a falar também. É uma luta que, antes de mais nada, é particular, individual. É nossa”, sentencia Marcelina. 

Grafite

A partir desta quinta-feira (4) inicia a programação da 3ª edição do evento ‘Mais que Rosa’. São ofertadas formações básicas de desenho, estêncil e lambe-lambe. As atividades acontecem virtualmente pela plataforma Google Meet, com tradução simultânea pra Libras. Após as oficinas, acontece um mutirão aberto de arte urbana no domingo (7), no Condomínio Jardim Maraponga. Vão ser disponibilizados materiais para pintura, água, lanches, álcool em gel e máscaras.

 

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