Se 2020 tem sido difícil para quem tem seus direitos básicos assegurados, seja pela iniciativa privada, seja via poder público, para a população das periferias o buraco é ainda mais embaixo. Portanto, eis que todo movimento artístico que surge nessa condição social carrega uma história sobre seguir no sentido do contrafluxo. A trajetória do rapper Nego Gallo, fortalezense da comunidade do Moura Brasil, é um desses caminhos "improváveis" e agora vira episódio da segunda temporada da série documental "Nós no Batente", feita pelo projeto Porto Dragão.
Nesta quarta (16), às 19h30, o episódio vai ao ar no canal do You Tube do projeto. Com 25 minutos de duração, o vídeo dá sequência à série que teve sua estreia, no último dia 9, contando o percurso de mestre Aldenir, tradicional brincante de reisado no Crato (CE). O próximo episódio (de um total de 12), no dia 23 de dezembro, vai trazer a história da Companhia Balé Baião, de Itapipoca (CE).
MC, compositor e produtor musical, Nego Gallo começou a ganhar projeção no cenário artístico local e do Brasil como membro do grupo Costa a Costa, criado em 2005. Não por acaso, o episódio dedica boa parte do tempo à história da banda, e inclui a fala de parceiros como o conterrâneo Don L e o rapper pernambucano Diomedes Chinaski.
"O Costa a Costa tá na casa pra sempre, né? É um grupo importante pra pensar a região do Nordeste, pensar Fortaleza, na questão da representatividade. Sempre vai estar no coração e a gente fica feliz que as pessas tenham sentimento sobre esse momento que a gente viveu", observa Nego Gallo.
Gravado na segunda quinzena do último mês de outubro, o episódio situa Gallo no Moura Brasil e mostra que o rapper desenvolve sua maneira, mais serena e tranquila, de tocar em temas sociais difíceis - diferente do estereótipo do rap, historicamente, em que os MCs bradam suas mensagens de modo mais incisivo.
"Bom, isso tem sido uma conquista. A gente busca levar nossas ideias, dialogar com as pessoas, é uma perspectiva de não ser o dono da verdade, a gente faz parte dela", reflete o rapper.
Durante o episódio, Nego Gallo aparece contando sobre os momentos que, apesar de se envolver com a carreira artística, teve de buscar empregos convencionais para se sustentar. Junto a dependentes químicos, por exemplo, o artista fala que a experiência foi fundamental para humanizá-lo e enxergar a vida com mais humildade.
2020
Ainda finalizando o ciclo de "Veterano" (2019), seu último álbum, Gallo chega ao fim deste ano após tomar um susto quando voltava pra casa no Moura Brasil. Na moto com sua esposa, ele sofreu um acidente de trânsito na última quinta (10), envolvendo uma Mercedes, e chegou a se machucar, foi atendido pelo Hospital Instituto Dr. José Frota - mas se recuperou.
Agora, ele reconhece que a experiência com a pandemia deve, de uma forma ou de outra, trazer algo de "novo" para todos. "2020 foi um ano desafiador, em vários aspectos e sentidos. Tem sido. Então, assim, o momento é pra gente se autoconhecer, perceber os valores que são importantes pra construção de um novo caminho, que precisa ser novo, já que nada vai ser como era antes", observa.
Consciente de que a passagem do ano pede uma revisão de perspectivas, ele sugere que 2021 seja um tempo de novas possibilidades. "Um ano em que a arte e a cultura tenham um papel no diálogo da retomada da nossa vida. E desejo a todos felicidade, prosperidade e muito amor".