Era dia de inauguração em Barbalha. A empresa Cerâmica do Cariri S.A. (Cecasa) abria as portas e atraía os curiosos da região. Na porta, um senhor de pouco mais de 60 anos, visivelmente ébrio, chamava por um dos diretores do novo empreendimento, Eudoro Santana, enquanto soltava alguns palavrões. Avisado por um funcionário, o outro diretor da Cecasa, José Vanderlei Landim, já se preparava para expulsar o "velhinho", quando recebeu o alerta de que estava diante do "famoso Poeta Patativa". Começava ali uma grande amizade.
"Quando cheguei perto já fui dizendo que ele tinha licença poética! Podia chamar nome feio com quem quisesse, até com o governador!", lembra Landim, entre risos. Hoje, aos 77 anos, o juiz do Trabalho, aposentado, divide com a esposa, Dulcilene Lacerda Landim, 75, as memórias de uma convivência que atravessou as décadas de 1970, 1980 e 1990, perdurando até a morte do poeta de Assaré, em 2002.
"Organizamos a festa de 80 anos dele em nosso sítio! Lembro muito dele dançando com as jovens até 5 horas da manhã", afirma Dulcilene. "Tive que colocar Patativa pra dentro de casa mesmo! Ele não acreditava que aquelas moças tão bonitas quisessem dançar com um homem tão mais velho, mas todas elas diziam que era uma honra", rememora a dentista aposentada.
Entre as relíquias guardadas pelo casal como lembrança do poeta, está um livro autografado, "Inspiração Nordestina", além de algumas fotografias do cordelista com a família Landim. Perdeu-se, com o passar do tempo, uma poesia que ele havia feito para Dulcilene por ocasião de um aniversário. A admiração do casal, porém, transcende os aspectos materiais.
Costumo dizer que Patativa é não só poeta, mas verdadeiro profeta no sentido da palavra: aquele que luta pela libertação do seu povo. Foi esse o Patativa que eu conheci, sempre fazendo toda a defesa em favor dos sofridos, humildes", destaca José Vanderlei.
É o caráter do cordelista que o amigo recorda de maneira mais vívida. "Apesar de pobre, ele não aceitava oferta de dinheiro pra fazer poesia defendendo qualquer coisa. Era uma pessoa muito digna, de não se materializar".
Projeção
Quem também percebeu isso logo no primeiro contato foi o radialista Antonio Vicelmo do Nascimento, 77 anos. No início dos anos 1970, desavisado como muitos, o jornalista foi até a Serra de Santana fazer uma "proposta indecente" a Patativa. Na época, ele estava preparando uma série de reportagens sobre a implantação da usina de açúcar no Cariri, e foi provocado pelo diretor do empreendimento a encontrar um cordelista que, por meio da poesia, estimulasse a população a contribuir com o novo projeto.
Vicelmo foi na maior satisfação, achando que faria um grande benefício a Patativa, "um pobre agricultor, morando numa casa de taipa, de chão batido". Mas quando fez a proposta, recebeu resposta contrária ao que esperava. "Ele disse que não podia fazer e que não era por dinheiro, mas sim porque, se ele fizesse, ia desvirtuar sua poesia 'ingém de ferro'. Voltei pra casa decepcionado comigo mesmo. Eu era uma formiguinha debaixo dos pés de um elefante. Se aquele 'pobre lascado' não tinha aceito a proposta, eu, que tinha certa condição social, estava me vendendo ao jornal. A partir daquele momento prometi nunca mais me corromper".
A ocasião não afastaria os dois, pelo contrário. O jornalista encontraria na figura do poeta a de um pai. "Ele gostava de recitar poesia e eu achava bom ouvir", recorda. A família do cordelista, segundo Vicelmo, aponta-o como um dos responsáveis pela projeção que Patativa conquistou. "Eu era o único repórter de TV do interior na época, e, por conta das matérias, ele ganhou uma certa fama. Só depois surgiram as pessoas que lhe deram ajuda", destaca.
Hoje, Vicelmo coleciona mais de 200 fotos que fez do amigo, além de livros doados pessoalmente por Patativa, muitos deles autografados com dedicatória e que estão sob os cuidados do filho e também jornalista, Paulo Ernesto.
Muita gente fala do poeta, mas ele foi sobretudo um homem. Forte, sério, um profeta realmente".
Em datas como o próximo 5 de março, em que Patativa faria 110 anos, só há um jeito de matar a saudade. "Leio um verso dele. Pelo menos ele nos deixou isso", suspira, certo de que as palavras do poeta cumpriram o papel de imortalizá-lo.