Missionária Maria Amélia Leite lança o livro 'Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência'

Organizada pela Secult-CE, pesquisadores e entidades da causa dos povos indígenas, obra reúne relatos de Maria Amélia sobre a experiência que viveu em defesa dos direitos da comunidade Tremembé

Enxergar o Brasil em profundidade passa pela tradição indígena e dos demais povos que levantaram os alicerces - nem sempre tão reconhecidos - da formação do povo brasileiro. No Ceará, o percurso dos índios é também parte desse olhar e se "somos o que somos", como cearenses neste século XXI, a contribuição das aldeias dos Tremembés é um capítulo inevitável. Maria Amélia Leite, hoje aos 90 anos de idade, completados no último dia 24 de setembro, captou essa necessidade de reconhecimento das raízes e, desde a década de 1980, dedicou a vida à "Missão Tremembé", em defesa dos direitos indígenas e de seus territórios.

Para honrar essa história, foi lançado na data de seus 90 anos o livro "Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência". A publicação foi realizada pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult/CE), em parceria com pesquisadores indigenistas e entidades de defesa dos direitos da comunidade indígena no Ceará, a exemplo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado (Fepoince). "Eu tô muito feliz, esse livro foi algo que a gente sonhou e planejou", pontuou Maria Amélia, ao fim do evento de lançamento da obra.

Getúlio Tremembé, diretor da  Escola Indígena Tremembé Maria Venância, em Almofala,  reforça como a publicação era um "sonho grande" de Maria Amélia, e agradece pela "ousadia" do projeto do livro.

"Já era para ter acontecido há muito tempo. É mais um capítulo na história na defesa dos povos indígenas, não só do povo Tremembé. Nós, Tremembés, só temos o que agradecer a toda equipe envolvida", sinalizou.

Segundo o historiador João Paulo Vieira, responsável pela digitalização dos relatos de Maria Amélia, o livro faz um apanhado de uma longa atuação da militante junto ao povo Tremembé, "mais precisamente de Almofala nos anos 1980 e 1990, e posteriormente junto aos Tremembés da Barra do Mundaú, em Itapipoca", detalha. As aldeias ficam localizadas no Litoral Oeste do Ceará.

Toda estrutura da publicação, elaborada de três anos até hoje, foi pensada por Maria Amélia. A primeira parte reúne textos de apresentação, com as narrativas de Diana Tremembé, Fernando Tremembé e o Pajé Luís Caboclo. O secretário de Cultura do Estado, Fabiano Piúba, apresenta o livro. E os pesquisadores João Paulo Vieira, Olga Paiva, Janete Lira, João Alfredo e Rosana Marques assinam o texto coletivo que antecede os relatos da missionária. A Ilustração  da capa é de Maria de Fátima Andrade (Navegante Tremembé) e Maria Ferreira dos Santos (Maria Rosa Tremembé), as fotos são de Felipe Abud e acervos pessoais. Adriana Rodrigues e  João Maropo assinam o design gráfico.

Maria Amélia escreveu o conteúdo do livro em meados da década de 1990 e início dos anos 2000. Os textos narram a experiência vivida entre os Tremembés, com uma forte carga de indignação a respeito de como o direito estabelecido pelo homem moderno não contemplou - justamente - as demandas de preservação das tradições indígenas.

"São recheados de uma perspectiva etnográfica. Ela fala um pouco do que ouviu dos indígenas. E ao mesmo tempo é um testemunho profundo com observações do cotidiano, de território, das relações de poder, de parentesco, de fatos marcantes dessa trajetória", alinha João Paulo.

Fortalecimento

Para Fabiano Piúba, a obra é publicada em um momento de "esvaziamento", por parte do Governo Federal, em relação às políticas de proteção aos povos originários. "Isso aconteceu com a Funai, com os segmentos de demarcações (das terras indígenas). Há décadas que esse processo de demarcação não se consolida. O livro vem no fortalecimento dessa luta. Ele anima, é um sopro de esperança, para reativar o que o Gilberto Gil chamava de 'do-in antropológico', um ponto vital da nossa cultura. As comunidades indígenas também são esses 'do-ins'", reflete o Secretário da Cultura do Estado do Ceará.

Além da fala institucional para validar a publicação, Piúba tem sua memória afetiva relacionada à obra. Também historiador, professor e escritor, o titular da Secult (CE) se recorda de ter feito parte de três viagens aos territórios dos Tremembés ao lado de Maria Amélia, quando integrava o mandato do então deputado estadual João Alfredo (1987-1991).

"Trabalhando com o João, essa pauta dos povos indígenas era muito presente e a Maria Amélia me chamou para o processo de criação da Missão Tremembé. Era muito novo, minino réi. Tive a felicidade de fazer essas viagens, e me impressionou a dedicação dela, ela já aposentada no seu retorno para o  Ceará. Me comovia muito vê-la nisso, numa situação até violenta (de defesa pelos direitos dos índios). A gente andava no meio das veredas, atravessando rio. E foi uma coisa que me inspirou muito", lembra.

OS TREMEMBÉ NO CEARÁ: TRADIÇÃO E RESISTÊNCIA
Maria Amélia Leite
Organização: Pesquisadores indigenistas

Secult
2020, 204 páginas
R$ 30