Música e território são elementos conectados na trajetória do sambista Junior Panthera. Afinal, foi no Poço da Draga, comunidade litorânea de Fortaleza na qual nasceu e foi criado, onde ele começou a descobrir o samba a partir da influência dos pais e, anos depois, enveredou profissionalmente na arte do ritmo tipicamente brasileiro.
Com “54 anos de idade, 30 com a mesma banda e 35 de samba na veia”, o artista desponta como um dos nomes incontornáveis da história do gênero musical em Fortaleza, fortalecendo uma cena robusta na Cidade desde os anos 1980 e celebrando, neste ano, três décadas de trabalho com o grupo Junior Panthera & Banda Brasil.
Musicalidade sempre presente
O início de tudo, para ele, é fácil de apontar: “A musicalidade sempre esteve na minha casa”, atesta em entrevista ao Verso. Da tia Mundinha, cantora de rádio, ao pai que se arriscava no violão e à mãe que entoava versos de canções de Alcione, era o samba, em especial, que despontava.
“Lembro que em 78 a Alcione lançou o disco ‘Alerta Geral’ e eu achava massa, ela tinha um gogó pancada, eu achava muito bacana. Tinha o Chico da Silva, que era como se fosse o Zeca Pagodinho da época. Isso me influenciou muito”, partilha.
O ano em que ouvia e cantava “Alerta Geral” junto da mãe foi o mesmo em que ele se mudou do Poço da Draga com a família para o Dionísio Torres. Eles acabaram retornando à comunidade em 1988, volta essa crucial para que Junior se dedicasse à arte e ao samba de maneira profissional.
Isso porque foi lá onde, em 1989, nasceram Os Magnatas do Samba, primeiro grupo do artista. “Eram moradores da comunidade, rapazes de 16, 17, 18 anos. Naquela época, a Praia de Iracema era muito frequentada, tinham vários bares em que cabia música, voz e violão, um sambinha”, lembra.
Os Magnatas do Samba
À época, a Cidade começava a “dar atenção” para o ritmo, como avalia Junior. “Surgiu o Clube do Samba pelo final dos anos 1980, que era na (rua) Barão de Aracati. Começaram a dar atenção para o samba em Fortaleza, apareceram vários grupos na cidade e nós também fomos atrás de nos apresentar”, contextualiza.
A experiência com o grupo, apesar de positiva, acabou sendo encurtada pelas demandas da vida adulta e terminando em 1993. “Eram jovens da comunidade, então todo mundo cresceu. O pessoal começou a trabalhar, era filho, mulher, aí a gente deu um tempo no samba”, lembra.
Para Junior, porém, a separação da música foi rápida. No ano seguinte, ele se tornou pai e viu o caminho como possível para dar conta das novas demandas familiares: “O negócio estava complicado para mim, emprego estava difícil, então montei o Samba Brasil, começaram a aparecer oportunidades e deu certo”.
É este o grupo que celebra 30 anos em 2024. Com mudanças pontuais de membros e rebatizado de Banda Brasil, o conjunto é formado atualmente por Junior (voz e pandeiro), Cimar (bateria), Pasconith Franklin (surdo e backing vocal), Natanael Coelho (backing vocal, tantan e percussão geral), Claudinho (cavaco e voz), Jerrí Façanha (violão e backing) e Jamil (contrabaixo).
“Agoniza, mas não morre”
Na conversa com o Verso, Junior evoca o sambista carioca Nelson Sargento (1924-2021), que afirmou nos anos 1970 que “samba agoniza, mas não morre”. A fala ecoa a permanência da atuação do artista e da banda ao longo das últimas três décadas.
Dos barzinhos, local comum para o grupo no início, os palcos principais citados pelo artista são, hoje, as festas particulares e os equipamentos públicos da Prefeitura e do Governo. A agenda de novembro, inclusive, inclui shows no Complexo Ambiental e Gastronômico da Sabiaguaba (dia 3) e na Estação das Artes (dia 29).
Dependendo das possibilidades de cada contrato, a formação do grupo varia. O repertório, também, é outro elemento que se adapta a cada apresentação, dependendo do público. Apesar de maleável, Junior se filia mais fortemente à tradição do gênero.
“Sempre tive comigo o samba raiz, tradicional: Martinho da Vila, Alcione, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Fundo de Quintal, mas não descartando o trabalho, por exemplo, do Belo”
Questionado sobre qual a principal fonte profissional do grupo, o artista aponta que há membros que atuam em outras áreas, da vigilância à educação social, mas que, para ele, é a música.
“O que não pode é deixar de ganhar, afinal de contas nós não somos ricos, precisamos da música e do dinheiro da música — que não é muito, mas nos serve”, atesta.
Samba em coletivo
Com tamanha trajetória anterior dedicada ao samba, Junior destaca com orgulho o cenário atual da música na Cidade e no Estado — panorama que, de certa forma, ajudou a construir.
“Tem muito músico aqui em Fortaleza — muito músico bom — que começou na minha casa”, ressalta, citando nomes que vão do jovem violonista Pedro Ernesto à cavaquinista Sâmya Kássia, do grupo Essas Mulheres.
“Essa nova geração, graças a Deus, eu consegui... Não é nem influenciar. Eles iam lá pra casa, pegavam meu som, botavam no quintal e eu deixava eles ensaiarem”, rememora. “Hoje, todos tem seu trabalho com música, em bandas, trabalhos solos... A gente vai meio que abrindo portas para as pessoas que querem, né? Afinal de contas, tão bom o samba (risos)”, orgulha-se o artista.
Além do quintal de casa, Junior também promove e incentiva a cena de outras maneiras — e sempre voltando à comunidade de nascença. Afinal, o grupo costuma se apresentar no Pavilhão Atlântico do Poço da Draga e ele chegou a promover um grande encontro entre sambistas do Ceará no local.
Ao longo do ano passado, o espaço comunitário acolheu apresentações mensais de artistas de vários bairros, numa relação de mútuo ganho entre o território e o samba.
“A gente convidava a galera do samba em geral, vinha gente de todo canto da Cidade: Mucuripe, (comunidade) Castelo (Encantado), Antônio Bezerra, Messejana, Pirambu… Hoje já se frequenta mais os sambas uns dos outros, se troca ideia”
Atualmente, o espaço do Pavilhão e os arredores estão em reforma, mas há planos de retomar a agenda assim que for possível. “Vamos fazer o reencontro. Tá todo mundo avisado: depois da reforma, vamos fazer”, garante.
“A gente recebe as pessoas que vão passando, a galera da comunidade vê o nosso trabalho, a gente faz um bingo que ajuda a pagar o som… A comunidade vem, dá o maior valor. É música, é feijoada. É uma festa”, define.
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- Instagram: @juniorpantheraproducoes