Ao falar sobre o artista plástico Maciej Babinski, a curadora e amiga Dodora Guimarães é enfática: “A sua vida está a pedir um bom diretor de cinema. O roteiro está pronto. E é de carne e osso”. Por isso mesmo, neste 20 de abril, em que o polonês radicado no Ceará há três décadas completa 90 anos, a Fundação Edson Queiroz dá o primeiro passo em direção à homenagem proposta por Dodora, com a disponibilização de um vídeo-documentário em celebração à história do aniversariante.
O produto audiovisual será exibido logo mais, às 19h30, pelas redes sociais da Universidade de Fortaleza e também pela TV Unifor. Além de imagens do próprio Babinski e da companheira Lidia, gravadas no sítio Exu, em Várzea Alegre, será possível conferir inúmeros depoimentos de amigos, familiares e parceiros de trabalho de Maciej.
A programação, como explica a gestora do Espaço Cultural Unifor, Adriana Helena Santos Moreira, é uma das ações previstas neste ano em que a Fundação completa cinco décadas de existência.
Conversamos com muitas pessoas desse círculo de amigos que ele foi tecendo ao longo da vida – Drauzio Varella, Emanuel Araújo, Aracy Amaral, Paulo Portella, Stênio Burgos. Vamos mostrar quem é ele e essa rede de relações, afetos, ao longo desses 30 anos no Ceará e quase 70 de Brasil”, pontua.
Também responsável pelo acervo de obras de artes da Fundação Edson Queiroz, Adriana lembra que um quadro de Babinski está entre os “50 duetos” da coleção selecionados pela curadora Denise Mattar para a exposição mais recente da casa. O óleo sobre tela "Esperando Godot" (2000) dialoga com uma obra de Rubens Gerchman, o que Denise associou a “um dueto de nossa gente”.
O próprio Maciej reconhece o trabalho da curadora, em entrevista ao Diário do Nordeste. “A Denise Mattar escolheu muito bem o Gerchman para dialogar comigo. E se tivesse outra opção, eu iria escolher o grande Iberê Camargo, gauchão, grandão, mas eu fico muito satisfeito com aquilo que ela escolheu pra mim. O Rubens eu conheci, foi contemporâneo meu, um artista que admiro e até hoje tenho interesse no trabalho dele”, diz.
Reconhecimento da trajetória
Tanto o vídeo a ser lançado hoje como a exposição já em cartaz reverenciam o trabalho de um artista que, observa Dodora, “reconhece o valor do povo, da natureza e da cultura cearense na sua vida e obra”. A curadora defende que cabe aos demais artistas, trabalhadores da cultura ou amantes da arte a chance de tê-lo próximo, de aprender com ele, de aproveitar de sua experiência.
A energia que ele esbanja vem do combustível da arte, matéria explosiva na sua mente. Os artistas de sua estirpe não param, não desligam. Quanto maior o desafio, maior o investimento, a entrega”, partilha Dodora.
A curadora é uma das que falará no vídeo-homenagem pelos 90 anos do artista. A seguir, elencamos uma síntese dos depoimentos dela e dos demais amigos de Maciej.
Babinski por Dodora Guimarães
Conheci Babinski pelas mãos do crítico Casimiro Xavier de Mendonça, que me apresentou às suas aquarelas, com a recomendação de que eram delicadas “óperas” de um mestre. Isso no início dos anos 80. Uma legião de amigos fazia coro às palavras do Casi. Mais tarde conheci suas gravuras – joias raras da referendada gravura brasileira – e que o colocam próximo a seus ídolos universais, “as colunas” da sua gravura: Rembrandt, Goya, Piranesi.
Maciej Antani Babinski, nascido em Varsóvia, em 1931, atravessou revoluções, guerras, as grandes transformações do século XX, e do alto de seus 90 anos completados neste 20 de abril de 2021 difícil, ele nos surpreende pela inteireza do homem, do cidadão, do artista culto e consciente da liberdade que continua sendo a sua maior companheira, musa e estrela-guia. Essa corajosa mulher que ao lado de outra mulher, a brava sertaneja Lidia Babinski, sua esposa, ela – dona LIBERDADE, é a responsável pelo brilho dos olhos de “seu Matias, o polonês de Várzea Alegre”.
Babinski é um prosista da melhor qualidade. Ele tem uma memória fabulosa, sendo capaz de narrar a sua vida desde quando morava na Polônia, de onde saiu aos 9 anos. É um fenômeno. A CORAGEM é o que mais eu admiro nele. A coragem como traço de seu caráter. Coragem de se declarar FEMINISTA, por exemplo, e dizer: por que é contra todas as lutas pelo poder. Escrevendo isso agora, telefonei a ele pra saber se ele continua firme na ideia. Surpreso, ele disse-me: ‘EU SUSTENTO ISSO. Pode parecer difícil ouvir tal afirmação de um artista da minha idade. Mas, faz parte da minha postura, da minha cultura. Toda a violência contra a mulher é a não aceitação do poder universal do feminino.’ Aproveitando o calor da hora, confessa que o seu feminismo hoje está concentrado numa pessoa especificamente: Lidia Babinski.
Babinski por Emanuel Araújo*
Memorável data, memorável idade. Conheci o artista Babinski quando aconteceu a exposição “O Ceará de Babinski – Um imaginário incandescente”, no Museu Afro Brasil, com a sensível curadoria de Dodora Guimarães. Ali, aparecia um artista por inteiro, realizando com as linguagens da pintura, da gravura e do desenho uma simbiose de grande valor, tanto pela temática das paisagens como pela figuração de forte conteúdo dramático.
Me chamou atenção a cor como contraponto dos seres fantásticos que povoam o seu universo, esculpidos ora por linhas, ora por massa pictórica. Personagens soturnos e noturnos na infinita procura da libertação trágica da vida.
O Babinski dos anos 1980 trazia na sua obra uma sólida visão de mundo. No Ceará da luz cruzada do Atlântico, esta obra se expandiu, com os claros e escuros vibrando a um só tempo. Nesse estranho ano de 2021, sua obra deve mais do que nunca refletir os tempos severos de hoje. Rompendo este agora, seus amigos se movimentam para celebrar, como ele bem merece, seus noventa anos de vida plena.
*Artista plástico e diretor-curador do Museu Afro Brasil
Babinski por Augusto Livio Malzoni*
Conheci Maciej Babinski em 1970, em São Paulo, na sua exposição na galeria Collectio. No ano seguinte, fui seu aluno no ateliê de gravuras que ele comandava na Escola Brasil. Desde logo desenvolvemos uma amizade que dura até hoje.
Entre as melhores lembranças dele, destaco a experiência narrada com a sabedoria de quem viveu a verdadeira aventura no tempo e no espaço: desde antes da segunda guerra até hoje. Desde a Polônia: França, Inglaterra, Canadá e depois o Brasil. Desde Rio de Janeiro: São Paulo, Ilhabela Brasilia, Uberlandia e Ceará.
O que mais admiro nele é o exemplo maravilhoso de artista, professor, cidadão e amigo. Que continue forte firme GRANDE ARTISTA independente e profundo. O ser humano campeão Olímpico recordista de venturas e desventuras.
*Artista, arquiteto e colecionador
Babinski por Evandro Carlos Jardim*
Conheci Babinski nos anos 1960, quando ele veio morar em São Paulo. Nesta ocasião (foto), estava conversando com ele de um trabalho do qual participava de uma experiência de ensino renovado chamado serviço pelos Ginásios Vocacionais do Estado de São Paulo, coordenado por Maria Nilde Mascellani.
Um projeto que incluía áreas de artes e suas práticas como disciplinas a serem consideradas. Babinski se interessou e passou a participar, juntamente com a equipe que trabalhava com as artes plásticas. Passamos a trabalhar juntos nesse projeto até a extinção em 1969.
Um abraço pelo seu aniversário com os nossos melhores votos.
*Gravador, desenhista e pintor
Serviço
90 anos de Babinski
Live às 19h30 nas redes sociais da Unifor (Instagram e Facebook) e na TV Unifor (canais 14 da Multiplay e 181 da NET e YouTube).