Exposição inédita reúne videoinstalações da cineasta Chantal Akerman

Em cartaz no Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro, a mostra demonstra a força artística da diretora belga, falecida em 2015

Desde o surgimento e consequente afirmação enquanto linguagem artística, no fim do século XIX, o cinema tem se ressignificado a partir da ótica de diferentes realizadores. Tomemos, como exemplo, o trabalho de Chantal Akerman. Da lente atenta da cineasta belga, a sétima arte incorporou aspectos que revolucionaram a gramática do filmar, como os precisos enquadramentos e uma singular maneira de retratar o cotidiano e o feminino, com destaque ao recorte subjetivo que atribuiu a cada uma das obras que assinou.

"Acredito que ela inaugurou várias coisas novas no cinema, principalmente ao abrir caminhos para o olhar feminino na tela. Dar destaque a isso é importante no contexto de mundo em que estamos vivendo", afirma Beto Amaral, idealizador, coordenador artístico e produtor da exposição dedicada à artista, intitulada "Chantal Akerman - Tempo Expandido", em cartaz no Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro, até 27 de janeiro de 2019.

A mostra é a primeira realizada no mundo após o falecimento da diretora, em 2015, e é composta de quatro videoinstalações, ocupando três andares do espaço. Deixando sobressair as estéticas que atravessaram a mente criativa de Chantal, as produções apresentam, tanto ao cinéfilo veterano quanto ao recém-iniciado no estudo da arte, a grandeza do ofício da realizadora.

O desejo de trazer a público as criações da artista nasceu da vontade de Beto Amaral de contemplar perspectivas femininas de atuação no cinema, seu principal objeto de estudo. Para isso, desde 2014 ele começou a conversar com a própria cineasta por e-mail e Skype, alavancando impressões dela a respeito de como gostaria que a mostra viesse à tona. "Ela era muito decidida sobre o que queria. Uma das exigências era que a curadora da exposição fosse uma mulher", revela o produtor.

Dito e feito. A convidada por Beto para assumir o posto foi Evangelina Seiler que, em parceria com Claire Atherton - editora que trabalhou durante 30 anos com Chantal - primou por uma seleção de trabalhos cujo ponto de partida bebe da mesma inspiração de todas as produções da belga: um criterioso tratamento com o tempo e a subjetividade.

"Quando vamos ao cinema, costumamos dizer que o filme foi tão bom que acabou logo. Para Chantal, se alguém comentasse isso após assistir a um filme dela, ela não gostava, porque achava que havia roubado o tempo do espectador. Ficava feliz se dissessem, por exemplo: 'Puxa, eu aproveitei essas duas horas de filme'", conta a curadora.

"Essa expansão do tempo é algo muito presente no trabalho que desenvolveu e daí vem o nome da exposição. Foi como percebi esse tempo dela, expandido como se ao longo do próprio tempo, compondo uma experiência individual, visualmente e sinteticamente", complementa.

Detalhes

A partir desses pressupostos, Angelina fez uma visita guiada na última segunda-feira (26), durante a abertura da mostra - que contou ainda com a presença da irmã de Chantal, Sylviane Akerman. Em sua fala, a experimentação, paixão pela imagem e alcance das temáticas ganharam novo fôlego, justificando o respeito conquistado por Chantal.

O relevo dos aspectos também se traduziu no conceito buscado em cada andar. Ao iniciar a travessia pelo percurso da diretora, o visitante logo se depara com duas videoinstalações juntas: "Tombée de Nuit Sur Shangai", de 2009, e "La Chambre", de 2012, expostas pela primeira vez num mesmo ambiente; um lance de escadas adiante, "Maniac Summer" (2009), em um recinto, e "My Mother Laughs, Prelude" (2012) em outro, conferem uma aura ainda mais intimista ao recorte já estabelecido. A caminhada finaliza com "In the Mirror" (2007), trabalho cuja ênfase reside em reflexos.

"Mais do que explicar o mundo, Chantal tinha uma preocupação em entendê-lo. Através de suas obras, ela nos dá muito através do simples, capturando tudo aquilo que fosse interessante. Não existia um caminho em si para retratar as coisas: era o que ela sentia. Isso faz com que compartilhemos as mesmas impressões do que está sendo mostrado. É formidável", considera Claire Atherton.

Ainda que nada esteja confirmado, a Oi Futuro pretende fazer com que a mostra circule pelo Brasil e o mundo, abrindo horizontes para que novos públicos se conectem ao ofício particular de uma artesã do tempo na tela.

 

* O jornalista viajou a convite da Oi Futuro