Exposição 'Bestiário Nordestino' chega a Juazeiro do Norte

A partir desta sexta (4), até 17 de fevereiro, a mostra acontece no Centro Cultural Banco do Nordeste. A exposição apresenta o imaginário popular, inspirado na oralidade, na mitologia e nas narrativas contemporâneas

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A Besta da terra, A mulher que virou cachorra, O bicho de sete cabeças, O peixe com asa. Essas são algumas das obras que estarão, a partir de hoje (4), na exposição "Bestiário Nordestino", que depois de 53 dias em cartaz na Fundação Nacional de Artes, em São Paulo, desembarca em Juazeiro do Norte, onde parte do trabalho foi "construído". A mostra - inédita no País - traz o imaginário popular nordestino inspirado na oralidade, na mitologia, nas narrativas contemporâneas, por meio das criaturas fantásticas talhadas na madeira.

Até o dia 17 de fevereiro, 40 obras de 23 artistas diferentes estarão expostas no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). Idealizado pelo chargista, ilustrador e cartunista Rafael Limaverde, "Bestiário Nordestino" reúne peças de ilustradores e xilógrafos de diferentes lugares, como Abraão Batista, Stênio Diniz, Nilo (Juazeiro do Norte-CE), José Costa Leite (Condado-PB), Sebastião de Paula, Francisco de Almeida, Carlus Campos (Fortaleza-CE), Maurício Castro e Lourenço Gouveia (Recife-PE), J. Borges (Bezerros-PE), Carlos Henrique, Guto Bitu e Adriano Brito (Crato-CE).

A pesquisa começou em 2015, quando Limaverde, por curiosidade, iniciou uma investigação sobre xilógrafos que trabalhavam com a temática dos "seres fantásticos", como ele mesmo descreve. Depois de perceber um vasto material, sobretudo, ilustrando capas de cordéis, o artista convidou o grafiteiro e produtor Marquinhos Abu para integrar o projeto. Os dois pegaram a estrada por 15 dias para coletar as obras.

"Minha família é do Crato. Já tenho um trânsito do Cariri. Já conhecia as obras do Nilo, das assombrações do Cariri, do Abraão, do Carlos Henrique. Aí fui pesquisando, entrando em contato. No Cariri foi um pouco mais fácil", conta Limaverde. Paralelo a isso, entrou em contato, por meio da internet, com outros xilógrafos nordestinos que já admirava e conheceu outros artistas mais jovens.

"Vários deles têm uma relação com o cordel. Abraão é cordelista. Muitas vezes, dentro dessa linha que a gente pesquisa, a gente percebeu que perpassa muito por esse imaginário que assimilaram dos cordéis, dragões, assombrações, história de trancoso. Um fio condutor", percebe Limaverde. Alguns destas relações com a "literatura fantástica", vêm das histórias que escutavam ou liam para dar capa aos cordéis.

O lobisomem como herança europeia. Os dragões medievais. A cultura árabe trazida pelos portugueses. A própria figura do careta, presente no reisado, como uma expressão religiosa da Idade Média. Isso tudo junto à cultura indígena e negra. As lendas e mitologias presentes nas ilustrações dão até uma ideia da sua origem, mas as referências são várias. "Isso também se reproduz através do cancioneiro, aqui nos próprios violeiros", explica Rafael.

No caso dos ilustradores mais jovens, como o próprio idealizador, eles já apresentam influências mais contemporâneas como o quadrinho, filmes. "No meu caso são vários. A televisão foi muito forte, os desenhos, os filmes de terror. Também os cordéis. Tanto a temática como a técnica", justifica Limaverde. Uma das obras, "Padim Ioda", de Lourenço Gouveia, de Recife, por exemplo, mistura o Padre Cícero com o personagem da franquia de "Star Wars".

Com a coleta do material, a dupla realizou a primeira exposição, em 2016, na Temporada de Arte Cearense, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. No entanto, a ideia é que a pesquisa se estenda para outras linguagens, como um documentário em audiovisual, que está sendo produzido, e um livro-catálogo, já lançado. "Não tem como fechar na gravura. O homem sertanejo é instigado por muitas histórias, não só oral. As carrancas, o cordel, os caretas. Pesquisando, começa e encontrar muitas referências deste 'fantástico'. Basta ir ao (Centro de Cultura Popular) Mestre Noza para ver que estão toda hora inspirados", completa Limaverde.

Exorcismo

Há quase nove anos, Stênio Diniz, 65, um dos principais xilógrafos de Juazeiro do Norte, produziu "O Exorcismo", que narra o Padre Cícero travando uma batalha com a "besta-fera", como classifica o artista, trazendo uma mala de dinheiro. "Eu fiz para um cordel. A "besta-fera", que traz o dinheiro está em todos os âmbitos, político, social. O Padre Cícero vem exorcizando", descreve o ilustrador.

De suas mãos, ele acredita que produziu pouco do universo "fantástico". "É mais por período", justifica. Alguns dos seus trabalhos, por exemplo, foram criados em 1974, como o "Dragão da maldade". "Não houve uma constante nesse tema", completa. Por outro lado, para dar vida à ilustração, Stênio acredita o papel do poeta é fundamental. "A inspiração significa o sentimento do momento quando entra em contato com aquela história. Você lê a história e se transporta. Visualiza. Aí tenta colocar na capa a mensagem que está escrita. Você é apenas um representante", conta. Neto de José Bernardo da Silva, proprietário da Tipografia São Francisco, hoje, Lira Nordestina, o xilógrafo iniciou sua trajetória aos 15 anos inspirado no Mestre Noza e Walderêdo Gonçalves. Seus trabalhos já foram expostos no Brasil e no exterior.

Serviço
Exposição "Bestiário Nordestino"

Abertura nesta sexta (4), às 18h. Prossegue até 17/02. De terça-feira a sábado, das 13h às 21h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) (Rua São Pedro, 337, Juazeiro do Norte). Acesso gratuito.