Um cearense cravou o nome na história do MasterChef Brasil. Leonardo Giglio, de 32 anos, emocionou a 10ª edição do popular concurso gastronômico da BandTV. A trajetória diz por si: optou por deixar o emprego e arriscar, após seis tentativas, uma vaga na competição. Lá, cozinhou iguarias nordestinas. Ganhou o público com carisma e um afiado "cearensês" na ponta da língua.
Natural de Quixeramobim (cerca de 200 km da Capital), Leonardo deixou a competição na última terça-feira (25). E foi disputa acirrada na cozinha, resolvida apenas nos detalhes. Saiu sob palmas e até lágrimas do exigente chef Érick Jacquin.
Fez sarrabulho, pirão, peixe à delícia e um baião de dois que causou burburinho. Nos relatos de quem acompanha o jogo, a despedida foi considerada uma das mais comoventes da atração.
Dias após concluir o feito em rede nacional, o primeiro cearense a disputar o MasterChef falou dos bastidores da jornada, polêmicas e os próximos sonhos e sabores na carreira. "Faltou fazer um pratinho", nos conta.
O "cara do baião com shoyu"
Entre as temporadas do Master Chef, a 10ª edição chegou com ares de festa. Com Erick Jacquin, Helena Rizzo e o reforço do chef Rodrigo Oliveira, proprietário do restaurante Mocotó, o televisivo apresentado por Ana Paula Padrão é considerado especial pelos organizadores e coroa os anos de versão brasileira do reality show.
O Ceará marcou presença ao longo da competição. Em 2017, o chefe Francisco Pinheiro, nascido em Solonópole (278 km de Fortaleza) foi finalista do MasterChef Profissionais. Neste ano, o estado foi representado por Rafaella Albuquerque (34), que saiu na fase eliminatória, e Leonardo Giglio.
Leo, como foi chamado carinhosamente, pediu as contas de um trabalho como advogado e mergulhou de cabeça no sonho de vencer o MasterChef Brasil. Desembarcou de mala e cuia na concorrida cozinha e mostrou o amor pela gastronomia e, principalmente, o tempero nordestino.
Em uma seletiva anterior que fiquei pelo caminho, senti que errei. Era para fazer alguma coisa com frango, daí fiz um prato clássico, com frango confitado, muito bonito. Vi ali que não passei pois não tinha levado o Leo. E disse para mim que se tivesse outra oportunidade levaria uma bandeira: defender a cearensidade, a regionalidade, nossa comida. Busquei fazer isso em todos os pratos dessa vez".
Também produtor rural, a vivência na fazenda lhe deu o contato com ingredientes naturais e a essência da cozinha regional. Ganhou a esperada vaga com o dadinho de tapioca. Passo a passo foi conquistando o público. Teve "carão" dos jurados, como ele gosta de dizer, mas inúmeros elogios vieram em seguida.
Em meio aos desafios do programa fez questão de enaltecer as raízes. Nas telas dos brasileiros, desfiou pratos bem conhecidos entre os conterrâneos. Teve sabor de sarrabulho, pirão e o prato que lhe rendeu vitória e um pin dourado: foi um peixe à delícia, feito com um molho hollandaise que conquistou o paladar de Jacquin.
E teve o controverso baião com shoyu. Para quem é de fora, explica, a iguaria pode aparentar ser uma comida "diferente" ou "pesada"'. Leo explica que, pela proximidade diária com a receita, estava na chamada zona de conforto. Por ser um reality show, a preparação inusitada chamou atenção, e a pergunta na "lata" para Jacquin - "O senhor vai querer ensinar um cearense a fazer baião?" - deu o plus na polêmica.
"Mas eu entendi o recado deles. Realmente mudei e tomei aquilo para nossa vida. Não podemos trabalhar no conforto, meio acomodados, temos que saber ouvir. Tirei de lição que isso é algo muito bom", descreve.
No último episódio, os participantes foram desafiados a criar um prato que harmonizasse com café. Leonardo ousou ao preparar o tiramisú, uma sobremesa considerada tradicional e bastante minuciosa. Mesmo com a confeitaria longe de ser a área favorita da cozinha, o prato ganhou elogios dos chefs. Foi por muito pouco.
"É o que, mah?"
Durante a entrevista, Leonardo destacou o apoio da esposa Vilma Mota. "Ela abraçou a causa, resolveu sonhar junto comigo. Pedi demissão mesmo sem saber que iria entrar no programa". Longe de romantizar a derrota, o cearense diz ter ficado triste, mas muito feliz pela jornada.
No termômetro das redes sociais, é fácil perceber quanto Leo venceu no quesito carisma. Um dos atrativos na participação foram as frases e termos que englobam o chamado "cearensês".
A partir do vocabulário típico da Terrinha, o competidor trouxe aromas de bom humor. E tome ter que explicar ao público o significado de "môco", "rebolar no mato", "arrodear". Até a famosa vaia do Ceará fez parte do repertório. "Muita gente tem o cearense como uma caricatura. Decidi por não ser aquele cearense caricato, não serei personagem. Sou desse jeito na vida. Tem que ser sempre assim", compartilha.
A correria na semana da eliminação foi daquelas. Entrevistas, gravações, toda uma agenda a cumprir. Falar acerca de futuro na carreira gastronômica ainda é cedo. Por parte do público, vem sempre a pergunta de quando Leonardo vai inaugurar o próprio negócio.
"Restaurante é sacerdócio. Não sei se estou disposto a encarar esse sacerdócio hoje. Quando você parte para ter seu negócio, a última coisa que você vai fazer é cozinhar. Você tem que gerir. A depender do formato, de ter um parceiro, montar um cardápio... Acho que pode ser, sim. Temos que analisar", reflete.
A participação no Master Chef fez o cearense descobrir o lado comunicador que não conhecia. A experiência diante das câmeras foi outro fator positivo nessa trajetória. "Tem gente me falando dessa vertente. Pode ser um caminho legal. Acho que levar nossa cultura para o povo seria uma coisa massa. Unir comida e comunicação, me interesso. Vamos ver", responde.
Ao consolidar uma participação elogiada, na qual defendeu os sabores de sua região, Leonardo se permitiu dividir um sonho corajoso. Desfilou pratos que guardam história e bem-querer entre os cearenses. E faltou fazer algum prato no MasterChef? A resposta é imediata.
"Nunca imaginei levar sarrabulho para o MasterChef. Mas, sinceramente, uma coisa que eu queria muito fazer era o nosso 'pratinho'. Para mim, seria fechar com chave de ouro. Criar um pratinho, com vatapá, todos elementos, trazendo uma apresentação bem bonita", finaliza Leonardo Giglio