Cineasta cearense Lucas Paz investe em carreira internacional

Em um momento de projeção do cinema brasileiro, Lucas reflete sobre as oportunidades dentro e fora do País

Quem acompanha a sétima arte viu que, em 2019, as produções brasileiras ganharam um destaque importante no cenário internacional. Seja com "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ou com "A Vida Invisível", do cearense Karim Aïnouz, ambos premiados no Festival de Cannes; ou mesmo com "Democracia em Vertigem", o documentário de Petra Costa indicado ao Oscar 2020.

Apesar do momento positivo lá fora, o contexto nacional é desafiante para a linguagem. Ainda em 2019, o presidente Jair Bolsonaro anunciou corte de 43% no orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), a principal fonte de renda das produções audiovisuais do País, para este ano. Além de outras ameaças que colocam em xeque o futuro dessa produção no Brasil, como a extinção do próprio Ministério da Cultura (MinC).

Para o cineasta cearense Lucas Paz, que fez carreira internacional nos Estados Unidos, a falta de incentivo para a viabilização de projetos audiovisuais é uma das maiores dificuldades de se fazer cinema no Brasil. "Eu vejo que as escolas de formação vieram para contribuir bastante com a possibilidade de mais pessoas realizarem essa linguagem. No entanto, percebo uma carência em âmbito nacional, estadual e municipal na organização para viabilização desses projetos. Me preocupa o nosso cenário político em que a atmosfera é de cortes de políticas públicas e de incentivos à arte e à cultura do País", diz.

Desbravar

A câmera e o cinema chegaram na vida dele ainda pequeno. Aos cinco anos, o cineasta começou a ter aulas de teatro. Quando criança, ganhou uma máquina fotográfica e perambulava pelas ruas de Fortaleza fotografando cenas que achava interessante.

Desde então, muita coisa mudou. Lucas abraçou a cultura e fez dela um meio de vida. "Eu sou muito curioso pelo universo da arte, como podemos travar diálogos com outras pessoas por meio dela e refletir sobre o nosso entorno. Ser cineasta foi uma consequência dessa investigação, foi uma conclusão de que é uma arte que possibilita que o imaginário seja exponencialmente elevado a um grau em que tudo é possível ser retratado na tela", conta sobre a decisão.

Aos 17 anos, foi para a Austrália para estudar Teatro Musical. Quando retornou, fez parte da última turma do Curso de Artes Dramáticas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e estudou Direção Teatral na Universidade de São Paulo (USP).

Em 2013, aos 24 anos, depois de um sonho e uma conversa com uma professora, veio a decisão de seguir para Los Angeles para fazer um mestrado em Cinema. Lá, onde ficou até janeiro de 2018 e deve retornar ainda este ano, atuou como professor de teatro e como diretor da peça "Seascape with sharks and dancer". "O Brasil me deu uma carreira em teatro como ator, produtor e diretor e os Estados Unidos me deu uma carreira em cinema", reconhece.

Produções

O fazer, longe do glamour vendido por Hollywood, na Califórnia, veio com muitas oportunidades, o que foi, inclusive, um dos motivos para a mudança. Tendo visto a carreira artística deslanchar na Terra do Tio Sam, Lucas sintetiza que a principal diferença entre a produção audiovisual no Brasil e nos Estados Unidos é justamente o investimento, por conta da modalidade de arrecadação ser divergente da que acontece por aqui.

"Os Estados Unidos vivem sob uma estrutura de capital em que as relações são travadas de maneira privada e que as produções recebem incentivo fiscal de abatimento no imposto de renda ou de crédito, com a política variando em cada Estado a partir do momento que a indústria cinematográfica tem a capacidade de gerar empregos locais", explica Lucas.

O diretor reflete ainda que há pouco espaço para o erro. "Muito tempo dedicado à pré-produção, disciplina. Creio que o teatro me ajudou bastante nesse processo de transição do teatro para o cinema nos Estados Unidos", afirma.

Entre as produções do cineasta, destaque para "Under Water: Dive Deep", disponível nas plataformas alemã e americana da Amazon Prime Video, assim como "Match" e " Lotone". Em 2020, mais quatro curtas-metragens sob o comando de Lucas entram no catálogo do serviço de streaming, são eles: "Erase Me", "Faithful", "Sick Day" e "Um Toque de Aurora". Neste último, premiado na categoria de melhor curta narrativo no Festigious International Film Festival, Lucas assina apenas a produção.

O cineasta cearense vê este espaço de streaming como uma forma de democratizar o acesso ao conteúdo audiovisual, além de fomentar a criação por parte de cineastas fora do circuito comercial.

Nosso maior desejo é que as pessoas do mundo todo possam consumir, se entreter e refletir com nossa arte, de modo que os serviços de streaming são essenciais em nossa era para esse partilhar. A democratização da acessibilidade nos impulsionam a cada vez mais refinar e aprofundar nosso trabalho".

Os planos para este ano incluem ainda a finalização do roteiro do primeiro longa-metragem de ficção científica "No meio do caminho: uma pedra". Além disso, retorna aos Estados Unidos para dar continuidade ao trabalho como diretor. O cearense também pretende voltar a ensinar e a promover cursos de formação em cinema para comunidades vulneráveis em Los Angeles.

Quanto às perspectivas acerca da produção nacional, Lucas espera que a importância da sétima arte seja vista, já que "cinema gera dinheiro, movimenta a economia até demais. É preciso ter cada vez mais consciência de que tudo que a população consome é arte, entretenimento portanto não cabe falar ou questionar a importância dos artistas", conclui.