Cearense vence prêmio nacional de literatura e dedica para cidade natal

Com obra "à cidade", escritor Mailson Furtado consolida o lugar da poesia cearense ao vencer a 60ª edição do prêmio literário mais importante do País

Escrito por

No lugar de grandes epopeias, o sossego das calçadas. Em meio ao intricado vozerio de personagens, um singelo observador a registrar aquilo que de mais especial acontece no cotidiano. Foi assim, com naturalidade, modéstia e narrando em versos, que Mailson Furtado conquistou o mais importante título da 60ª edição do Prêmio Jabuti, a principal comenda literária do País. A obra contemplada foi "à cidade", quarto livro do autor, lançada no ano passado durante a XII Bienal Internacional do Livro do Ceará.

A solenidade ocorreu na última quinta-feira (8), em São Paulo, e, desde então, tem assaltado o tempo e a atenção do poeta. Mesmo diante de tamanho (e justificado) furor, o escritor - natural de Cariré, no interior do Estado, mas autodeclarado varjotense - conversou com o Verso sobre a láurea, evocando os sentimentos que lhe atravessaram durante o evento.

Leia mais: Escritores cearenses comemoram conquista de Prêmio Jabuti por conterrâneo

"É uma sensação muito diferente, muito estranha", confessa. "Porque eu vim sem esperar que viesse nada, nem mesmo o prêmio de poesia - já que, entre os finalistas, tinha poetas com muito mais bagagem na carreira, e eu estou apenas começando. Foi uma explosão muito grande", reitera, afirmando que, além da surpresa de vencer na categoria "Poesia", lidou com o frenesi de conquistar o " Livro do Ano".

"Eu não esperava de jeito nenhum, até porque a prosa, no meu entender, tinha bem mais chances. Tinha lido várias matérias em que indicavam os favoritos ao Jabuti do ano e nenhum tinha listado a poesia. Então fiquei muito feliz, estático, extasiado", enumera, sensações que se refletiram no discurso na entrega do troféu, em que bradou para o mundo e, especificamente, o Ceará ouvir: "O Jabuti é nosso!".

Quebra de paradigma

Para Mailson, a vitória de "à cidade" foi encarada como total quebra de paradigma. A percepção advém não apenas devido ao gênero literário no qual o livro é enquadrado - a poesia é considerada um dos setores mais marginais da seara das letras -, mas, sobretudo, pelo fato de a obra ter sido produzida de forma inteiramente independente, com diagramação e capa feitas pelo próprio autor, vale sublinhar.

"De certa forma, é um prêmio para o mercado comercial e a vitória desse tipo de publicação afronta totalmente isso, abrindo algumas janelas tanto para o público enxergar essa questão, quanto para o próprio mercado pensar um pouco no que está fazendo", situa. "Incluo também os próprios autores, pois faz com que eles mostrem mais suas criações".

A opinião é endossada pela Gerente Institucional do Prêmio Jabuti, Evelina Fyskatoris.Ela comenta que a vitória do cearense reflete uma política trabalhada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) neste ano de abrir maior espaço para autores independentes, com inscrição diferenciada: "As estratégias são uma maneira de trazer visibilidade para obras que o mercado não conhece e inspire outras pessoas que acham que as grandes premiações não são para os independentes. Nosso entendimento é que a conquista do prêmio alavanque a democratização do acesso do público a bons autores e boas obras, independentemente se ligados a grandes casas de publicação ou não".

Evelina também destaca a emoção que tomou a plateia ao reverenciar Mailson - aplaudido de pé: "Foi tudo muito emocionante. No discurso, ele falou que o livro era uma homenagem à cidade dele, com menos de 20 mil habitantes, que praticamente não aparecia nas estatísticas. Penso, então, que trazer visibilidade para o autor, a obra e para essa cidade que, agora, já faz parte da estatística (da melhor forma possível) é algo muito valioso para a premiação como um todo".

Minúcias

A cidade evocada pela entrevistada diz respeito à Varjota, município localizado no Norte do Ceará. Ela foi inspiração para a obra vencedora devido à falta que Mailson sentiu de um tratamento literário do lugar.

De verve neoconcretista, investindo pesadamente na estética dos poemas - sintonizando forma e conteúdo - o livro é dividido em quatro capítulos, norteados por tempos verbais, iniciando no presente e culminando no futuro do pretérito. O esforço em registrar essas nuances se traduziu não somente no reconhecimento validado pela premiação, quanto pela retribuição financeira conquistada. Mailson traz para casa R$ 100 mil e, por enquanto, ainda não parou para pensar sobre o que vai fazer com ele. "Não tenho a mínima noção do que fazer", confessa.

No que ele está mais focado mesmo é no retorno ao Estado para alavancar o seu próximo livro, "Passeio pelas ruas de mim e dos outros", e da antologia de poemas "Cinco inscrições da mortalidade", ambos com lançamentos marcados para este mês.

"A questão é continuar", brada, Que assim seja.