Quem passar próximo à avenida Perimetral, no bairro São Miguel, no Crato, vai dar de cara com três Ritas Lee gigantes em altura, cor e beleza. Elas compõem o mural pintado pelo artista visual Wanderson Petrova em homenagem à lenda do rock brasileiro, falecida na última segunda-feira (8).
O trabalho levou, em média, cinco horas para ficar pronto e contou não apenas com a expertise de Wanderson, mas sobretudo com as emoções. Fã da padroeira da liberdade – como se autorreferenciou Rita Lee – o cearense diz que gostaria de ter feito uma pintura da cantora enquanto ela ainda estava viva. Não à toa, Lee já era tema de percursos e pesquisas.
“Sou imensamente atravessado por uma frase do escritor James Baldwin que diz: ‘Os artistas estão aqui para perturbar a paz’. Rita Lee é uma dessas artistas, com uma arte à frente do tempo, imortal e questionadora. Além da voz e das composições, Rita é e sempre será um corpo político, e isso me alimenta de inspiração”, justifica Wanderson.
Por sinal, o local onde está o painel é estratégico. Fica em uma rua onde antes a população jogava bastante lixo. Wanderson, assim, tomou para si a missão de tornar o território uma galeria a céu aberto. “E, quando penso no que vou pintar, lembro de mulheres – minhas tias, primas, minha avó, Josefa, além de artistas – e crio”. Esse esforço tem dado resultados.
O grafiteiro – arte-educador na Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo – já assinou vários outros muros no Cariri homenageando figuras como Marília Mendonça, Glória Maria e Naya Rivera, e teve o trabalho reconhecido até mesmo pela cantora americana Madonna por meio das redes sociais.
Tal conquista o levou a compor painéis no hospital pediátrico construído pela diva pop no Malawi e a ganhar cada vez maior repercussão. “Sou atravessado pelo pop, pelo rock, por essas mulheres que desafiaram toda uma indústria inicialmente destinada para homens. Elas reconfiguraram toda a própria existência e trouxeram letras, atitudes e perfomances muito questionadoras, para além dos palcos”.
Pintar é político
Criado pela mãe, Ivanilda Pereira Cavalcante – descrita por ele como uma mulher muito forte – Wanderson Petrova foi incentivado por ela a permanecer nesse universo de cores e criações. A teimosia sempre foi um elo questionador das coisas, e, com isso, o artista passou a manifestar o desejo de pintar o cotidiano ao redor.
A motivação, com o tempo, se tornou também política, principalmente por ser morador de uma cidade com altos índices de feminicídio. Desde 2018 – ano em que é possível consultar os dados oriundos do sistema de informação policial disponibilizados publicamente pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) – dos 157 feminicídios, 27 mulheres foram vítimas em cidades da Região do Cariri.
“Penso que o artista precisa ser ponte para questionamentos. Sempre pinto e grito por um ‘basta’, retratando assim essas mulheres do âmbito da fama, mas também da vida real – as rezadeiras e artistas mulheres da cidade, a comunidade LGBTQIAP+, da qual pertenço, entre outras”, enumera, enquanto destaca a função democrática da arte a céu aberto.
“Acho que, quando o artista se propõe a estar na rua, a levar essa mensagem, ele também precisa ter a responsabilidade do que está comunicando e para quê está comunicando. É preciso ser uma arte a serviço do bem”.
Serviço
Murais e outras artes feitas por Wanderson Petrova
Criações presentes no perfil do artista nas redes sociais