Em julgamento da boate Kiss, advogado de defesa questiona lista de sobreviventes

Na lista de 636 sobreviventes há nomes em duplicidade e de pessoas que afirmaram não estar no local naquela madrugada, em 2013

Uma inconsistência na informação sobre a quantidade de vítimas do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, atrapalhou nesta segunda-feira (6) o julgamento dos réus acusados pela tragédia ocorrida em 2013.

O imbróglio começou quando Stenio Rodrigues Fernandes, 30, apontado entre os 636 sobreviventes (pela lista oficial), afirmou ao júri que estava em Caçapava do Sul, a 100 quilômetros de Santa Maria, no momento do incêndio que causou a morte de 242 pessoas

Segundo a Folha de S. Paulo, responsável pela informação, o relato de Stenio, ex-promoter da boate, levantou dúvidas no júri sobre a lista de vítimas que sobreviveram à tragédia, divulgada pelo Ministério Público.

Argumento da defesa  

A testemunha foi questionada por Bruno Seligman de Menezes, advogado de defesa de Mauro Hoffmann, sócio-proprietário da Kiss, se sabia que era apontada como sobrevivente do incêndio.  

Stenio afirmou que sim, e Menezes acrescentou que Jorge Pozzobom (PSDB), por exemplo, atual prefeito de Santa Maria, deputado estadual na época da tragédia, também foi apontado como sobrevivente, apesar de ter declarado estar em casa naquela madrugada. 

À Folha, Pozzobom disse considerar um "erro grave" a lista. Ele afirmou que estava em casa na madrugada do incêndio e que somente depois de ter sido acordado com a notícia é que seguiu para o local para ajudar.

Para as defesas dos réus, a discussão se torna relevante por estar relacionada ao dolo eventual pelo qual são acusados, visto que um dos pontos da acusação é de que os proprietários da Kiss teriam assumido risco pela lotação acima da capacidade.

São julgados pela tragédia, além de Mauro Hoffmann:

  • Elissandro Spohr (sócio-proprietário da Kiss);
  • Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira);
  • Luciano Bonilha Leão (assistente de palco que teria comprado o artefato pirotécnico).


Eles são acusados de homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual.

"Completamente irrelevante", diz juiz

Para o juiz Orlando Faccini Neto, uma imputação de tentativa de homicídio a mais ou a menos é "completamente irrelevante" para o caso. "Não muda absolutamente nada", afirmou ele, segundo a Folha.

"Essa denúncia foi ofertada em abril de 2013, quando o fato ocorreu em janeiro de 2013, um dos de maior complexidade apuratória de que se tem conhecimento. Como se disse, eu errei, tu errarás, ele errará, nós erraremos, vós errareis e eles errarão. Isso não afasta em nenhuma medida o trabalho que foi feito", disse o juiz.

No julgamento, ao todo, serão ouvidas 12 testemunhas consideradas vítimas, de fato, da tentativa de homicídio.

Ministério Público reconhece erro

O Ministério Público do Rio Grande do Sul, ainda conforme a Folha, reconhece a inconsistência na lista que acompanha a denúncia. Lá, além de nomes de pessoas que não estavam na boate naquela madrugada, há pelo menos um nome em duplicidade e dois bombeiros, de acordo com Menezes. 

O Ministério alega que os erros se devem ao prazo exíguo para conclusão do inquérito.

No julgamento, a promotora Lúcia Helena Callegari chegou a dizer que o número real de vítimas sobreviventes passaria dos 636 nomes apontados na lista.

"Quando foi oferecida a denúncia, não tinham sido identificadas todas as vítimas. Posteriormente, foram recebidas pela polícia as listas das pessoas que acessaram os hospitais e várias vítimas que foram hospitalizadas nem constam no rol, vieram depois os prontuários médicos. Nós temos muito mais que 636 vítimas. Estou falando isso porque temos isso documentado no processo", afirmou.