Delator de uma investigação sobre lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), o empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, que foi executado na última sexta-feira (8) no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, contou em sua delação premiada detalhes do envolvimento da organização criminosa com o futebol, o mercado imobiliário, além de citar casos de corrupção policial. As informações são do Estadão.
A delação premiada de Gritzbach aponta que executivos da Porte Engenharia e Urbanismo, empresa responsável por erguer prédios em Tatuapé e a qual teve o empresário como funcionário, receberam pagamento de imóveis em dinheiro em espécie e sabiam de registros de bens em que o nome do verdadeiro proprietário ficava oculto.
Em agosto, quando o assunto foi noticiado pelo jornal, a empresa disse que não teve "conhecimento do documento da delação" e afirmou cumprir a lei. Na sexta-feira (8), acrescentou que Gritzbach foi "um corretor que atuou na empresa apenas entre 2014 e 2018" e disse seguir à disposição para contribuir com as investigações.
Ainda conforme o Estadão, o delator apresentou aos promotores cópias de mensagens que teriam sido trocadas com diretores da empresa. Gritzbach chegava a ganhar R$ 1 milhão de comissão por mês.
A construtora é alvo de investigação do Ministério Público por suspeita de ter vendido mais de uma dezena de imóveis para traficantes do PCC no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. A facção tem investido em imóveis de luxo na região, além de carros importados, bitcoins, fintechs e distribuição de combustível para lavar dinheiro.
Jogadores de futebol
Em seu depoimento ao MP, Gritzbach também acusou dirigentes ligados a empresas que cuidam da carreira de jogadores de futebol de lavar dinheiro do PCC. Promotores do órgão estariam em posse de mensagens e contratos quem embasam essa acusação.
Até agora, os crimes investigados não têm relação com atletas, cartolas e clubes, mas o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP investiga se a origem dos recursos para a negociação de atletas foi o narcotráfico.
No acordo de delação, Gritzbach falou sobre a atuação do empresário de futebol Danilo Lima de Oliveira, da Lion Soccer Sports. Ele ainda teria participação na UJ Football Talent. A Lion não se manifestou sobre o caso.
Outro empresário apontado por Gritzbach como ligado à lavagem de dinheiro é Rafael Maeda Pires, o "Japa do PCC", que teria participado do cotidiano das decisões da FFP Agency Ltda, do empresário Felipe D’Emílio Paiva. A FFP disse ao Estadão não ter conhecimento da delação. "Japa do PCC" foi assassinado em 2023.
Corrupção na polícia
O empresário entregou aos promotores do Gaeco, ainda na delação, um áudio com denúncias de corrupção policial. O registro é de uma conversa entre um investigador não identificado que trabalhava no Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) e o advogado Ahmed Hassan, o "Mude", acusado de ser ligado à cúpula da facção.
A conversa foi gravada pelo próprio Gritzbach sem o conhecimento dos outros dois no escritório dele. Ouvido pela polícia, Ahmed Hassan sempre negou as acusações.
Reportagem da TV Globo revelou ainda que, oito dias antes de ser executado, Gritzbach tinha denunciado à Corregedoria da Polícia Civil que havia sido roubado por investigadores.
Conforme a emissora, ele contou à Corregedoria que, no início de 2022, quando foi preso acusado de mandar matar um integrante do PCC, policiais levaram uma bolsa com R$ 20 mil de sua casa e uma caixa com uma coleção de relógios luxuosos. O estojo foi devolvido, mas com cinco relógios a menos.
Segundo a reportagem, o empresário reconheceu um desses relógios em fotos nas redes sociais de um dos policiais. As imagens, segundo o delator, foram apagadas depois da denúncia.
Recompensa de R$ 3 milhões
No acordo de delação, o empresário também contou sobre os R$ 3 milhões que o PCC teria anunciado como recompensa por sua morte. A facção acusa Gritzbach de desviar R$ 100 milhões da organização e ordenar a morte do "megatraficante" Anselmo Becheli Santa Fausta, conhecido como "Cara Preta", e de Antônio Corona Neto, o "Sem Sangue".
Ao MP, o empresário negou ser mandante da execução e alegou a suspeita do pagamento de propina na investigação da morte do traficante.
Relembre o caso
Antônio Vinícius Gritzbach foi morto a tiros na sexta-feira (8). Ele foi atacado ao sair do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo. Os disparos de fuzil calibre 765 foram realizados por dois homens em um carro preto.
Gritzbach chegou a ser socorrido, mas não resistiu. Ele foi atingido por pelo menos 10 disparos. O filho do empresário chegou separadamente ao aeroporto, acompanhado por um dos seguranças. A namorada deixou o local antes da chegada da polícia e foi posteriormente levada para prestar depoimento.
Fontes próximas relataram que Gritzbach sabia que corria risco após colaborar com as autoridades. Ele recusou, no entanto, ofertas de proteção feitas pelo Ministério Público.
Histórico de negócios e rivalidade
Vinícius atuava como corretor de imóveis e, anos atrás, iniciou negócios com Anselmo Bicheli Santa Fausta, o “Cara Preta”, um financiador de atividades do PCC. O empresário ajudava Santa Fausta a adquirir imóveis por meio de “laranjas” para disfarçar o fluxo financeiro da facção.
Em 2021, após desentendimentos relacionados a investimentos em criptomoedas, Vinícius teria se tornado o principal suspeito de ordenar a morte de Santa Fausta. Segundo o MP, ele buscou eliminar o antigo parceiro para não devolver o dinheiro que havia recebido para investir.