O adoecimento mental é realidade enfrentada e agora escancarada por meio de fatos recentes e estatísticas na Segurança Pública do Ceará. Cerca de 30% dos afastamentos de policiais militares e 11% dos policiais civis são por problemas psicológicos no Ceará em 2022.
Os dados foram obtidos pela reportagem a partir de pronunciamentos de representantes das corporações, que participaram de audiência pública, nessa segunda-feira (12), convocada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) a fim de discutir investimentos em prol da saúde mental dos agentes.
A audiência aconteceu quase um mês após as mortes de quatro policiais civis, em Camocim. As vítimas trabalhavam na delegacia, quando foram surpreendidas por um quinto policial, colega de categoria, que chegou ao prédio, pulou o muro dos fundos e matou os quatro.
TRANSPARÊNCIA NOS DADOS
Ainda no início da sessão, a promotora de Justiça Ana Cláudia Uchoa, titular da 137ª Promotoria de Justiça, reclamou da falta de transparência dos órgãos para disponibilizar dados específicos sobre atendimentos e licenças por transtornos mentais.
De acordo com a promotora, desde setembro do ano passado, o MP solicita acesso aos números, mas não havia recebido os relatórios completos da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) até essa segunda-feira (12).
"Essa audiência foi marcada porque desde setembro mandamos três ofícios para SSPDS e não responderam. Vamos ter que pedir busca e apreensão? Vamos ter que pedir condução coercitiva de quem? Eu marco audiência, notifico com antecedência e não trazem os dados? Não dá para a gente trabalhar sem números, não tem como. Eu acho uma falta de respeito"
Em resposta, o ex-delegado geral da PCCE e atual secretário-executivo da Pasta, Sérgio Pereira, disse durante a sessão que os documentos com as estatísticas estão tramitando e que "cada vinculada tem seus números, suas peculiaridades".
'SÍNDROME DO HERÓI'
Representantes das polícias participaram da audiência pública e disponibilizaram dados parciais acerca da saúde mental nas corporações.
No caso da PMCE, conforme o coronel Jorge Costa de Araújo e a policial militar coordenadora de saúde, Sandra Albuquerque, 30% dos afastamentos são por problemas relacionados à saúde mental, principalmente depressão e ansiedade. Outros 30% das licenças se devem aos problemas ósteo-musculares relacionados ao trabalho e os demais devido às patologias mais amplas, incluindo viroses.
Com efetivo de quase 22 mil PMs no Ceará, a coordenadora destaca que 90% dos agentes na Corporação têm risco de estresse pós-traumático e que 10% se reconhecem como usuários de alguma substância psíquica.
"São homens que têm a síndrome do herói, que muitas vezes não reconhecem o adoecimento. Como Instituição não podemos esperar que eles se reconheçam doentes, precisamos agir", disse Sandra.
O coronel Jorge Costa acrescenta que a SSPDS vem concentrando esforços para amenizar esta dor e tem como um dos desafios descentralizar o atendimento: "é uma dificuldade gigantesca dar atenção a todos. Pensamos que precisamos descentralizar ainda mais os atendimentos no Interior".
PROBLEMA SE ESTENDE AOS POLICIAIS CIVIS
De acordo com a delegada Geral adjunta da Polícia Civil, Tereza Cruz, a saúde mental na PCCE "é um tema complexo". "Números são frios, temos dificuldade em tratar do tema, porque é um tema delicado. Dizer que nosso número de suicídios é baixo? Não, qualquer vida importa", fala.
No Estado, o efetivo de policiais civis é de 4.196 servidores.
Só em Fortaleza estão 2.204, outros 487 na Região Metropolitana e 1.505 no Interior do Ceará. De janeiro a abril de 2023, segundo Tereza, foram 419 atendimentos psicológicos e 30 atendimentos psiquiátricos para a categoria.
A PCCE afirma que disponibiliza o Departamento de Assistência Médica e Psicossocial (Damps) para prestar assistência médica e psicossocial a todos os policiais civis e colaboradores da instituição, "por meio de um trabalho educativo, preventivo e terapêutico".
PROPOSTAS
Ao fim da sessão, a promotora Ana Cláudia Uchoa reforçou o acompanhamento e cobrança da ampliação da oferta do serviço de apoio psicossocial, projeto apresentado pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, com previsão de criação de quatro Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS) no interior do estado.
Ana Cláudia considera ainda que os dados parciais apresentados indicam a necessidade de garantir "atendimento adequado desse público, principalmente no interior do estado" onde a "oferta desse serviço ainda está muito aquém do que é necessário".