Criada em uma penitenciária estadual de São Paulo e em atividade há mais de 30 anos no Brasil, a facção paulista que atualmente figura como a maior organização criminosa do País enfrenta sua pior crise interna desde a fundação. O diagnóstico é do promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial e de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), um dos principais responsáveis por tentar sufocar a atuação do grupo criminoso no Brasil.
Em entrevista ao UOL, o promotor, que investiga a facção desde 2006, detalhou a cadeia de eventos que já provocou a morte de líderes do grupo, gerou uma sequência de “salves” (ordem dadas pela cúpula da organização) em rumos opostos e coloca em risco o poder do líder máximo do grupo: Marco Willians Herbas Camacho,56, o Marcola.
Conforme Gakiya, a origem da crise ocorreu em 2012, quando o maior líder da organização interveio em uma decisão da cúpula da facção que ordenou a morte do faccionado Marcos Paulo Nunes da Silva, o Baianinho Vietnã, acusado de tomar um ponto de droga e matar o dono do local sem autorização de seus superiores no organograma criminoso.
A articulação feita por Marcola para salvar o aliado foi mal vista por outras importantes lideranças do grupo, entre elas Edilson Borges Nogueira, conhecido como 'Biroska'. Cinco anos depois, ainda insatisfeito com o “irmão”, Biroska passou a defender que a facção investigasse a ex-esposa de Marcola, Ana Maria Olivatto, morta em 22 de outubro de 2002, em meio a acusações de que ela seria informante da Polícia Civil de São Paulo.
A postura do criminoso não passou impune. Em dezembro de 2017, ele foi executado durante o banho de sol na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, em São Paulo, sob acusação de caluniar o líder máximo da facção paulista.
Rastro de sangue
Conforme o promotor narrou ao UOL, a morte de Biroska provocou mais queixas de lideranças da organização criminosa contra Marcola. Entre os mais insatisfeitos estavam Rogério Jeremias de Simone, o 'Gegê do Mangue', Fabiano Alves de Souza, o 'Pac'a, Daniel Vinícius Canônico, o 'Cego', e Roberto Soriano, o 'Tiriça'.
Dos quatro, dois foram assassinados no ano seguinte, em 2018 no Ceará. 'Gegê de Mangue' e 'Paca' teriam descoberto que integrantes da facção criminosa estariam desviando drogas do grupo e, em uma ação que envolveu até o pouso de um helicóptero em uma região isolada do município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, os dois criminosos foram executados.
Os assassinatos, segundo o MPSP, foram determinados por Gilberto Aparecido dos Santos, conhecido como 'Fuminho' — aliado de Marcola, mas que não integrava a facção. Ele, Wagner Ferreira da Silva, o 'Cabelo Dur'o, e André de Oliveira Macedo, o 'André do Rap', seriam os “cabeças” do esquema de desvio de drogas da organização.
Com a morte de 'Gegê do Mangue' e 'Paca', nomes de peso histórico na facção, a cúpula do grupo ficou ainda mais insatisfeita com Marcola. 'Cego', que estava revoltado com a morte de 'Biroska' e agora com as execuções de mais dois aliados, ordenou a morte dos envolvidos com o crime. O “salve” provocou a morte de 'Cabelo Duro' e selou a expulsão de 'Cego' da organização.
Fratura exposta
Essas mortes de integrantes da facção na disputa entre as lideranças não foram as únicas. Em 2021, Nadim Georges Hanna Awad Neto foi morto depois de abandonar um plano para resgatar Marcola. Quem também acabou executado foi Devanir de Lima Moreira, o Deva
Na guerra interna do grupo, há ainda os jurados de morte, entre eles Marcos Roberto de Almeida, o 'Tuta', ameaçado pelo mesmo motivo que levou à morte Deva e Nadim. De acordo com Gakiya, atualmente, quem está com a missão de resgatar o líder máximo da facção paulista da prisão é Patrick Velinton Salomão, o 'Forjado', outro já ameaçado de morte.
Em meados do ano passado, um novo episódio expôs o racha da organização. Integrantes da cúpula do grupo presos na Penitenciária Federal de Brasília, onde também está Marcola, Wanderson Nilton de Paula Lima, o 'Andinho', e Abel Pacheco de Andrade, o 'Vida Loka', brigaram no pátio da unidade prisional. Ambos ficaram feridos durante o embate corporal, com lesões no nariz e na boca.
Ano novo
Passado o momento de desavença, os dois integrantes da facção não só se reaproximaram como firmaram um acordo entre si e com uma terceira liderança do grupo: Roberto Soriano, o 'Tiriça', que desde 2012 acumula atritos com Marcola.
Ainda conforme o promotor, na entrevista ao UOL, no início deste ano, o trio fez circular um “salve” em que exclui e ordena a morte de Marcola. O principal líder da facção é acusado de irresponsabilidade com os negócios do grupo, além de supostamente agir seguindo interesses pessoais.
Em resposta, neste mês, outro “salve”, agora da “Sintonia Final”, alinhada a Marcola, determinou a expulsão de 'Andinho', 'Vida Loka' e 'Tiriça' da organização criminosa por suposta traição e calúnia contra o líder máximo.
A “Sintonia Final” funciona como uma última instância no organograma criminoso. É uma espécie de colegiado formado por integrantes que ocupam cargos de comando na organização há anos.